A Lei nº 13.663, sancionada em maio de 2018, incluiu a promoção da cultura de paz e da não-violência nas escolas. Para o coordenador do Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a Paz e Convivências (NEP), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Nei Alberto Salles Filho, o ensino do tema é uma forma de mudar o cenário de intolerâncias que ficou ainda mais evidente na sociedade brasileira no período de eleições. Para isso, o educador sugere que os alunos tenham contato com atividades escolares de cinco campos diferentes: valores humanos; educação para direitos humanos; mediações de conflito e práticas restaurativas; sustentabilidade; e práticas de convivência.
“Apenas discutir valores humanos – como o conceito de responsabilidade ou solidariedade – deixa de fora o contexto social que gera a violência. Nesse sentido, trabalhos de direitos humanos podem complementar”, justifica. “Quanto mais a escola conseguir realizar atividades desses cinco campos, mais estará trabalhando uma cultura de paz”, garante.
O que é a cultura de paz?
Nei Alberto Salles Filho: É possível pensar a cultura de paz a comparando com a cultura da violência. Essa última tem duas características. A primeira é direta, ou seja, as agressões. Geralmente, apenas nos damos conta dessa face na escola. A segunda é estrutural: miséria, pobreza e desigualdade social geram isso. Assim, a cultura de paz busca uma reflexão individual, mas também pensar condições sociais para um processo de não-violência, e isso passa pelos direitos humanos, enfrentamento da pobreza, entre outros.
O que é necessário para aplicá-la na escola?
Salles Filho: A instituição de ensino é um espaço de convivência e é natural que conflitos e a violência apareçam. Então, é preciso pensar as ações e as reações dos educadores e dos alunos nas suas interações, estimulando o diálogo e a resolução de conflitos. Um ponto essencial é que haja a reflexão da escola no processo pedagógico para estimular relações não-violentas e o trabalho cooperativo. Ser observarmos bem, isso não é nenhuma novidade, mas um reflexo da própria educação.
O que o professor precisa saber sobre ele mesmo para aplicar a cultura de paz?
Salles Filho: É necessário um autoconhecimento e também um entendimento social e do quadro das relações que acontecem na escola. No âmbito pessoal, é preciso reavaliar suas próprias concepções de conflitos, de violência direta e estrutural. Sobre o contexto, é entender que a agressão que se manifesta no ambiente escolar é a ponta do iceberg e que não adianta somente tratá-la. É necessário entender o que gera esse comportamento.
E sobre o seu aluno?
Salles Filho: O aluno está trilhando seu processo pedagógico e necessita do professor para balizá-lo. O ideal é ajudá-lo a pensar nos próprios conflitos que aparecem e em como as relações interpessoais se dão na escola. Para resolver um problema, a violência é aprofundada ou há diálogo para equacionar a situação de forma não-violenta? O estudante precisa entender o que são os direitos humanos aplicados no contexto escolar e pensar as diferenças. Isso já tem sido realizado nas instituições de ensino, não como o nome de cultura de paz. Agora com a alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pela Lei nº 13.663, esse processo de humanização e qualificação das relações pode ficar mais claro.
Como a cultura de paz pode ser aplicada na escola, na prática?
Salles Filho: A cultura de paz é um guarda-chuva que abriga cinco campos: valores humanos; educação para direitos humanos; mediações de conflito e práticas restaurativas; questões ligadas ao meio ambiente, que chamamos de ecoformação; e vivências e convivências escolares. Quanto mais a escola conseguir realizar atividades desses cinco campos, mais estará trabalhando esse tema. Por exemplo, apenas discutir valores humanos – como o conceito de responsabilidade ou solidariedade – deixa de fora o contexto social que gera a violência. Para isso, trabalhos de direitos humanos podem colaborar. O mesmo vale para o diálogo e a restauração de vínculos pela mediação de conflito. Caso contrário, corre o risco da instituição de ensino apenas chamar os alunos para desenhar pombinhas, cantar uma música ou dar um abraço coletivo no prédio, como se a paz já se instaurasse imediatamente a partir daí. O que não é verdade.
São necessárias atividades periódicas?
Salles Filho: Sim, fazer uma Semana da Paz na escola, por exemplo, é efetivo se for o fechamento de um processo que contou com diversas atividades de não-violência. Se for para trabalhar o tema apenas naquele momento do ano, como uma atividade isolada, não funciona.
A cultura de paz pode ser aplicada de forma interdisciplinar?
Salles Filho: No início do fundamental, quando o conhecimento é centralizado, é mais fácil. Nos anos finais dessa etapa e no ensino médio, com uma grade curricular com diversas disciplinas e um conhecimento fragmentado, é mais desafiador. A indicação, então, é a aproximação dos educadores para atividades interdisciplinares. Basta um olhar para procurar como a violência e o respeito à diversidade podem ser resgatados. Por exemplo, o professor de português pode ver na prática de redação a oportunidade de aprofundar temas de direitos humanos. Geografia costuma abordar questões ambientais, da população e da vida nas cidades. Em história, há o desenvolvimento das guerras e como certos valores humanos foram mais destacados em determinados momentos históricos. Matemática pode ajudar a ler gráficos de forma crítica. Física e química podem trabalhar as substâncias utilizadas para destruição em massa.
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