O incentivo à criação de escolas cívico-militares na rede pública é uma das metas da Casa Civil. Em janeiro de 2019, o decreto 9.465/2019 criou uma subsecretaria de fomento ao modelo no Ministério da Educação (MEC). Vinculada à Secretaria de Educação Básica, seu objetivo é estimular a gestão administrativa e educacional, em escolas públicas, adotada por colégios militares do exército, polícias e bombeiros. Já em fevereiro, quatro escolas de Brasília (DF) passaram a operar de forma militarizada.

Segurança e ensino de qualidade são duas justificativas do governo para as escolas militarizadas. Contudo, no primeiro caso, pesquisadores questionam os benefícios da militarização.

“Há diferenças entre escolas militares, que nascem apoiadas pelas corporações militares e costumam ter mais recursos em relação às demais escolas públicas, e as militarizadas, que são instituições públicas anteriormente civis e cuja administração é cedida para as corporações”, afirma a professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos.

Em linhas gerais, escolas públicas militares ou civis que possuem um investimento maior do que a média costumam ir melhor nas avaliações externas. Exemplos são os Institutos Federais, que tendem a apresentar boas posições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No caso específico dessas instituições, a economista e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alessandra de Araújo Benevides, lembra que, além de contarem com mais recursos, esse bom desempenho nas avaliações externas também pode ser influenciado pela seleção de alunos.

Ao comparar os dados de escolas civis e militares do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), para o 9º ano do ensino fundamental, Benevides percebeu que, à primeira vista, as escolas militares ficavam até 50 pontos à frente das civis. Contudo, ela considera que a diferença de desempenho tem relação direta com os fatores socioeconômicos. “A maioria costuma cobrar uma taxa administrativa dos pais dos estudantes. Isso exclui os mais pobres”, assinala.

“As escolas militares aqui no Ceará têm um nível socioeconômico maior do que as escolas regulares. Em média, os pais dos alunos das militares têm nível educacional maior. As diferenças de desempenho sem fazer o controle para estas variáveis, que são importantes, leva a conclusões exageradas sobre o efeito da escola militar em si”, explica.

“Também não vejo diferenças significativas entre o Ceará, que investiu nos últimos anos em ensino profissionalizante, com estados como Minas Gerais e Goiás, que possuem mais escolas militares”, aponta.

Analisando a violência

Pesquisadora do campo de violência escolar, a socióloga e professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Miriam Abramovay, vê a violência como um problema pedagógico e não disciplinar. Segundo ela, pesquisas apontam que envolver os alunos na escola por meio da gestão democrática e melhorar o diálogo intergeracional entre jovens e adultos influenciam positivamente nessa questão.

“Salvo exceções, o que acontece nas escolas públicas não é a chamada violência dura, mas brigas, xingamentos, racismo e homofobia diários, que envolve todos os atores. Isso prejudica o clima escolar, relacionamentos e aprendizagem”, informa.

“A escola não sabe escutar os jovens e se comporta de forma autoritária, culpabilizando-o. O resultado é que o estudante não participa do seu cotidiano escolar, nem sente que tem voz e voto. Justamente em um ambiente que deveria ser construído para e com ele”, contextualiza.

De acordo com Abramovay, ainda não há pesquisas que comprovem os benefícios da militarização em outras nações do mundo. “Nas escolas militares, a obediência a todas as regras impostas se dá pelo medo. Já o respeito é construído pelo diálogo e deriva da admiração. Se esse aluno não aprende a respeitar, de nada adiantará quando ele sair do ambiente escolar “, opina Santos.

Habilidades inviabilizadas

Inovação, criatividade e capacidade de tomar decisões de forma autônoma são consideradas habilidades para uma educação voltada ao trabalho e a vida no século 21. Para Santos, as características das corporações militares inviabilizam o desenvolvimento dessas características.

“A constituição lembra que o papel da educação é o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A escola é o primeiro espaço em que o estudante, fora da igreja e da família, conhece pessoas diferentes e aprende a respeitar o outro pelo sujeito que é”, explica.

“A lógica da corporação militar não permite esse ambiente diverso. Alunos com deficiência e pobres não conseguem permanecer nesse espaço. Além disso, não é permitida a manifestação cultural, como um jovem negro que quer usar um black power, por exemplo. Nesse sentido, a educação e a militarização são lógicas opostas”, acrescenta.

Ainda para Santos, a lógica militar vai na contramão do que é praticado nos países referências na educação, como a Finlândia. “São escolas voltadas para os alunos serem criativos, terem liberdade para se manifestar.”

“O aluno precisa ter abertura, inclusive para se expressar, para praticar a criatividade e a intuição combinada com raciocínio lógico. Liberdade de expressão não é o forte de escolas militares, então, neste ponto, elas vão de encontro ao que a sociedade atual precisa. A disciplina pelo medo é uma realidade deste tipo de escola”, diz. “Talvez alguns estudantes específicos possam se beneficiar com a rigidez de regras, mas não a maioria”, complementa Benevides.

Segundo ela, outro problema é que as instituições de ensino militarizadas saem do amparo das secretarias da educação para as de segurança pública. Na prática, deixam de seguir as regras da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “Essa legislação, por exemplo, orienta para a gestão democrática. Mas na escola militar não tem grêmio de alunos ou conselho estudantil. Essas instituições só seguem o que está na LDB que não confronta com suas regras”, ressalta.

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Crédito da imagem: Dênio Simões/Agência Brasília

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