Salluit é uma pequena vila de índios esquimós localizada no ártico canadense onde a temperatura pode atingir até 25º C negativos. Quando começou a lecionar na região, há seis anos, a educadora Maggie MacDonnell se deparou com uma comunidade marcada por altos índices de evasão escolar, jovens usuários de drogas e uma onda de suicídios que atingia em cheio a população com menos de 25 anos. Nesse contexto tão desafiador, como atrair novamente os estudantes para a escola? Maggie encontrou a solução ao desenvolver um programa de oficinas que contemplavam os interesses de seus alunos, que passava de marcenaria à gastronomia. Além disso, ela ajudou na construção de um centro de esportes e de um grupo de prevenção ao suicídio. Por esses trabalhos, ela foi contemplada com o Global Teacher Prize – o “Prêmio Nobel” da educação.
Confira, a seguir, entrevista exclusiva com a educadora.
Quais foram os principais desafios que você enfrentou?

Maggie MacDonnell – Os estudantes carregam traumas intergeracionais. Eles, seus pais, avós e bisavós foram afetados por eventos traumáticos como migração forçada, as chamadas escolas residenciais (que afastou crianças esquimós das suas aldeias para que fossem inseridas na “cultura canadense”) e surtos de tuberculose. A crise da habitação é uma das mais graves do mundo e, devido ao clima, as pessoas raramente podem viver ao ar livre. A insegurança alimentar afeta mais de 50% da população porque os alimentos são caros, devido aos custos de transporte. Por fim, havia a questão das drogas entre os alunos e uma onda de suicídios.

Como o suicídio afetava os professores? 

Maggie MacDonnell – Além de perder o aluno para o suicídio, o professor fica preocupado que seus amigos e familiares também estejam em risco. Isso requer uma tremenda energia emocional. Para se ter uma ideia, a minha comunidade de apenas 1.400 habitantes enterrou dez jovens que se suicidaram em apenas dois anos.

Por que é importante para o professor entender a comunidade na qual ele vai atuar?

Maggie MacDonnell – A fim de tornar suas lições, currículo e projetos relevantes para as realidades locais, você precisa entender a comunidade. Eu, pessoalmente, assumo uma abordagem de desenvolvimento comunitário para a educação, na qual desejo que meus alunos se vejam como soluções para os desafios de sua comunidade.

Como o professor pode expandir seu olhar para as necessidades da comunidade?
Maggie MacDonnell – Para alguém que vem de fora, é um processo constante onde você continua a observar, a travar diálogos com diversos grupos dentro da comunidade, pesquisar, aprender com outros exemplos, refletir sobre sua posição e privilégios, estabelecer conexões e construir relacionamentos para melhorar sua compreensão da área. Na verdade, não há linha de chegada: o professor permanece constantemente um aprendiz.

Por que criar um centro de musculação, equipes de corrida e times com os estudantes?

Maggie MacDonnell – A atividade física é uma ferramenta para a construção de resiliência. Os jovens na aldeia de Salluit estão cercados por estratégias de enfrentamento do estresse nada saudáveis, como fumar e usar drogas. Mas quando investimos em oportunidades recreativas saudáveis, eles aproveitaram a oportunidade. Em segundo lugar, os jovens necessitam de relações e conexões com companheiros de equipe, amigos, treinadores e mentores. Assim, numa crise, eles têm uma rede de apoio a recorrer.

E a opção pelas oficinas profissionalizantes?

Maggie MacDonnell – Precisamos evocar a esperança. Quando eles estavam tendo um dia ruim, eles tinham outro objetivo para se concentrar, ou apenas sabiam que havia um amanhã esperançoso. Eles se mantinham perseverantes e desenvolvendo mais resiliência para assumir os desafios ao seu redor.

Por que é importante que os jovens estudem o que gostam?

Maggie MacDonnell – Inicialmente, o professor deve começar onde os jovens estão e em seus interesses. Uma vez que um relacionamento é estabelecido, eles vão confiar em você o suficiente para segui-lo em novos temas, conteúdos e ideias.

O que você pretende fazer depois do Prêmio? Quais são seus planos?

Maggie MacDonnell – Eu espero começar uma organização sem fins lucrativos. Ela criará plataformas para que os jovens Inuit se reconectem com sua cultura, estabeleçam estilos de vida saudáveis e cuidem do seu ambiente. Quero que esse projeto permita aos jovens inuits e ao mundo vê-los como cidadãos locais e globais.

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