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No Brasil, o ensino de ciências se baseia, ainda hoje, em pensamentos de origem europeia. A constatação está no livro “Descolonizando Saberes – A Lei 10.639/2003 no Ensino de Ciências vol. 2”, lançado em junho de 2022, em que a professora e escritora Bárbara Carine alerta para o apagamento de conhecimentos científico-tecnológicos milenares de povos ancestrais.

Mestre e doutora em ensino de química pelo programa de pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Carine é sócia-fundadora e consultora pedagógica na primeira escola afrocentrada do país, a Maria Felipa. Como escritora, ela ressalta o poder dos livros na luta por uma educação antirracista.

Barbara Carine
A escritora e professora Bárbara Carine (crédito: acervo pessoal)

“Acredito que a escola precisa incentivar a juventude para além do livro didático, pensando em paradidáticos, pensando em literaturas outras. Mas literaturas que potencializem existências, que descolonizem saberes, que saiam de uma condição central de uma história única. História esta narrada pelos colonizadores, que coloca a Europa numa condição de centralidade e as pessoas brancas numa única condição universal de ser humano, como sujeitos universais”, afirma.

Descolonizando saberes

Neste episódio do podcast Livro Aberto, a “intelectual diferentona”, como Carine é conhecida nas redes sociais, apresenta cinco de seus livros que têm o objetivo de pensar as ciências a partir de narrativas que resgatam os saberes ancestrais africanos.
– “Descolonizando Saberes – A Lei 10.639/2003 no Ensino de Ciências” (2017 / 2022);
– “@Descolonizando_Saberes: mulheres negras na ciência” (2022);
– “História Preta das Coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras” – finalista do Prêmio Jabuti 2022;
– “História Pretinha das Coisas – as descobertas de Ori” (2022).
– “Como ser um Educador Antirracista” (2023)

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Esse conteúdo faz parte do especial “Educação decolonial”. Para acessar os outros materiais com abordagem decolonial, clique aqui.

Atualizado em 12/09/2023, às 12h54.

Transcrição do Áudio

Música: “Kobe Natoma” (The Mini Vandals featuring Mamadou Koita and Lasso) fica de fundo

Bárbara Carine:
Eu acredito que a escola precisa incentivar a juventude para além do livro didático, pensando em paradidáticos, pensando em literaturas outras, mas literaturas que potencializem existências, né, literaturas que descolonizem saberes, que saiam de uma condição central de uma história única, narrada pelos colonizadores, que coloca a Europa numa condição de centralidade e as pessoas brancas numa única condição universal de ser humano, como sujeitos universais.
A literatura ela é uma ferramenta poderosa de transformação social, não apenas no sentido objetivo de aquisições materiais, mas principalmente no sentido subjetivo de aquisição de novas formas de ser, de estar e reproduzir a sua existência no mundo.
Eu sou Bárbara Carine Soares Pinheiro. Sou uma mulher negra, cis, soteropolitana, nordestina, mãe, de ascendência quilombola, professora, doutora, escritora…

Vinheta: Livro Aberto – Livros e autores que fazem história

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Ao longo da história, o Ensino de Ciências foi pensado a partir da perspectiva europeia. Conhecida no instagram pelo perfil ‘Uma Intelectual Diferentona”, Barbara Carine utiliza a literatura para descolonizar estes saberes.

Barbara Carine:
Eu acredito que os meus livros potencializem histórias, subjetividades, eles potencializem perspectivas de vidas futuras, uma vez que são livros que pautam o pioneirismo africano nas ciências, que pautam uma potencialização ancestral africana para a produção do desenvolvimento científico-tecnológico humano; mostrando que pessoas negras elas não surgem para serem escravas. Pessoas negras estão nos primórdios da humanidade e elas desenvolveram as primeiras formas de constituição societária e tudo aquilo que brota dessas constituições, a exemplo da ciência e da filosofia.
Então o que os meus livros fazem é mostrar que pessoas negras, muito antes de serem escravizadas, elas eram gente, elas eram intelectualmente potentes, elas eram pioneiras. Criaram as bases científico-tecnológicas do mundo contemporâneo.

Marcelo Abud:
Com dez livros publicados, Carine seleciona e fala sobre 5 eles. O primeiro tem sido utilizado como forma de pensar no ensino de ciências a partir da Lei 10.639. Desde 2003 estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Barbara Carine:
O “Descolonizando Saberes – A Lei 10.639 no Ensino de Ciências”, que eu organizo com a Katemari, que tem o volume 1 em 2017 e o volume 2 agora em 2022, que é um livro em que a gente apresenta propostas didáticas para a educação científica, a partir da Lei 10.639, né, no ensino de ciências, que muitas pessoas atribuem o cumprimento da Lei 10.639 à história, à literatura, às artes, mas não conseguem associar isso a ciências naturais e tida como exatas, né?
Então, a gente aponta uma série de caminhos possíveis de articulação dessas ciências com a cultura e a história africana e afro-brasileira.

