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Muito se fala sobre os impactos do novo ensino médio para os estudantes, mas quanto a reforma vai alterar a atividade docente? “O novo ensino médio e as ações que têm sido feitas de indução à sua implementação, em articulação com a Base Nacional Comum Curricular[BNCC], buscam deslocar esses profissionais da posição de portadores de um conhecimento específico, com base em ciência de referência, para uma espécie de acompanhante de um aprendizado pré-definido”. A crítica é do pesquisador do Observatório do Ensino Médio e doutorando em educação Lauro Rafael Cruz.

No áudio, ele aponta as repercussões negativas para as condições de trabalho de professoras e professores. “Esses profissionais vão perder aulas nas instituições em que atuam. E, por isso, vão ter que complementar sua carga horária assumindo mais turmas, mais alunos e em escolas diferentes. Para além de todo o desgaste físico e mental, isso impede que o profissional estabeleça vínculos com a comunidade na qual está inserido”, analisa. Além da redução de carga horária, ele destaca aspectos como formação precarizada e falta de autonomia.

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Transcrição do Áudio

Música “O Futuro que me alcance”, versão instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Lauro Rafael Cruz:
O novo ensino médio e as ações que têm sido feitas de indução à sua implementação, em articulação com a Base Nacional Comum Curricular, buscam deslocar esses profissionais da posição de portadores de um conhecimento específico, com base em ciência de referência, para uma espécie de acompanhante de um aprendizado pré-definido. E isso vai ter, certamente, muitas repercussões negativas, tanto pra qualidade da educação ofertada para a juventude quanto para as condições de trabalho desses profissionais e também a formação requerida pra se tornar professor.
Olá, meu nome é Lauro Rafael Cruz, faço doutorado em educação da linha de pesquisa de políticas educacionais da Universidade Federal do Paraná e sou membro de pesquisa do Observatório do Ensino Médio.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud:
Muito se fala sobre os impactos das reformas do ensino médio nos estudantes, mas o quanto isto vai alterar a atividade docente, ao tornar apenas português e matemática as únicas disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio? Para o pesquisador do Observatório do Ensino Médio, Lauro Rafael Cruz, o que vem sendo chamado de novo ensino médio implica em alterações que diminuem o papel de professoras e professores.

Lauro Rafael Cruz:
A maior parte das disciplinas que integravam anteriormente os currículos elas foram agrupadas em áreas de conhecimento mais amplas que nada carregam mais de sólido. Não se assegura nenhuma especificidade. A gente tem notado redução, especialmente, das humanidades, por exemplo, sociologia e filosofia. Essas disciplinas estão sumindo do currículo. E isso cada docente que vai ter que lidar com as implicações dessa reforma no dia a dia. Tem muitas repercussões, entre elas o fato de que, muito possivelmente, esses profissionais vão perder aulas, né, em primeiro momento, vão perder aulas nas instituições em que atuam. E, por isso, vão ter que complementar a sua carga horária assumindo mais turmas, mais alunos e em escolas diferentes. Para além de todo o enorme desgaste físico e mental que isso terá para os professores, isso impede que esse profissional estabeleça vínculos com a comunidade na qual está inserido, o que é muito importante pra esse processo de ensino-aprendizagem.

Marcelo Abud:
O foco e incentivo em novas disciplinas que não exigem formação específica deve fazer com que professores concursados assumam essas demandas. Isso representa uma desqualificação de suas carreiras.

Lauro Rafael Cruz:
Estes profissionais que têm uma formação mais sólida vão ter que se adequar a esta nova lógica. Inclusive, nós estamos percebendo que com a ampliação da reforma do ensino médio outras disciplinas estão sendo inseridas no currículo que antes não existiam, como, por exemplo, projeto de vida, empreendedorismo. Num primeiro momento, uma vez que não existe professores com formação específica pra isso, diante da perda de espaço, é muito possível que esses profissionais não tenham outra escolha se não assumir essas disciplinas.

Música: “Estudar pra quê?” (John Ulhoa), com Pato Fu
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?

