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O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê que a onda de calor que atinge as regiões Centro-Oeste, Sudeste, Norte e Sul do Brasil deve continuar até maio de 2024.

As temperaturas – pelo menos 5 graus acima da média – têm feito crescer a procura por aquisição de ar-condicionado. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), as buscas pelo aparelho, em outubro de 2023, aumentaram 177% em relação ao mês anterior.

Apesar do alívio proporcionado pelo ar-condicionado, o item é prejudicial ao meio ambiente, já que consome muita energia elétrica para manter temperaturas mais amenas.

“Toda fonte de utilização de energia produz aquecimento, inclusive porque efeito estufa é justamente parte de produção de energia de CO², então, de fato, é inevitável. Muitas vezes, o próprio processo construtivo não contribui para reduzir a temperatura. Isso faz com que esse ar-condicionado seja utilizado até muitas vezes de uma forma indiscriminada”, avalia o professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Roberto Jacobi.

Além de contribuir para o aquecimento global, o ar-condicionado é acessível a apenas uma pequena parcela da população brasileira. A maior parte das pessoas, entretanto, não tem condições de adquirir qualquer aparelho de refrigeração, o que caracteriza a chamada “pobreza climática”.

“As pessoas que têm automóveis, em geral, vão ter ar-condicionado dentro de automóveis e vão se deslocar com menor, muito menor efeito. Agora, [para] quem está nos transportes públicos – e se esses transportes públicos não cuidam efetivamente de ter melhores condições, tanto para a temperaturas elevadas no calor como as temperaturas no frio – é inevitável isso”, analisa Jacobi.

O especialista explica a diferença de acesso a condições que amenizem o calor. “Eu acho que é importante destacar que as pessoas de baixa renda moram em moradias muito precarizadas, com pouca ventilação, com pouca capacidade de entrar mais ar fresco, o que não é o caso das pessoas que moram em prédios verticalizados, ou em moradias de família de maior renda”, aponta.

Soluções baseadas na natureza

Jacobi defende que é preciso pensar em diminuir os efeitos das ondas de calor extremo de forma sustentável e inclusiva, uma vez que é também uma questão de saúde pública.

“É um tema que realmente precisa ser mais explorado por aqueles que estão mais diretamente vinculados às técnicas construtivas, que com certeza isso tem possibilidade concreta. Como se deve observar, por exemplo, nas regiões nas quais as temperaturas sempre foram mais elevadas, em regiões desérticas, onde as construções têm possibilitado a sobrevivência das pessoas, apesar das altas temperaturas”, analisa Jacobi.

Segundo o especialista, as construções devem contemplar telhados verdes, nos quais o crescimento da vegetação acontece sobre o telhado de uma construção, e janelas que permitam uma maior entrada de ar.

“Quanto mais as cidades forem ‘verdes’ maiores serão as condições de se proteger dos eventos extremos; também maior será a capacidade de uma normalização dos efeitos da chuva. Parque linear e proteção de várzea, renaturalização dos rios, tudo isso representa efetivamente uma melhoria na qualidade de vida das pessoas”, conclui Jacobi.

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Pedro Roberto Jacobi:

A realidade é dramática, o que tem menor poder aquisitivo tem muito menos capacidade de se defender desta realidade que está se configurando cada vez mais. E numa sociedade na qual existem muitas desigualdades, as pessoas de menor renda são sempre as mais afetadas.

A gente sempre tem que esperar que a gestão pública tome uma série de iniciativas que reduzam ao máximo o alcance dos eventos extremos e a perda de vidas humanas.

Sou Pedro Roberto Jacobi, professor titular sênior do Instituto de Energia e Ambiente e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Com a emergência climática, ondas de calor extremo têm sido cada vez mais comuns. Isso faz crescer a procura por ar-condicionado. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio aponta aumento de 177% nas buscas no comércio eletrônico por esse item no mês de outubro de 2023.

Segundo o professor Pedro Roberto Jacobi, há uma contradição nesse cenário porque, além do uso do ar-condicionado ter impacto no aquecimento global, poucas pessoas têm acesso ao aparelho.

Pedro Roberto Jacobi:

Toda fonte de utilização de energia produz aquecimento, inclusive porque efeito estufa é justamente parte de produção de energia de CO², então, de fato, é inevitável.

Ou seja, quando nós estamos olhando para o papel do efeito estufa e aquecimento global, fundamentalmente o que se coloca é o seguinte: parte da energia que chega ao planeta é refletida diretamente de volta ao espaço ao atingir o topo da atmosfera terrestre e absorvida pelos oceanos e pela superfície da terra, provocando o seu aquecimento. O que nós estamos observando, inclusive agora, fenômenos associados ao aquecimento das águas dos oceanos, como é o caso do El Niño nesse momento.

Marcelo Abud:

O pesquisador ressalta ainda que o ar-condicionado atende apenas a parcela da população que tem maior poder aquisitivo.

