O cinema é uma ferramenta que pode ser usada para ensinar Guerra Fria, período marcado por um conflito político-ideológico entre Estados Unidos e a ex-União Soviética (URSS), entre 1947 e 1991. Na educação básica, esse conteúdo é trabalhado no 9º ano de geografia e história, e retomado no 3º ano do ensino médio em história.

“Seu uso vai além da ilustração, pois além de contarem histórias sobre o período, os próprios filmes eram propagandas da guerra usadas pelos Estados Unidos e União Soviética para doutrinarem suas zonas de influência. Ou seja, essas produções falam mais do tempo em que foram produzidas do que daquilo que representam”, explica o professor do mestrado profissional de história na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e autor do livro “História das Américas através do cinema”, Flávio Vilas Boas Trovão.

Viés ideológico

Mestre em história pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador de cinema e Guerra Fria, Gustavo Henrique Shigunov destaca a importante de contextualizar com os alunos que a maioria dos filmes disponíveis no ocidente tem um viés ideológico: o estadunidense.

“É importante não cair no anacronismo e imputar valores do nosso tempo nessas produções que possuem um lado na guerra”, aponta.

Trovão lembra que, por se tratar de um período de quase 50 anos, houve diferentes momentos e humores em relação ao papel dos Estados Unidos na Guerra Fria.

“Nos anos 60 e 70, há uma forte crítica à guerra do Vietnã e o contexto desfavorável aos Estados Unidos, o que se reflete nas produções. Já nos anos 80, os filmes passam a enaltecer o papel dos estadunidenses e se inicia um período de produções com heróis de guerra, caso de Rambo”, pontua

“É importante contextualizar isso, porque um filme produzido nos anos 80, ainda que retrate os anos 60, terá valores da época em que foi feito”, exemplifica.

Outro cuidado apontado por Shigunov é em relação à “russofobia”, já que muitos dos filmes estadunidenses trazem cidadãos desses países como vilões. “Há muitos estereótipos culturais contra um povo e é preciso sensibilidade nesse sentido, até para separar que um governo não são seus cidadãos. E vivemos um período em que o comunismo é visto como um fantasma”, destaca.

“Esse assunto é importante porque, após a Guerra da Rússia e Ucrânia, com a Rússia colocada como eixo do mal, o preconceito e discriminação contra russos foi revitalizado”, afirma o doutor em geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Thiago Macedo Alves de Brito.

Explorando outros países

Brito explica que a quantidade de temáticas relacionadas à Guerra Fria que pode ser abordada em aula é diversa.

“Lançamento da bomba atômica, a crise dos mísseis, guerra do Vietnã e corrida espacial são algumas delas”, elenca.

Trovão recomenda buscar produções de outros países que foram afetados pela Guerra Fria além dos Estados Unidos e União Soviética.

“A ditadura militar brasileira, por exemplo, é um reflexo direto da Guerra Fria com o golpe contra o governo João Goulart justificado pela sua suposta relação com o comunismo”, lembra o professor.

Em relação à atividades, Trovão indica discutir com os alunos os desdobramentos atuais da Guerra Fria, que incluem a globalização.

Confira seis filmes que ajudam a ensinar conteúdos da Guerra Fria nas aulas de história e geografia.

Oppenheimer (2023)

Aborda a história do físico J. Robert Oppenheimer, que trabalha com uma equipe de cientistas no desenvolvimento daquilo que seria a bomba atômica.

“Fala das bombas jogadas em Hiroshima e Nagasaki [no Japão], que são realmente o começo da Guerra Fria, e também o julgamento dele, acusado de passar informações para a União Soviética”, descreve Brito. Classificação indicativa: 16 anos.

Boa noite e boa sorte (2005)

Nos anos 1950, o âncora de televisão Edward R. Morrow critica os métodos que o reacionário senador Joseph McCarthy usa para caçar supostos comunistas nos Estados Unidos. “Fala sore a ‘caça às bruxas’ que atingiu artistas e políticos com perseguição e censura, sendo um assunto ainda pouco abordado no cinema norte-americano”, pontua Shigunov. Classificação indicativa: 12 anos.

Dr. Fantástico (1964)

Um líder militar insano, convencido de que os adeptos do comunismo conspiram para conquistar o mundo, emite comandos para realizar ataques aéreos na Rússia, desencadeando assim um perigoso ciclo de hostilidades nucleares. O filme ajuda a profundar o conhecimento acerca da Guerra Fria; a contextualizar as ideologias do período e a discutir os estereótipos construídos a partir delas. Você também pode conferir um plano de aula sobre ele. Classificação indicativa: 14 anos.

Adeus, Lenin (2003)

Na Alemanha Oriental, Alexander vê a sua mãe comunista enfartar. Ela acorda um ano depois, após a queda do Muro de Berlim, mas seu filho luta para fingir que nada mudou, temeroso que o choque lhe seja fatal.

“Vai falar do fim da união soviética e do desmantelamento da Alemanha comunista. Uma cena clássica é a retirada da estátua de Lenin”, assinala Shigunov.  Classificação indicativa: 14 anos.

Corações e mentes (1974)

O premiado documentário revela os efeitos da Guerra do Vietnã. “Tem discurso pacifista e foi lançado com o objetivo de criar entre o público uma adesão ao fim da guerra”, observa Trovão.

“Destaque para uma cena em que um senhor vietnamita que faz caixões diz para os americanos irem embora porque seu povo tem uma cultura milenar e não iria desistir. Entre em cenas paralelas, o então presidente estadunidense [Richard] Nixon afirmando que os vietnamitas não tinham apreço pela vida e a de um menino vietnamita chorando sobre o caixão de seu pai. Tudo isso mostra o profundo desconhecimento dos Estados Unidos sobre aquilo que estavam enfrentando”, comenta Trovão. Classificação indicativa: 14 anos.

Hair (1979)

O musical retrata Claude, um jovem do Oklahoma, recrutado para a guerra do Vietnã e acolhido em Nova York por um grupo de hippies. “O objetivo da produção é tanto enaltecer a juventude hippie que pregava a paz quanto os soldados que se sacrificaram na guerra, conciliando dois movimentos opostos”, analisa Trovão. Classificação indicativa: 16 anos.

Veja mais:

Plano de aula: Da Guerra Fria ao mundo atual

Chernobyl: série ajuda a explicar radioatividade e Guerra Fria no ensino médio

Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria são temas que podem ser relacionados ao livro “1984”

“Estrelas além do tempo”: 9 formas de utilizar pedagogicamente o filme

Revolução Russa completa 100 anos com desdobramentos contemporâneos

Crédito da imagem: Universal Pictures

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Cápsula do tempo ajuda a trabalhar contextos históricos em sala

Itens arquivados por escola paulista em 1922 podem ser consultados online

Práticas corporais de aventura ensinam conteúdos de biologia e educação física

Disciplinas podem ser abordadas durante trilhas e corridas ao ar livre com os alunos

13 dicas para criar uma peça de teatro com os alunos

Professores recomendam trabalhar com jogos, improvisações, literatura e música no processo criativo

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.