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Proposto pela lei nº 13.415/2017, o novo ensino médio começou a ser implantado a partir de 2022 nas escolas públicas e privadas do país.

As críticas ao modelo, feitas por entidades e grupos de pesquisas que se dedicam a essa etapa de ensino, levou o Ministério da Educação a realizar consulta pública – entre junho e agosto – para ouvir estudantes, professores, gestores e estudiosos.

A pós-doutora pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Grupo de Pesquisa Observatório do Ensino Médio e da EMpesquisa – rede nacional de grupos de pesquisa sobre ensino médio –, Monica Ribeiro da Silva, avalia que a proposta apresentada pelo MEC traz revisões importantes.

“Essa proposta contempla em parte o que essa mobilização vinha pedindo, inclusive as posições das entidades científicas. O que ela avança é principalmente na carga horária destinada à formação geral básica, porque deixaria de ser um teto de 1.800 horas e passaria para 2.400”, explica.

Segundo a professora, apesar de apontar mudanças positivas, o documento ainda apresenta pontos contestados pelos grupos de pesquisa coordenados por ela.

Entre as críticas estão o notório saber, que possibilita a atuação docente em função da experiência de trabalho ou de vida, independentemente da formação específica para lecionar; a vinculação à Base Nacional Comum Curricular e a educação a distância.

“[O documento] reduz a participação da carga horária a distância, mas mantém como possibilidade para a formação técnica e profissional. Nós entendemos que não deve existir essa possibilidade da EAD no ensino médio pela extrema exclusão digital da nossa juventude, sobretudo a mais pobre”, explica Silva.

Ouça a íntegra da entrevista no podcast.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Monica Ribeiro da Silva:

Foi uma reforma amplamente contestada desde o seu início: ocupação de escolas, movimentos sindicais, entidades científicas já dizendo que era inadequado tornar português e matemática só obrigatórios; reduzir a carga horária da formação básica comum para no máximo 1.800 horas… isso tudo gerou uma expectativa de que a mudança de governo traria uma reformulação ou a revogação da lei.

Meu nome é Monica Ribeiro da Silva. Eu sou professora na Universidade Federal do Paraná. Aqui na UFPR eu coordeno num grupo de pesquisas, que é o grupo Observatório do Ensino Médio, e coordeno também uma rede nacional de pesquisas, que é a rede EMpesquisa, composta por 23 grupos que têm pesquisado a reforma do ensino médio.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Após três meses de consulta pública, o Ministério da Educação (MEC) elaborou um documento com ajustes em relação ao novo ensino médio. Nesta edição, a professora Monica Ribeiro da Silva analisa o atual estágio das propostas debatidas por entidades espalhadas por todo Brasil. As novas diretrizes buscam ajustes às mudanças que, desde 2022, começaram a ser implantadas nas escolas públicas e privadas do país.

Monica Ribeiro da Silva:

O que mais ficou visível é a diminuição da carga horária de muitas disciplinas – excetuando português e matemática –, principalmente com as das ciências humanas, mas também biologia, física e química e artes, que acabaram tendo, por exemplo, não sendo mais nos três anos, teve apenas um ano para sociologia, no outro seria filosofia, no outro história… então isso acabou ocasionando aí uma redução em média de 40% da carga horária.

Marcelo Abud:

Outro ponto criticado por entidades científicas que acompanham o novo ensino médio é a maneira como foram ofertadas as disciplinas eletivas. Essas disciplinas permitem a estudantes a escolha de matérias que não fazem parte do currículo formal e, em geral, têm uma duração menor do que disciplinas obrigatórias.

Monica Ribeiro da Silva:

E a outra coisa que apareceu foram as tais das eletivas, criando um leque de mais de mil disciplinas eletivas, se nós compilarmos todos os estados, todas as unidades da Federação, e muitas delas sem qualquer base científica. Algumas ficaram famosas, como “brigadeiro gourmet”, “o que rola por aí?”, “minha vida é um flash”, “cabelo e maquiagem” como, abre aspas, disciplinas do ensino médio brasileiro.

Quando se coloca cabelo e maquiagem, não é para a menina aprender a fazer cabelo e maquiagem – e isso nem deveria ser objeto do ensino médio. A ideia ali é ela se tornar uma profissional de cabelo e maquiagem, dizendo para essa garota: ‘você não vai ter outra formação, você não vai ter uma profissão, você não vai para o ensino superior, aprende a fazer isso para empreender e abre lá o seu lugarzinho ou vai trabalhar para alguém’. Então essa é uma visão muito restrita do que é a juventude, do que são as suas necessidades em termos de educação e do que é o ensino médio. Você não precisa excluir dessa juventude acesso a conhecimentos, você pode flexibilizar de outras formas, mas assegurando o acesso à ciência, ética, à arte, à estética, né, uma formação plena. É disso que nós precisamos, e penso que esse é o elemento central dessa disputa.

