Escolas das redes públicas já sofrem com os efeitos das ondas de calor que atingem o Brasil e prejudicam o trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos.
“É difícil estar em uma sala de aula com 40 estudantes em situação de calor extremo. Para além do desconforto, o calor dificulta a concentração e colabora com a evasão escolar, realidade já enfrentada por regiões mais quentes do país e que pode piorar”, contextualiza a doutora em ecologia e professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP-Campus Registro) Fernanda Tibério.
Situação vivenciada pela professora das redes estadual e municipal de Campina Grande (PB) Rosilene Sabino Furtado. “Minhas salas de aula são ‘privilegiadas’ por possuírem um ventilador de chão. Os alunos acordam em deixá-lo girando as três primeiras aulas para um lado e as três últimas para o outro, beneficiando a todos”, compartilha.
“Eles tentam sentar na frente para receber essa pouca ventilação. Além disso, após a educação física, precisam se refrescar com a água quente da torneira e tentar sentar do lado em que o ventilador está girando”, lamenta.
Para a professora, essa realidade é diferente da vivida pelos seus netos, estudantes da rede privada da cidade.
“Enquanto as minhas turmas possuem 35 alunos para dividir um ventilador, as deles não chegam à metade de crianças e contam com ar-condicionado. É uma disparidade”, destaca.
Ações emergenciais
Para professores e alunos nessas condições, a percepção do calor pode variar de um leve desconforto até a exaustão ou insolação. “Há um esforço do sistema circulatório para dissipar o calor extremo para a pele, que resulta na produção de suor. Isso leva à perda de água e eletrólitos que, se não repostos, causam desequilíbrios metabólicos”, descreve Tibério.
“Como resultado, a pessoa pode sentir fadiga, tontura, dores de cabeça, confusão mental e até desmaios. Essa é uma situação de extremo estresse físico e com isso o
cérebro não tem condições para aprendizagem”, justifica.
Segundo Tibério, o problema afeta diretamente o direito à educação. “As populações vulneráveis estão em maior risco dos impactos das ondas de calor e, consequentemente, de evasão escolar”, associa.
Já a doutoranda em Tecnologia da Arquitetura e especialista em conforto térmico Iara Liguori aponta ações que podem ser realizadas pela rede a curto prazo. “Ações imediatas são ofertar água em abundância aos alunos, repensar atividades físicas em momentos de calor extremo e orientá-los para que escolham roupas leves”, elenca.
Ventilação cruzada
As ações em longo prazo incluem repensar a infraestrutura da escola. “Ações de eficiência energética incluem a escolha por materiais com maior isolamento térmico, a troca das esquadrias e o uso de cores claras nas fachadas e telhados. Além disso, é importante que as salas de aula tenham pelo menos duas aberturas opostas para ventilação. Dessa forma cria-se uma ventilação cruzada que renova as trocas de ar e melhora a sensação térmica”, ensina a arquiteta.
“Muitas escolas são constituídas como caixas, com janelas apenas de um lado e sem ventilação cruzada. Apenas depois da sua construção se averigua a possibilidade de se instalar ventiladores”, descreve Tibério.
Para a especialista, mesmo a instalação de ar-condicionado deve ser pensada com cautela, optando por soluções estruturais de melhoria da ventilação.
“Em grande escala, a instalação do ar-condicionado aumenta o consumo de energia, que está relacionado à emissão de CO 2 e à elevação da temperatura global”, descreve.
Além da parte interna das escolas, Liguori explica a necessidade de pensar o conforto térmico nas áreas externas. “Isso implica em aumentar o plantio de árvores no entorno do edifício para o fornecimento de áreas de sombra”, indica.
“O que geralmente observamos nas redes são espaços abertos sem sombra ou árvores e com muito concreto, o que aumenta a temperatura local e impossibilita atividades ao ar livre, como as aulas de educação física”, complementa Tibério.
Papel das secretarias
A doutora em ecologia explica que a responsabilidade de manutenção da escola é da gestão escolar, com recursos advindos das esferas municipais, estaduais e federais.
“Além disso, há recursos adicionais como convênios da merenda, transporte escolar e materiais didáticos. Em caso de situações extremas, talvez nos encontremos frente à necessidade de pensar em um fundo específico para adaptação climática das escolas. Os fundos de adaptação à mudança do clima já são uma realidade no cenário internacional e nacional, mas mecanismos específicos ainda precisam ser implementados por aqui”, analisa.
“É papel do poder público fornecer um ambiente escolar seguro e que atenda às necessidades dos alunos e funcionários. Por sua vez, cabe à comunidade entender as demandas necessárias e cobrá-las dos governantes. As redes também possuem um papel de alerta para novas ondas de calor e preparo imediato para enfrentá-las”, completa Liguori.
Currículo deve olhar o problema
Segundo Liguori, é importante que alunos e professores entendam o que são as ondas de calor. “Para cada localidade há uma normal climatológica, dada pela média dos parâmetros climáticos em um período de 30 anos. Quando o calor excede essa normalidade por dias seguidos, tem-se a caracterização de uma onda de calor. Elas, porém, possuem diferentes amplitudes e percepções a partir da estação do ano e do local”, contextualiza.
Para Tibério, o tema das ondas de calor, aquecimento global e mudanças climáticas pode ser olhado pelos currículos de ciências naturais, biologia e geografia. “É preciso trabalhar com os alunos que mudanças climáticas são mais do que o aumento da temperatura atmosférica. O que está em jogo é a nossa segurança climática, o que inclui também alterações na umidade e expansão de áreas e períodos de seca, frequência e intensidade de chuvas, acidificação de oceanos, perda de oxigênio dissolvido das águas e aumento do nível dos mares”, descreve.
“Como resultado, podemos enfrentar situações de secas ou chuvas intensas, viver sob insegurança hídrica e alimentar, diminuição da produtividade agropecuária e de pesca, testemunhar deslocamentos em massa de populações desabrigadas, entre outros”, finaliza.
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