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A língua portuguesa falada no Brasil é influenciada pela presença dos povos indígenas, que já estavam aqui na chegada dos portugueses, em 1500, e também pelas línguas dos povos africanos, trazidos ainda no século XVI. O contato entre todas essas línguas no território brasileiro transformou o português e deixa heranças no idioma hoje falado no país.

“No caso das línguas indígenas, as marcas dessa presença não cessaram, elas não pertencem a um passado longínquo, acabado ou fechado – aquilo que os livros didáticos erradamente colocam. Isso é uma riqueza das línguas naturais, que têm inserção cultural também”, reforça a doutora em linguística pela Universidade Estadual de Campinas e coordenadora do Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marília Facó Soares.

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Krahô, Ikpeng, Xavante, Yanomami, Krenak, Guarani, Nambikwara, Tukano, Kawaiwete (Kayabi), Baniwa, Munduruku, Pataxó, Pankararu, Macuxi (Makuxi) são alguns dos povos indígenas que habitam o país. No Brasil atual, existem aproximadamente 256 povos indígenas, segundo dados do Instituto Socioambiental. Do ponto de vista linguístico, há cerca de 180 línguas (com suas variedades) faladas no território brasileiro. Reunidas em diferentes famílias linguísticas, as línguas indígenas representam os povos originários da nossa terra. E mesmo com todas as perdas e pouca valorização, o Brasil ainda possui uma das maiores diversidades linguísticas do planeta.

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Herança africana

Já os povos africanos que vieram para o Brasil a partir do século XVI descendiam de diferentes reinos. Falavam quicongo, quimbundo, umbundo, iorubá, evé e fon. Se os nomes dessas línguas hoje não são familiares a boa parte da população brasileira, as palavras advindas delas são notadas na cultura e na língua que se fala no Brasil com facilidade.

“Mesmo na condição do trabalhador escravizado, os povos africanos conseguiram marcar – junto com os povos indígenas – esta forma sonora de como falamos a língua portuguesa no Brasil, o que mostra a potência de comunicação desses povos como força de resistência”, afirma a doutora em Ciências Sociais Wilmihara Benevides da Silva, que durante 10 anos realizou pesquisas para o Museu da Língua Portuguesa nesse tema.

Confira: Plano de aula: cultura africana

Cultura na mesa

A professora cita ainda como essa influência é marcante na alimentação de brasileiras e brasileiros. “Quindim, canjica, angu, fubá, garapa, dendê, maxixe, quiabo, mocotó, quibebe, vatapá, acarajé. Aliás, alguns modos de fazer uma receita representam saberes da cultura africana no patrimônio imaterial brasileiro”, enumera Wilmihara.

No áudio, há exemplos também de expressões idiomáticas: “embira ou envira, que está relacionada a uma casca de árvore. Então você tem a expressão ‘lamber embira’ ou ‘lamber envira’, que é passar miséria, não ter o que comer. Outra expressão: pitanga quer dizer vermelho. Então, quando uma pessoa chora em excesso, pode-se dizer que ela ‘chora pitangas’”, cita Marília.

No áudio, as pesquisadoras dão uma dimensão do quanto palavras oriundas de línguas indígenas e africanas estão no nosso dia a dia. “Conhecer essas formas é ter uma porta de acesso para entender pela via da língua a sociedade em que se vive ou em que outros vivem, viveram (…) No mundo inteiro, se dá valor a isso, quem tem que começar a dar valor somos nós mesmos”, defende Marília. “É na língua falada que podemos estudar as influências indígenas e africanas para uma educação antirracista. Toda língua representa, hoje, não apenas os seus falantes, mas diferentes povos”, acrescenta Wilmihara.

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Transcrição do Áudio

Música: “Djansa”, de The Mini Vandals featuring Mamdou Koita and Lasso, de fundo

Marília Facó Soares:
No caso das línguas indígenas, as marcas dessa presença não cessaram, elas não pertencem a um passado longínquo, acabado ou fechado – aquilo que os livros didáticos erradamente colocam. Isso é uma riqueza das línguas naturais, que têm inserção cultural também. Meu nome é Marília Facó Soares, fiz mestrado em linguística, doutorado em linguística, meu mestrado é pela UFRJ, meu doutorado é pela Unicamp, coordenadora de um mestrado profissional em linguística e línguas indígenas – nessa área ele é único.

Wilmihara Benevides da Silva:
Mesmo na condição do trabalhador escravizado, os povos africanos conseguiram marcar – junto com os povos indígenas – esta forma sonora de como falamos a língua portuguesa no Brasil, o que mostra a potência de comunicação destes povos como força de resistência. Meu nome é Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos, tenho mestrado e doutorado em Ciências Sociais. Trabalhei no Museu da Língua Portuguesa; atualmente sou assistente de coordenação do Programa de Inclusão Sociocultural da Pinacoteca de São Paulo.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Qual a influência das línguas indígenas e africanas na língua portuguesa? Há muitas palavras que usamos no nosso dia a dia que fazem parte dessas culturas?
Nesta edição, o Instituto Claro ouve duas especialistas no assunto: a doutora em ciências sociais, Wilmihara Benevides da Silva, e a professora titular de Linguística do Museu Nacional da UFRJ, Marília Facó Soares, que começa trazendo termos indígenas que denominam paisagens de diferentes regiões do país.