Pedro Roberto Jacobi:

A maioria das pessoas tem ventiladores. Esse é um dado de realidade. Todas essas soluções são produtoras de gás de efeito estufa. Por outro lado, ela também está associada justamente ao nível de renda. Quem pode comprar ar-condicionado em que condições, o quanto isso muitas vezes implica de a pessoa comprar ar-condicionado para ter melhor qualidade interna no domicílio, mas que acaba se endividando para ter esse equipamento, não?

É tudo muito associado também à forma como se vende os produtos e seus benefícios, não?

Marcelo Abud:

O professor defende que é fundamental que se pense em grande parte da parcela da população, que não tem acesso ao ar-condicionado e sequer a outras fontes de refrigeração.

Ele observa que, caso isso não aconteça, a sociedade passa a conviver com a “pobreza climática”.

Pedro Roberto Jacobi:

O que você observa é o seguinte, as pessoas que têm automóveis, em geral, vão ter ar-condicionado dentro de automóveis e vão se deslocar com menor, muito menor efeito. Agora, quem está nos transportes públicos, e se esses transportes públicos não cuidam efetivamente de ter melhores condições tanto para a temperaturas elevadas no calor como as temperaturas no frio, é inevitável isso.

Agora é bom lembrar que nos transportes públicos a aglomeração acaba provocando também impactos muito maiores do que na hora dos transportes individuais, não? Ou seja, quando falamos de pobreza climática, estamos falando principalmente das pessoas que mais são afetadas, tanto no domicílio, na mobilidade e nas próprias condições do seu cotidiano. Tem países nos quais isso é absolutamente cuidado, rigorosamente cuidado, então as pessoas sofrem muito menos.

Marcelo Abud:

As condições em que geralmente as moradias são planejadas também evidenciam essa desigualdade gerada pela “pobreza climática”.

Pedro Roberto Jacobi:

Eu acho que é importante destacar que as pessoas de baixa renda moram em moradias muito precarizadas, com pouca ventilação, com pouca capacidade de entrar mais ar fresco, o que não é o caso das pessoas que moram em prédios verticalizados, ou em moradias de família de maior renda. Então, de fato, não vejo muitas respostas. Principalmente é a questão da ventilação, das pessoas viverem com pelo menos o acesso a janelas mais adequadas, a janelas que garantem o mínimo de ventilação dentro da casa, porque a ventilação também tem a ver com a umidade nas próprias residências, que também são fatores que provocam doenças cardiorrespiratórias.

Marcelo Abud:

Jacobi explica de que maneira as construções devem ser pensadas para diminuir os impactos do calor extremo em residências, escolas, hospitais e ambientes de trabalho.

Pedro Roberto Jacobi:

São as formas construtivas, a forma do regramento que também na cidade tem que se dar em termo do código de obra. A forma como as moradias mais populares, por exemplo, se constroem os telhados, se produz telhado verde e se produz outros tipos de solução que possam vir a amenizar. Mas o que a gente está observando é que não é essa a tendência que acontece. Ou seja, a utilização acaba sendo principalmente das fontes que consomem mais energia.

É um tema que realmente precisa ser mais explorado por aqueles que estão mais diretamente vinculados às técnicas construtivas, que, com certeza, isso tem possibilidade concreta, como se deve observar, por exemplo, nas regiões nas quais as temperaturas sempre foram mais elevadas, em regiões desérticas, onde as construções têm possibilitado a sobrevivência das pessoas apesar das altas temperatura.

Marcelo Abud:

O professor defende a necessidade de maior investimento em tecnologias de refrigeração que não necessitam de energia, ou seja, as tecnologias baseadas na natureza.

Pedro Roberto Jacobi:

Basicamente é arborização urbana, parques urbanos para reduzir justamente o impacto desse volume extremo que tem se manifestado de forma cada vez mais significativa. Não tem outra resposta. A solução na cidade é arborização urbana, porque é a forma de se proteger efetivamente.

Quanto mais as cidades forem verdes, maiores serão as condições de se proteger dos eventos extremos e quanto mais as cidades forem verdes, também maior será a capacidade de uma normalização dos efeitos da chuva.

Parque linear e proteção de várzea, renaturalização dos rios, tudo isso representa efetivamente, uma melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Enfim, o Brasil é tão imenso, mas tem cidades nas quais essas soluções baseadas na natureza têm se buscado dar o melhor resultado possível, mas depende muito também do enfrentamento da especulação imobiliária e da garantia desses espaços verdes para a grande maioria da população que, por exemplo, não tem acesso a clubes privados e a viagens para lazer para áreas beira-mar, por exemplo.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para Pedro Roberto Jacobi, o planejamento das cidades deve levar em conta o aumento da cobertura vegetal nas áreas públicas e a preocupação com a instalação de tetos verdes e maior ventilação natural nas construções.

São tecnologias baseadas na natureza que podem ajudar a manter minimamente a saúde e o bem-estar inclusive das pessoas mais vulneráveis.

Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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