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Abril é marcado por duas datas que, aparentemente, não possuem ligação: 19 (Dia do ‘Índio’) e 22 (‘Descobrimento’ do Brasil). Mas por que chamamos de descobrimento o momento em que Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil, se o próprio integrante da frota portuguesa, o escrivão Pero Vaz de Caminha, registra este momento da história como “achamento”?

“Os índios estavam presentes dentro do continente e a Carta de Caminha é maravilhosa no sentido de reconhecer a importância dos índios, a beleza dos índios, a fidalguia dos índios, que recebem bem os portugueses; as boas condições de saúde; a fartura de alimentos. Enfim, os índios viviam absolutamente bem, com sociedades estruturadas, muito diversas das europeias, mas sem qualquer necessidade de uma relação colonial”, resume o integrante do grupo de Antropologia Histórica do Museu Nacional do Rio de Janeiro João Pacheco de Oliveira.

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Invasão

Entrevistado neste podcast, Oliveira é o responsável pela produção do material didático da exposição “Os Primeiros Brasileiros”, que, desde 2021, está disponível também em versão online. Por meio dos documentos, é possível entender por que intelectuais indígenas têm revisado a chegada dos portugueses ao Brasil e a chamado de invasão.

“A expressão é bem forte, mas, do outro lado, ela corresponde muito mais à verdade dos fatos. A chegada dos europeus no Brasil e na América foi fundamental para o desenvolvimento das monarquias europeias e da economia europeia. O ouro do México, a prata do Peru, a madeira do Brasil e de outros lugares, elas foram importantes pra ativar a economia europeia. A Revolução Industrial não teria acontecido sem o ouro da América e sem os recursos que saíram daqui”, explica.

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Transcrição do Áudio

Sons de celebração indígena extraído da exposição “Os Primeiros Brasileiros”

João Pacheco de Oliveira:
Há uma visão absolutamente equivocada sobre todo o surgimento do Brasil. O que está mais na cabeça de todo mundo é descobrimento. E essa é uma expressão que não poderia ser mais equivocada. Os indígenas não foram descobertos, como você descobre uma propriedade física, química ou alguma coisa nova produzida pela razão de quem o inventou. De maneira nenhuma!
Os índios estavam presentes, dentro do continente e a Carta de Caminha ela é maravilhosa no sentido de reconhecer a importância dos índios, a beleza dos índios, a fidalguia dos índios, que recebem bem os portugueses; as boas condições de saúde; a fartura de alimentos. Enfim, os índios viviam absolutamente bem, com sociedades estruturadas, muito diversas das europeias, mas sem qualquer necessidade de uma relação colonial.
Eu sou João Pacheco de Oliveira, antropólogo, sou do Museu Nacional do Rio de Janeiro, da UFRJ; minha antropologia eu costumo definir que ela é histórica.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Descobrimento, achamento ou invasão? Qual a melhor forma de se referir ao que acontece em 22 de abril de 1500?

João Pacheco de Oliveira:
O termo que era usado na época pelos navegadores pra qualificar o Brasil – quando Portugal celebra a notícia da chegada no Brasil – eles estão falando em achamento, eles não estão falando numa descoberta. Posteriormente, com toda a dureza da relação colonial, com a atuação dos religiosos, de colonos também, praticando, em muitos casos, a escravidão dos indígenas – com tudo isso, a situação se tornou muito mais dura e aí o próprio termo acabou sendo usado com ideia de descobrimento.

Marcelo Abud:
Os povos indígenas têm usado mais frequentemente a ideia de uma invasão.

João Pacheco de Oliveira:
Os intelectuais indígenas falam isso, em certos contextos. A expressão é bem forte, mas, do outro lado, ela corresponde muito mais à verdade dos fatos. A chegada dos europeus no Brasil e na América foi fundamental para o desenvolvimento das monarquias europeias e da economia europeia. O ouro do México, a prata do Peru, a madeira do Brasil e de outros lugares, elas foram importantes pra ativar a economia europeia. A Revolução Industrial não teria acontecido sem o ouro da América e sem os recursos que saíram daqui.
Na realidade quem precisava pra fazer seu desenvolvimento era a Europa, não os indígenas. Os indígenas estavam num curso perfeitamente estabelecido. É muito importante tentarmos rever essas formas pelas quais nós pensamos.

