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A série de podcast ‘Projeto Querino’ revisita a formação do Brasil, a partir da independência em 1822. Realizado pela produtora Rádio Novelo com o apoio do Instituto Ibirapitanga, em oito episódios, o podcast traz uma visão afrocentrada da história do Brasil, jogando luz em episódios e personagens pouco retratados nos livros didáticos.

“É fundamental a gente fazer uma história a contrapelo, na qual a participação dos setores populares – da população escravizada, negra – da participação indígena seja recolocada nesse campo da historiografia, para que a gente consiga ter uma visão mais completa e mais complexa da história brasileira”, afirma a mestre e doutora em história pela Universidade de São Paulo e consultora do projeto Ynaê Lopes dos Santos.

projeto querino
Tiago Rogero entrevista Vânia Guerra, do Quilombo da Ilha da Marambaia, na Praia do Sino (crédito: divulgação/ Angélica Paulo)

O conteúdo tem formato jornalístico e conta com um extenso trabalho de pesquisa. “A gente, no Querino, bebe muito da produção dos historiadores, de sociólogos, pesquisadores, antropólogos. No nosso site tem as referências bibliográficas a que nós recorremos para cada episódio. Mas eu não sabia, por exemplo, que o Brasil estava às vias de uma guerra civil, quando a princesa Isabel foi obrigada a assinar a Lei Áurea”, revela o jornalista e criador do podcast, Tiago Rogero, que, no áudio, cita outros fatos que conheceu melhor ao participar da realização dos oito episódios.

Na escola

Ele destaca que professores já estão usando os áudios em sala de aula e fazendo atividades como produção de histórias em quadrinhos a partir do que é contado no podcast. “Uma sugestão que eu tenho dado para professores que me procuram nesse sentido é, talvez, escolher algumas histórias dentro do Querino – pequenos trechos que contem uma historinha – para, por meio daquela história, contar uma história macro. Por exemplo, escolher um personagem que é contado ali ou, então, uma passagem de algum episódio, tocar só aquele trecho e a partir dele conversar com os alunos e estabelecer debates”, aconselha Rogero.

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Transcrição do Áudio

Música “Six by Eight” (Jimmy Fontanez_Media Right Productions) fica de fundo

Ynaê Lopes dos Santos:
O que o Projeto Querino faz é mostrar que a realidade que nós vivemos hoje é consequência das escolhas políticas que foram feitas durante muitas gerações e, ao fazer isso, ele desnaturaliza a ideia de que o Brasil é um país originalmente desigual, como se isso estivesse no nosso DNA, que o Brasil sempre foi racista porque não havia outra opção. Na verdade, sempre existiram opções e o Projeto Querino mostra isso muito bem.
Eu sou Ynaê Lopes dos Santos, historiadora, professora de história da Universidade Federal Fluminense, mestre e doutora em história pela Universidade de São Paulo e fui consultora do Projeto Querino.

Tiago Rogero:
A informação que a gente consome na sala de aula geralmente considera só um ponto de vista, majoritariamente branco e masculino. Então, por isso que é importante conhecer esses outros pontos de vista, porque este ponto de vista único deixa muita coisa importante de fora, muita coisa vital para se compreender a formação do país. Perpetuar isso acaba, no fim das contas, perpetuando também as desigualdades e isso não é bom pra ninguém.
Eu sou Tiago Rogero, sou jornalista e sou criador do Projeto Querino.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música “Tribal Affair” (SYBS) fica de fundo

Marcelo Abud:
O podcast Projeto Querino foi criado para demonstrar que, ao revisitar a história, é possível que se entenda o Brasil de hoje.

Ynaê Lopes dos Santos:
O que eu considero fundamental é que a gente, por um lado, entenda que havia um projeto muito bem delineado de Estado Nacional, planejado e orquestrado pelas elites, e ele se cumpre em grande medida, sobretudo quando a gente se atenta para o fato de que o Brasil mantém a escravidão. E, por outro lado, compreender que é fundamental a gente fazer uma história a contrapelo, na qual a participação dos setores populares – da população escravizada, negra – da participação indígena seja recolocada nesse campo da historiografia, para que a gente consiga ter uma visão mais completa e mais complexa da história brasileira.

Tiago Rogero:
A gente, no Querino, bebe muito da produção dos historiadores, de sociólogos, pesquisadores, antropólogos e a gente cita, né, por exemplo, no nosso site tem as referências bibliográficas a que nós recorremos para cada episódio. Mas eu não sabia, por exemplo, que o Brasil estava às vias de uma guerra civil, quando a princesa Isabel foi obrigada a assinar a Lei Áurea. A versão que a gente aprende na escola é como se fosse ‘num belo dia, a princesa acordou e decidiu: não, não podemos mais ter escravidão. Vou abolir a escravidão’. Quando, na verdade, estávamos à beira de uma guerra civil por causa das lutas que já vinham de décadas, de pessoas negras, e que nos últimos anos que antecederam a escravidão essa luta estava fortalecida pelos movimentos abolicionistas, que incluíam, além de pessoas negras, pessoas brancas também.

