“Criar ambientes de aprendizagem seguros e de apoio ajudam meninas a ganhar confiança e senso de propósito”, afirma a paquistanesa Sister Zeph, ganhadora do Global Teacher Prize 2023, conhecido como o ‘Oscar’ da educação.
Zeph sofreu discriminação, quando aluna, por ser mulher e cristã em um país majoritariamente muçulmano. Após ser esbofeteada por um professor quando tinha 13 anos, ela abriu uma escola no quintal de casa para estudar com as amigas e educar outras mulheres. O projeto cresceu, virou um instituto e hoje Zeph também oferece orientação vocacional e formação profissional gratuita para meninas da sua região.
“Promover autoconfiança e habilidades vocacionais ajuda a prepará-las para um futuro autossuficiente”, justifica.
Em entrevista exclusiva para o Portal de Educação do Instituto Claro, Zeph relembra sua trajetória e orienta professores de escolas públicas brasileiras sobre como incentivar a educação das meninas.
Instituto Claro: Quais desafios você enfrentou quando era estudante e por que eles ocorreram?
Sister Zeph: Quando criança em Gujranwala, no Paquistão, enfrentei adversidades durante minha educação. Cresci em uma comunidade onde a educação para meninas era desvalorizada e fui maltratada por professores. Isso me levou a abandonar a escola cedo. A oposição cultural e social à educação das meninas também dificultou meu aprendizado. Esses desafios se originaram de atitudes conservadoras em relação ao papel das mulheres e da falta de acesso a uma educação de qualidade na minha aldeia.
Como esses desafios influenciaram sua decisão de seguir a carreira de professora?
Zeph: Essas experiências pessoais de injustiça e discriminação me motivaram a começar a ensinar muito cedo. Depois de testemunhar as injustiças que meninas desfavorecidas enfrentavam em minha comunidade, eu queria ser uma voz para a mudança. Ensinar tornou-se minha maneira não apenas de educar, mas também de empoderar a próxima geração de meninas para romper com o ciclo de pobreza e discriminação.
Quais foram os primeiros passos como educadora?
Zeph: Perceber que a educação poderia ser uma ferramenta poderosa para empoderar meninas me levou a abrir uma escola no pátio de minha casa quando tinha 13 anos. Convidei algumas amigas para estudarmos juntas, mas percebi que, se quisesse oferecer educação gratuita a outras pessoas, precisaria de recursos, mas não tinha nenhum. Então, fui a uma vizinha e aprendi a bordar, o que se tornou uma maneira de gerar renda. Continuei trabalhando e ensinando por muitos anos; trabalhava oito horas por dia, ensinava minhas alunas por quatro horas e estudava por quatro horas. As dificuldades iniciais me tornaram determinada a fornecer um ambiente no qual as meninas pudessem se sentir seguras, respeitadas e valorizadas como alunas. Isso lhes daria um ponto de partida na vida e as equiparia para viver melhor.
Como professora, o que você queria fazer de diferente?
Zeph: Eu queria criar um ambiente de aprendizado inclusivo e de apoio, diferente do que experimentei quando criança. Meu objetivo era garantir que minhas alunas se sentissem cuidadas, empoderadas e incentivadas a aprender sem medo. Meu foco não era apenas acadêmico, mas também promover autoconfiança e habilidades vocacionais para preparar as meninas para um futuro autossuficiente. Além de ajudar a educar centenas de jovens meninas, também criamos um centro vocacional que oferece treinamento em habilidades para mães jovens, para que elas ganhem seu próprio dinheiro e, assim, apoiem seus filhos e famílias. Ensinamos costura; tecnologia da informação (TI) e alfabetização digital; inglês, para obter conhecimento na internet; e curso de cabeleireiro e maquiagem, para que elas possam abrir salões de beleza. Temos nossa própria linha de roupas e usamos essa renda para financiar o projeto, o que também cria empregos para as mulheres que aprendem a costurar conosco. Atualmente, 30 pessoas trabalham lá, todas mulheres.
Como foi sua jornada para se tornar professora?
Zeph: Extremamente desafiadora. Aos 13 anos, eu equilibrava longas horas de trabalho e estudo noturno enquanto ensinava crianças da minha vizinhança. Apesar da oposição, incluindo um ataque à minha casa em 2006 por ensinar meninas, continuei comprometida com minha missão. Com o tempo, a escola cresceu de um pequeno grupo de estudantes para uma instituição que atende centenas de crianças carentes. Além de ensinar, passei minha vida estudando e aprendendo. Tenho dois mestrados em ciência política e história, estou estudando para obter um diploma em educação e há alguns anos o Google tem sido meu professor. Aprendi a comparar diferentes fontes de informação, a pensar criticamente, a pesquisar e buscar informações corretas, não desinformação. Acredito que essa habilidade de pensamento crítico é algo valioso para nutrir em minhas alunas também.
Quais desafios você enfrenta hoje como professora?
Zeph: Ainda hoje enfrento desafios relacionados à resistência cultural à educação de meninas e restrições financeiras que me impedem de ofertar recursos adequados para as minhas alunas. Também continuo lidando com ameaças daqueles que se opõem ao meu trabalho. No entanto, aprendi a ser resiliente ao longo dos anos, e o apoio de minhas alunas e da comunidade tem me mantido firme.
Quais são suas dicas para os professores de escolas públicas no Brasil para incentivar a educação das meninas?
Zeph: Gostaria de encorajar os professores brasileiros a construir confiança com as famílias e comunidades, mostrando a elas o valor da educação das meninas, tanto no sentido pessoal quanto social. Ao criar ambientes de aprendizagem seguros, de apoio e inspiradores, os professores podem ajudar as meninas a ganhar confiança e um senso de propósito. Incluir os pais no processo também pode ajudar a superar barreiras conservadoras.
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Crédito da imagem: arquivo pessoal