Música: “Um corpo no mundo” (Luedji Luna)
Tem cor, tem corte
E a história do meu lugar, ô

Som de página de livro sendo virada

Bárbara Carine:
O “Mulheres Negras na Ciência” é um livro que eu escrevo para em certa medida curar algumas feridas minhas, mas também de muitas mulheres negras que buscam ingressar nas carreiras científicas ou que já estão nelas; que se formaram como cientistas a partir de uma lógica de espelho quebrado. Então a ideia é apresentar cientistas negras que foram fundamentais para o desenvolvimento sócio-histórico da humanidade, a partir do seu desenvolvimento científico-tecnológico e que foram apagadas da história pelo racismo e pelo sexismo.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O terceiro livro destacado e escrito por Bárbara Carine é “História Preta das Coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras”, que foi finalista do Prêmio Jabuti 2022.

Bárbara Carine:
É um livro que eu aponto 50 invenções de pessoas negras, seja da antiguidade africana – são 25 invenções ancestrais africanas – e 25 invenções afro-diaspóricas, que mostram para a juventude negra, para as pessoas negras, que a nossa ancestralidade não é uma ancestralidade escrava, é uma ancestralidade científica que desenvolveu potencias tecnológicas fundamentais para a nossa vida hoje e que muitos de nós desconhecemos.
A ideia é descolonizar a noção de intelectualidade, né, de que pessoas negras não podem ser intelectuais, de que pessoas negras não podem ser cientistas.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O quarto livro, “História Pretinha das Coisas – as descobertas de Ori”, foi lançado em 2022 e é voltado às crianças.

Bárbara Carine:
Eu trago ali uma narrativa de uma menina preta soteropolitana que tem duas mães cientistas. Uma é Enedina, fazendo menção à primeira engenheira negra no Brasil, que é Enedina Marques, e a outra é a mamãe Wangari, fazendo menção à bióloga queniana Wangari Maathai, que foi uma ganhadora de Nobel, que deveria ser científico, mas que foi da paz.
E é uma menina que viaja, né? Ela vai para Meroé, ela entra no interior de uma pirâmide, ela acessa um museu africano no interior de uma pirâmide. É uma menina apaixonada por matemática e por ciência. E ela traz para Salvador todos os conhecimentos científicos ancestrais que ela acessou no continente africano, no contexto dessa viagem pelo Sudão.

Música: “A Coisa Tá Preta” (Jefferson Junior / Umberto Tavares), com Elza Soares e Rebecca
África Mãe
Oxum, proteja
A minha alma preta
Por que que a fome é negra
Se negra é a beleza?
Se todo mundo canta e ‘tá feliz
É que a coisa ‘tá preta

Som de página de livro sendo virada

Bárbara Carine:
Mais recentemente o “Como ser um Educador Antirracista”, que é um livro de uma escrita muito endereçada a professores e professoras e familiares de crianças e de educandos em geral, no intuito de pensar práticas antirracistas para a sala de aula, né, didatizar este fazer antirracista. ‘Bom, eu sei que preciso ser antirracista, mas a universidade não me ensinou isso’. Então, como ser educador antirracista? O livro tem um pouco dessa finalidade de trazer essa abordagem. Não como um manual, que traz um passo a passo, mas um livro que te leva a caminhar, que vai te conduzir a uma reflexão acerca da sua própria prática pedagógica.

Marcelo Abud:
Bárbara Carine lê um trecho do livro “Como ser um Educador Antirracista”.

Som de página de livro sendo virada

Bárbara Carine:
‘Aprender dói. Aprender não é um processo trivial. Costumo dizer que processo de aprendizagem desrespeita as estruturas cognitivas. Não é à toa que geralmente as pessoas são fundamentalistas em seus conhecimentos e só querem saber o que já sabem.
Aprender dói. Tanto do ponto de vista psíquico, no sentido de se apropriar do novo, de reestruturar seu pensamento a partir deste, quanto do ponto de vista social.’

Som de página de livro sendo virada
Mistura com música de Reynaldo Bessa, instrumental, que fica de fundo

Marcelo Abud:
De obras infantis às destinadas a professoras e professores, a literatura de Bárbara Carine traz uma perspectiva decolonial e antirracista. Ao descolonizares saberes, incentiva também o interesse de mais meninas para a área de exatas.
Marcelo Abud para o Livro Aberto do Instituto Claro.

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