Música: “Canção do Exílio” (Reynaldo Bessa e Marcelo Alvarez)
Nosso céu tem mais fumaça
Nossas várzeas, caçadores
Nosso bosque tem madeira
Para os móveis dos senhores

João Pacheco de Oliveira:
Quando Portugal decide empreender a colonização do Brasil, se trata de uma guerra de conquista, se trata da criação de uma capital; vêm para o Brasil seiscentos soldados, quatrocentos degredados, seis jesuítas, vêm artesãos e outros – é uma rede muito grande de pessoas que vêm ocupar pra estabelecer as primeiras atividades econômicas: fazendas, moinhos; vão tentar criar as primeiras áreas reservadas aos indígenas, que seriam as áreas das missões. Os índios são levados das muitas áreas em que eles ocupam e que estão sendo tomadas por esses colonos pra serem transformadas em fazendas… Os índios são deslocados, então, para essas missões e passam a viver ali sob as ordens de missionários. É esse processo que realmente os intelectuais indígenas, hoje, qualificam como a invasão…

Música: “Não foi Cabral” (MC Carol)
Ninguém trouxe família
Muito menos filho
Porque já sabia
Que ia matar vários índios
Treze Caravelas
Trouxe muita morte
Um milhão de índio
Morreu de tuberculose

João Pacheco de Oliveira:
Eles foram subjugados, perderam terra, tiveram a sua condição de trabalho bastante afetada. Os trabalhos eram todos escravo ou trabalho forçado também. E eles perderam também, com a ação dos religiosos, espaço cultural-religioso importante e acabaram sendo forçados a aderir ao Cristianismo, porque sem a conversão ao Cristianismo, Portugal fazia guerra aos indígenas.
Colonização é um cenário bastante pesado. Ele não tem nada de idílico e não tem nada de harmônico. É a conquista de uma terra e a submissão das populações que eram autóctones.

Marcelo Abud:
Para auxiliar em aulas sobre o assunto, João Pacheco de Oliveira destaca a exposição do Museu Nacional do Rio de Janeiro: “Os Primeiros Brasileiros”.

João Pacheco de Oliveira:
E ela está na internet, ela tem sido visitada por milhares de pessoas e ela é um material muito interessante pra pesquisa. Contém fotos da época, quadros, músicas também, informações históricas… Então eu acho que para o professor ela é um livro, assim, primoroso, muito interessante, muito bonito e muito sensível. Pode chamar a atenção dos alunos e preparar muito material com ele. Inclusive essa exposição tem um guia didático que sugere também atividades em relação à sala de aula, aproveitando os temas colocados lá dentro.

Marcelo Abud:
Integrante do grupo de Antropologia Histórica da UFRJ, o pesquisador tem contato com lendas indígenas. Ele aponta essas narrativas como uma forma de se colocar crianças e jovens em contato com a maneira de pensar desses povos.

João Pacheco de Oliveira:
Nas mitologias, os indígenas também pensam a origem dos brancos. Como os brancos apareceram? Pra eles o problema não é tanto saber como eles foram descobertos ou foram achados, mas, de certa maneira, como os brancos apareceram?
Então eles têm mitos que eles relatam como em certos momentos os seus heróis criadores criaram tanto os indígenas quanto criaram também os homens brancos, como criaram os negros também; criaram pessoas de países diferentes. Eu acho que quase todos os mitos contemplam isso e explicam muito essa origem do homem branco…

Trecho da Lenda de Begorotire (“Histórias para Ouvir”/Sesc Jundiaí)
Ao som de “Canto da Celebração na Flauta”, Kelly Orasi narra:
Begorotire era um homem feliz, um dos melhores caçadores de seu povo, os Kayapó. Sua aldeia vivia em harmonia. Os homens caçavam; as mulheres cozinhavam, cuidavam das crianças; e os velhos e as velhas curavam com suas plantas, rituais e contavam histórias.

João Pacheco de Oliveira:
Pra eles, o homem branco sempre foi também uma parte da humanidade, igual a eles. Nesse sentido ele também foi frequentemente criado pelos próprios heróis culturais. Depois eles se separam, há outras rupturas etc, mas sempre é importante pensar que eles têm um sentimento de universalidade do gênero humano. E as histórias de como eles apareceram também são histórias de como apareceram os primeiros homens brancos.

Sons de celebração indígena extraído da exposição “Os Primeiros Brasileiros”

Marcelo Abud:
Quando europeus chegaram ao Brasil, havia uma população significativa. Isto torna equivocado o termo Descobrimento em relação ao dia 22 de abril de 1500. No texto que acompanha este áudio, você encontra o link para o site da exposição “Os Primeiros Brasileiros”, onde há muito material que pode enriquecer as aulas sobre o assunto.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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