Marília Facó Soares:
O igapó: é muito comum na Amazônia – na região Sudeste, ninguém para pra pensar na “mata alagada”. Então, você tem o igapó, o igarapé. Igarapé seria um pequeno curso d’água, mas que dá para navegar. Por exemplo, igarapé poderia ser traduzido como “caminho da canoa”. Mas isso é Amazônia… mas você tem a caatinga no nordeste. A caatinga quer dizer “mata branca”. Você pode crescer o vocabulário em relação à paisagem.

Marcelo Abud:
Wilmihara destaca espaços que são identificados por meio de termos de origem africana.

Wilmihara Benevides da Silva:
Existem lugares que os povos africanos nos ajudaram a ver, a partir de suas palavras: quitanda, cangaço, quilombo, candomblé, mocambo. O mocambo, por exemplo, era uma habitação precária localizada na mata, onde pessoas que foram escravizadas buscavam refúgio. Hoje essa palavra é usada para designar uma habitação rústica no ambiente rural, sinônimo de cabana, tapera.

Marcelo Abud:
Nem sempre nos damos conta, mas palavras de base indígena estão presentes também em expressões idiomáticas. A professora Marília traz um exemplo.

Marília Facó Soares:
Embira ou envira, que está relacionada a uma casca de árvore… então você tem a expressão “lamber embira” ou “lamber envira”… é passar miséria, não ter o que comer. Outra expressão: pitanga quer dizer vermelho. Então, quando uma pessoa chora em excesso, pode-se dizer que ela “chora pitangas”.

Música: Eu não vou chorar as pitangas (Edward De Marchi), com Zico e Zeca
Por que tu, meu bem, me zanga
Eu não vou chorar pitanga

Marília Facó Soares:
Na alimentação, por exemplo, tucupi, que é um molho da cozinha do norte do Brasil e que vem de “tyku-pyr”, né?, que é uma redução de líquido. Tem aí uma estrutura morfológica, a gente não precisa se deter nisso, mas tem. Ah, mas tucupi é da cozinha paraense, é muito regionalmente localizada, ok, mas e a palavra mingau? Pois é, mingau tem origem indígena, vem de mi-ka’u: ‘o que se come’.

Marcelo Abud:
Wilmihara coloca ainda mais sabor nesse saber, com alimentos que têm nome originados em línguas africanas.

Wilmihara Benevides da Silva:
Quindim, Canjica, Angu, Fubá, Garapa, Dendê, Maxixe, Quiabo, Mocotó, Quibebe, Vatapá, Acarajé. Aliás, alguns modos de fazer uma receita representam saberes da cultura africana no patrimônio imaterial brasileiro.

Marcelo Abud:
E quando alimentos e ritmos de origens indígenas e africanas se misturam? É o que acontece nessa criação musical criada por Gustavo Kurlat: “Brasil na Panela”.

Música: “Um mundo de possibilidades – Brasil na Panela” (Gustavo Kurlat/Andre Minassian), com Bia Sá
Pato no Tucupi / Maniçoba, Vatapá
Pururuca e Açaí / Macaxeira e Mungunzá
Tutu de Feijão / Picadinho, Furrundu

Marcelo Abud:
E na biologia e na geografia, como a presença das línguas indígenas é percebida?

Marília Facó Soares:
Tamanduá-mirim é o tamanduá pequeno e o tamanduá – lembra? – era o caçador de formigas. Paraná-mirim é o menor dos braços em que o rio se divide. Verbos… como capinar, que é limpar de capim; jiboiar que é de “digerir em paz” como uma jiboia; pererecar – perereca quer dizer “ir aos saltos” – agora pererecar é a pessoa ficar andando de um lado para o outro, como se estivesse saltando de um lado para o outro.

Marcelo Abud:
Ainda em biologia, a origem das denominações de animais pode aproximar estudantes da língua africana.

Wilmihara Benevides da Silva:
Já ouviu falar no calango, no camundongo ou no marimbondo, são palavras que pertencem ao vocabulário das línguas africanas, da família linguística Bantu, línguas quicongo, quimbundo, umbundo.

Marcelo Abud:
Wilmihara sugere os livros “África Brasil – caminhos da língua portuguesa” e “História Social da Língua Nacional” para inspirar atividades escolares. Marília Facó indica ainda consulta em bons dicionários de verbetes de origem indígena, para que se entenda a morfologia dessas palavras.
Mas qual a importância de se estimular esse conhecimento?

Marília Facó Soares:
Conhecer essas formas é ter uma porta de acesso para entender pela via da língua a sociedade em que se vive ou em que outros vivem, viveram. Sendo que, no caso das línguas indígenas, há cerca de 180 línguas cientificamente reconhecidas, em território do Brasil e fora do Brasil, porque tem línguas que são transnacionais. É uma riqueza muito grande. No mundo inteiro, se dá valor a isso, quem tem que começar a dar valor a isso somos nós mesmos.

Wilmihara Benevides da Silva:
É na língua falada que podemos estudar as influências indígenas e africanas para uma educação antirracista. Toda língua representa, hoje, não apenas os seus falantes, mas diferentes povos. Aqueles que, com o passar das gerações, e no processo de miscigenação possibilitaram aos brasileiros incorporar palavras das línguas indígenas e africanas, num mesmo corpo falante.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
A saga indígena pode nos trazer contato com cipó, jacaré, tamanduá; e tudo isso embalado em ritmo de afoxé, axé, samba, forró, maculelê… No interior do português do Brasil essas culturas estão presentes de diferentes modos. E é justamente isso que vai levar a molecada a fuxicar o dicionário para desvendar suas origens.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro

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