É no ano de 2024 que assuntos importantes do campo da educação precisarão ser discutidos no Congresso Nacional. Entre eles, o novo Plano Nacional de Educação (PNE) e o PL 5230/2023, que aborda mudanças no novo ensino médio, criado pelo governo federal após consulta pública.
No âmbito do Executivo, é esperado o Plano Nacional de Participação Estudantil, anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) para este ano.
Além disso, no chão da escola, os efeitos das recentes ondas de calor extremo, o uso da inteligência artificial e o medo de novos ataques despertam a atenção dos professores.
Pesquisadores e educadores entrevistados pelo Instituto Claro apontam seis temas que deverão pautar os debates no campo da educação nos próximos meses.
Construção do novo Plano Nacional de Educação (PNE)
O decênio do último PNE finaliza este ano (2014-2024). “Assim, desde 2023 começaram as etapas de discussão para a construção do novo documento. Então, será um ano de mobilização e de participação social para a construção de um PNE que seja adequado às necessidades”, resume a coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Marcele Frossard.
Nesse processo, a etapa nacional da Conferência Nacional de Educação (Conae), que acontece entre 28 e 30 de janeiro de 2024, será um momento importante, conforme aponta Frossard. Em 2023, ocorreram as etapas regionais.
“Ele contribui para a identificação dos desafios e das necessidades educacionais, assim como produzirá as referências que orientarão a formulação e implementação dos planos de educação estaduais e municipais, que são alinhados com o Plano Nacional de Educação”, analisa Frossard.
Para a coordenadora da campanha, o desafio é garantir um PNE mais ousado e com a inclusão de temas relacionados a gênero, raça e outras formas de desigualdade e vulnerabilidade no país.
“Outra novidade desse documento é se relacionar com a agenda climática. Tudo isso é desafiador porque temos um Congresso conservador, o que exigirá pressão social e dos movimentos de educação”, analisa.
Aumento da participação estudantil nas escolas
Durante o Webinário Nacional e Intersetorial do Programa Saúde na Escola (PSE) do MEC, em novembro de 2023, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que tem como objetivo para 2024 implantar o Plano Nacional de Participação Estudantil.
“O que é esperado desse plano é que haja uma indução e uma série de investimentos, tanto de recursos, quanto de criação de materiais e de propaganda, divulgações, para impulsionar a criação de grêmios estudantis, havendo um reconhecimento por parte das escolas da importância desses processos”, analisa Frossard.
“Os principais benefícios são a formação política e trazer para os estudantes a noção de que a participação estudantil é um direito. Isso afeta as redes no sentido de que os estudantes passam a ser mais participativos, e a gestão democrática se realiza de fato”, opina Frossard.
Novo ensino médio
Coordenadora do Observatório do Ensino Médio e docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro prevê novas tensões relacionadas à reforma do ensino médio.
“Por um lado, temos a defesa de um grupo na sociedade, composto por estudantes, pesquisadores e professores que defendem a revogação total da Lei nº 13.415. Há uma que acata o que está no Projeto de Lei nº 5230/2023 após a consulta pública feita pelo MEC, que altera poucas coisas. E, por outro lado, temos as fundações empresariais articuladas ao Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), defendendo a manutenção do novo ensino médio e uma pequena ampliação da carga horária da formação básica comum, chamada de formação geral básica. Porém, esse último grupo não vê problemas na manutenção [da contratação de professores] com ‘notório saber’, da educação a distância e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como referência”, avalia. “É um panorama de incertezas, pois são três cenários e três possibilidades”, acrescenta.
Também é esperada uma movimentação no Congresso, já que o PL 5230/2023 – que sugere alterações na reforma do ensino médio – tramita na casa legislativa. “Ele foi encaminhado em regime de urgência constitucional e, na Câmara dos Deputados, tem relatoria do deputado Mendonça Filho [União Brasil]. Foi na sua gestão enquanto ministro da educação do governo Temer que criou a medida provisória que deu origem a esta reforma no ensino médio brasileiro. Então, o Mendonça Filho desconsiderou o teor do projeto de lei encaminhado pelo governo federal”, avalia Ribeiro.
Impacto das mudanças climáticas nas escolas públicas
Docente do Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental e Cultura da Sustentabilidade da UFPR, Valéria Ghisloti Iared vê as mudanças climáticas pautando tanto decisões das redes em relação à infraestrutura das escolas como a necessidade de incorporar o tema no currículo.
“Primeiro porque uma realidade que os cientistas vêm projetando para o futuro já acontece agora, principalmente relacionadas ao ponto de não retorno, quando as mudanças climáticas não poderão mais ser revertidas. Isso exige políticas de mitigação e de adaptação por parte de toda a sociedade”, pontua.
Segundo Iared, além da climatização das escolas devido ao calor extremo, a incidência de chuvas fortes também afeta os alunos e a aprendizagem.
“Prejudicam a locomoção para a escola, intensifica a propagação de doenças”, lembra.
Do ponto de vista pedagógico, a docente indica a necessidade de rever os livros didáticos. “Há ainda um trato pontual ou uma perspectiva reducionista relacionada às mudanças climáticas que não fazem jus à complexidade histórica do seu processo”, reforça. “Também é necessário mais fomento à pesquisa sobre o tema no campo da educação”, conclui.
Violência nas escolas
Segundo a professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF da Campanha, Catarina de Almeida Santos, o tema da violência nas escolas será um assunto em 2024 porque as questões que desencadeiam o problema ainda não mudaram.
“Se não transformamos o cenário, a possibilidade de novos ataques está dada. E o que leva crianças e adolescentes a quererem atacar a escola? Quando vemos os perfis dos agressores, há um conjunto de fundamentos como misoginia, racismo e LGBTfobia. Violências que estão postas na sociedade, sendo a escola apenas parte do problema”, avalia.
“Ao contrario dos Estados Unidos, não temos uma tradição em ataques de massa e em diferentes contextos contra essas populações. Porém, no Brasil, a violência contra mulheres, negros, lgbts e outros é sistemática, incluindo parlamentares usando espaços públicos para atacá-los”, contextualiza.
Segundo Santos, o fundamentalismo religioso impede que temas de respeito à diversidade, que preveniriam ataques, sejam trabalhados nas escolas. “Além disso, vemos a defesa de currículo que privilegia o conteúdo em detrimento à formação humana, como no novo ensino médio. O aluno não é formado para respeitar ou enxergar as dores e violências sofridas por grupos vulneráveis”, complementa.
Uso da inteligência artificial (IA) pelos alunos
O tema é visto como desafiador tanto do ponto de vista pedagógico quanto moral, como analisa Santos.
A professora explica que, além do receio do uso de tecnologias pelos estudantes para plágio, houve casos em escolas particulares do Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE), em novembro de 2023, em que alunos usaram a IA para criar imagens íntimas de meninas.
“A questão no chão da escola não deveria ser apenas na perspectiva do dispositivo em si, mas sobre a formação ética de quem o utilizará no presente e no futuro. Na mão de crianças e jovens que não tenham essa formação ética sedimentada, a utilização dessa tecnologia pode ser perigosa”, afirma.
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