Marcelo Abud:

Diante da constatação dos problemas que já se anunciavam desde a instituição do novo ensino médio pela lei nº 13.415, de 2017, o MEC inicia uma consulta pública. Entre junho e agosto deste ano, a proposta foi ouvir estudantes, professoras e professores, gestores e grupos de pesquisa para compreender as expectativas sobre esta etapa de ensino.

Monica Ribeiro da Silva:

Terminada a consulta pública, o MEC anuncia uma proposta. E essa proposta contempla em parte o que essa mobilização vinha pedindo, inclusive as posições das entidades científicas. O que ela avança é principalmente na carga horária destinada à formação geral básica, porque deixaria de ser um teto de 1.800 horas e passaria para 2.400, mas o MEC não bateu o martelo nisso. Ele diz ‘podendo ser 2.200’. Nós defendemos, nós da rede de pesquisa do Observatório, o manifesto da ANPEd, da CNTE – no mínimo 2.400 horas, porque o Brasil é um país extremas desigualdades: 85% de estudantes estudam nas escolas públicas estaduais, 4% na rede federal, pouco mais de 11% é rede privada – que de fato cumpre a lei, mas vai muito além do que a lei promete. Portanto o problema não tá na rede privada, a dificuldade de acesso ao conhecimento é de estudante de escola pública.

Marcelo Abud:

A professora aponta que o documento que reformula o novo ensino médio ainda apresenta alguns aspectos criticados por grupos que estudam o tema. Um deles é a manutenção do ‘notório saber’, que possibilita a atuação docente em função da experiência de trabalho ou de vida, independentemente da formação específica para lecionar. O notório saber é previsto para disciplinas da parte técnica e profissionalizante do currículo. Monica Ribeiro da Silva indica outros pontos em que observa problemas.

Monica Ribeiro da Silva:

Por exemplo, reduz a participação da carga horária a distância, mas mantém como possibilidade para a formação técnica e profissional. Nós entendemos que não deve existir essa possibilidade da EAD no ensino médio pela extrema exclusão digital da nossa juventude, sobretudo a mais pobre.

Mantém a vinculação com o documento da BNCC e já se mostrou inadequada em face da diversidade cultural, escolar, pedagógica dos territórios do nosso Brasil. Então não é possível padronizar um currículo para realidade na juventude brasileira. A Amazônia não cabe na BNCC e outras tantas coisas não cabem, não estão presentes ali.

Permanece um quadro ruim, quando permite que o setor privado oferte parte da carga horária da escola pública, indo recursos públicos para as escolas privadas. Então há de fato uma contrariedade com relação a outros elementos da proposta do MEC.

Marcelo Abud:

Para a pesquisadora, mesmo com as propostas trazidas no documento resultante da consulta pública do MEC, as diretrizes do ensino médio vão continuar sendo debatidas por entidades espalhadas por todo Brasil.

Monica Ribeiro da Silva:

Por um lado, as entidades científicas, as entidades acadêmicas, os estudantes, as organizações docentes dizendo: ‘2.400 horas’, ‘não tem que vincular com a BNCC’; por outro lado, o Consed, que é o Conselho de Secretários de Estado, as fundações empresariais, o Conselho Nacional de Educação dizendo: ‘no máximo 2.100 horas’, ‘tem que manter a flexibilização,’ ‘obrigatoriedade da BNCC’. Então o que nós temos hoje é um cenário em que se revigoram as disputas em torno de qual ensino médio para juventude brasileira.

Particularmente, eu não vejo um cenário de mudanças radicais. Será uma solução negociada, que vai culminar num novo processo em que a gente vai continuar pressionando para avançar ainda mais na direção do reconhecimento do ensino médio como direito a todos os jovens, a todos os jovens brasileiros e brasileiras. Eu acho que esse é um cenário que vai permanecer ainda em disputa mesmo com esta nova composição, né, a partir do atual governo.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para Monica Ribeiro da Silva, os ajustes propostos melhoram o que estava previsto inicialmente na lei de 2017 sobre o novo ensino médio. No entanto, ela acredita que outros pontos ainda devem ser revistos.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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