Lauro Rafael Cruz:
Uma das coisas que a reforma do ensino médio permitiu é a contratação de profissionais para oferta do itinerário formativo de educação técnica e profissional sem qualquer formação. E isso é chamado pela lei de ‘notório saber’. Isso redefine o que a gente entende como papel do docente. Obviamente que um trabalhador tem contribuições na área da educação, mas a gente entende que, pra ser professor, é necessário um conjunto de conhecimentos específicos, que vão dialogar lá com as ciências relacionadas à educação, com a didática e inúmeros outros elementos. E essa ideia de propor, por exemplo, um notório saber, fere diretamente o que a gente entende como função do professor.

Marcelo Abud:
Com a reforma no currículo, os cursos de formação de professores também vêm sendo reformulados para se adequar à lógica de itinerários formativos.

Lauro Rafael Cruz:
Então, recentemente, teve uma portaria do MEC até que está relacionada a um programa de fomento à adequação dos cursos de licenciatura e pedagogia a partir da nova configuração do currículo pela BNCC e pela reforma do ensino médio. Esses cursos – pra participar do programa de fomento, eles têm que, então, adequar os seus currículos por áreas do conhecimento, assim como a BNCC, o que eles chamam de currículos interdisciplinares – o que, na verdade, não é uma melhoria da formação docente, mas é uma redução. Porque um dos princípios da interdisciplinaridade, que é uma coisa importante, é ter uma disciplinaridade. Não tem como ter interdisciplinaridade se você dilui a disciplinaridade. Se você tira conhecimentos desses profissionais, então é uma formação muito mais precarizada, que está totalmente relacionado com esse entendimento de que o foco não é mais o conhecimento, não é mais o conteúdo. Então esse profissional não precisa ter nenhuma formação sólida e nem condições que lhe permitam elaborar uma aula rigorosa, pensar a avaliação a partir da sua comunidade etc.

Marcelo Abud:
De acordo com Lauro Rafael Cruz, outra forma de induzir a implementação da reforma do ensino médio por parte do MEC é o uso do Programa Nacional do Livro Didático, o PNLD.

Lauro Rafael Cruz:
Ele é dividido em cinco objetos e, portanto, já apresenta planos de aula já prontos, planos de ensino já prontos e também videoaulas para que o professor não tenha muito papel nas decisões a serem tomadas. Foi falado abertamente, inclusive, que esse PNLD foi pensado naqueles professores que terão muitas aulas e não têm tempo de planejar. Então eles vão abrir o celular, né, e ver ‘ah, é isso que eu tenho que fazer! Agora eu vou entrar em aula’.

Música: “Eu não sei fazer música” (Nando Reis / Arnaldo Antunes / Paulo Miklos / Branco Mello / Marcelo Fromer / Sérgio Britto / Charles Gavin / Tony Bellotto), com Titãs
Eu não tenho certeza
Mas eu acho
Eu não sei o que falar
Mas eu falo

Lauro Rafael Cruz:
Então, isso reduz o que é ser professor de uma forma muito grande; reduz a função intelectual desse profissional e reduz a sua autonomia. Mas algo que escapa à lógica dos seus propositores, essa lógica do controle, do controle padronizado, do currículo reduzido, é que a escola é um lugar muito mais complexo do que aquilo que a política define. Os sujeitos presentes na escola eles não só reagem às políticas, mas eles também agem e propõem. E uma vez que esses sujeitos não foram considerados na elaboração desse documento – todo o processo autoritário que ele foi feito, tanto a BNCC quanto a reforma do ensino médio – o mal-estar gerado por esse momento estranho dentro da escola, certamente fará emergir práticas que o contestem, que o transcendam. E essas práticas, né, para nós, sem sombra de dúvidas, serão muito mais interessantes e significativas. E aí reside na esperança da permanência e possiblidades de uma educação crítica, emancipatória, apesar de todos os esforços que têm sido feitos, que têm caminhado no sentido contrário.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Redução de carga horária de muitas disciplinas, necessidade de assumir atividades que não exigem formação específica, menor exigência na contração de professoras e professores… Essas são algumas das consequências que têm sido apontadas por grupos de pesquisa que estudam a reforma do ensino médio.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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