Música: “Nkosi Sikelel’ I-Afrika” (Enoch Sontonga), com Djavan e coro
Nkosi sikelel’ i-Afrika
Maluphakanyslw’ uphondo iwayo
Yizwa imithandazo yethu
Nkosi sikelela

Ynaê Lopes dos Santos:
O Projeto Querino ele está alicerçado numa profunda pesquisa historiográfica, da qual eu fui consultora, mas que contou com a participação de pesquisadores muito bem formados, quase três anos de pesquisa, enfim, um trabalho denso, justamente para poder trazer um conteúdo que possa ser utilizado por professores nas suas salas de aula, dentro dessa perspectiva de revisitar de maneira crítica a história brasileira.

Tiago Rogero:
Uma outra coisa que eu não sabia é que a última geração de escravizados, essas pessoas que foram libertadas em 1888, majoritariamente eram escravizados ilegais, que pelas leis do Brasil não poderiam estar sendo mais escravizadas, mas vinham sendo escravizadas desde 1831 – naturalmente, dessas pessoas de 1831, pouquíssimas delas ainda estavam vivas – , mas os descendentes delas foram mantidos escravizados, mesmo contra a lei.
A lei de 1831 é uma que proíbe o tráfico atlântico e determina que todo mundo que fosse desembarcado aqui como escravizado, a partir daquele momento, deveria ser libertado. Isso não acontece, as pessoas não são libertadas. E elas e seus descendentes é que vão formar essa última geração de pessoas que ainda em 1888 eram escravizadas e que foram libertadas pela Lei Áurea.

Ynaê Lopes dos Santos:
Então, o Projeto Querino é uma espécie de portal que se abre para professores, na tentativa de revisitar essa história brasileira, dentro dessa dialogia entre as macroestruturas que foram organizadas, sobretudo pelas elites brasileiras, que mantêm um sistema desigual, racista, patriarcal. E, por outro lado, entender que a história brasileira sempre esteve em disputa e que essa disputa era protagonizada por sujeitos negros, homens e mulheres que, ao contrário do que a historiografia sempre disse, não ficaram passivos em meio aos processos históricos.

Tiago Rogero:
Desde a primeira semana pós-lançamento, a gente já está recebendo esses relatos de professores usando em sala de aula. Teve um logo na primeira semana que me deixou muito feliz de um professor de uma escola pública de Manaus que tinha usado para alunos do segundo ano do ensino médio, tinha pedido para os alunos escutarem o primeiro episódio – eles escutaram juntos em sala de aula – e aí ele pediu para os alunos, como trabalho, que eles fizessem uma história em quadrinhos. Mas como ele tem outros professores que têm me procurado para dizer que estão usando.
Uma sugestão que eu tenho dado para professores que me procuram nesse sentido é, talvez, escolher algumas histórias dentro do Querino – pequenos trechos que contem uma historinha – para, por meio daquela história, contar uma história macro assim. Por exemplo, escolher um personagem que é contado ali ou, então, uma passagem de algum episódio, tocar só aquele trecho e a partir dele conversar com os alunos e estabelecer debates… acho que há muitas pequenas histórias dentro dos episódios do Querino que podem ser usados com esse fim.

Áudio do podcast:

(Som de passagem)
Vânia Guerra: Nós estamos aqui na Praia do Sino. Os navios, se aportavam ali, atrás dessa ilha.
Tiago Rogero: Esta é a Vânia Guerra. Vânia Guerra: (com barulho do mar ao fundo) E dali que os negros eram tirado e levado pra fazenda durante a escravidão por uma canoa. Esses negros que iam pro armazém, eles vinham de lá do continente africano pra cá. Aqui eles ficavam em quarentena, porque aí a fazenda daqui, que antes era de café, passou a ser de engordar negros roubados. Aqui eles engordavam, né, engordavam, se recuperavam, e eram vendidos ou reaproveitados nas fazendas. Então, toda a comunidade quilombola do litoral Sul fluminense, do Rio, todos eles passaram por aqui, são todos nossos parentes.

Berimbau tocado por Tonho Matéria fica de fundo

Marcelo Abud
A própria história de Manoel Querino pode ser um bom assunto para estudar em sala de aula.

Ynaê Lopes dos Santos:
Manoel Querino foi um homem negro nascido em meados do século XIX em Santo Amaro da Purificação, na Bahia; menino negro que ficou órfão muito cedo, com a pandemia de cólera que assolou o interior da província da Bahia, que, por conta disso, ele acabou sendo levado para Salvador e ali ele teve como tutor um professor e por isso ele conseguiu uma experiência que era pouco usual para meninos negros pobres daquele período da história brasileira, que era se educar.
Ele é um artista, um desenhista gráfico, pintor, um militante do movimento negro, um sindicalista, abolicionista, republicano e ele foi o primeiro intelectual brasileiro a positivar a presença negra no Brasil.

Tiago Rogero:
Querino era um educador e ele pode ser tudo isso pelo fato de que a ele foi dada a chance de estudar. Além desse importante marcador de educação, algo que eu considero vital de Manoel Querino dar nome a este projeto é de mostrar que a gente não se pretende inventor da roda de nada, a gente só se pretende uma linha de continuidade, de reinvindicação do protagonismo não só negro, mas o protagonismo dos povos originários, também, e de todos os povos não brancos na formação do Brasil e esse protagonismo existiu e foi decisivo e não haveria Brasil se não fosse o protagonismo dessas pessoas.

Música “Tribal Affair” (SYBS) fica de fundo

Marcelo Abud:
No site projetoquerino.com.br, você tem acesso aos oito episódios com as respectivas transcrições. O conteúdo conta ainda com matérias exclusivas para a Revista Piauí, que é parceira do projeto.
Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

 

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