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Integrante da frota de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha foi o escrivão que transformou em carta de achamento as impressões dos portugueses, diante da natureza e dos nativos que encontraram no que viria a ser o Brasil.

“A carta é intermediada pela visão cristã do século XVI e mercantilista, o registro que se faz das terras e das gentes. E a gente percebe isso tanto nas constantes referências à necessidade de catequização dos indígenas como, também, o explícito interesse em se encontrar metais preciosos”, resume o professor do Anglo Vestibulares Paulo Oliveira, ouvido pelo Instituto Claro neste podcast.

A carta de achamento trata do encontro entre dois mundos e é tida como uma espécie de certidão de nascimento do Brasil, em que se percebe o deslumbramento do autor em relação ao clima, paisagem, fauna, flora e também com os nativos.

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Transcrição do Áudio

Música colonial brasileira, de domínio público, fica de fundo

Paulo Oliveira:
A Carta de Pero Vaz de Caminha ficou esquecida nos arquivos portugueses durante mais de dois séculos e ela só foi publicada no começo do século XIX. Historicamente, um documento valiosíssimo, porque desde a sua descoberta a Carta ocupa uma posição simbólica de meio que uma certidão de nascimento do Brasil. Claro que essa visão nós podemos problematizá-la, na medida em que só pode ser considerada uma certidão de nascimento pelo ponto de vista dos europeus, porque afinal de contas os índios viviam aqui nessas terras e essas terras eram, para eles, naturalmente suas, não é?
Eu sou Paulo Oliveira, professor do Colégio Anglo (São Paulo), do curso Anglo Vestibulares e autor de material didático de literatura.

Vinheta: Livro Aberto – Obras e autores que fazem história

Som de página de livro sendo virada

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Em 1º de maio de 1500, diretamente de Porto Seguro, um texto é considerado o primeiro documento histórico oficial do país que havia sido encontrado por Portugal. A Carta de Achamento do Brasil foi elaborada pelo escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha.

Paulo Oliveira:
Pero Vaz de Caminha era um escrivão no sentido profissional mesmo, de colocar no papel eventos, reuniões importantes. Ele entrou na armada de Pedro Álvares Cabral, ao que parece, pra ser escrivão da feitoria portuguesa que seria aberta na cidade de Calicute, na índia. Mas, como essa era a sua atividade, ele também registrou o que aconteceu desde o começo da viagem propriamente dita até a chegada a essa terra desconhecida, a Terra de Vera Cruz.

Música: Ilha de Vera Cruz (Laura Lo Vacco), Ópera Popular
Cultura de formas estranhas
Àquele que em mares navega
Nudez de presença e de alma
Disposta, a mercê de quem chega

Paulo Oliveira:
A função do escrivão era muito importante. As expedições marítimas tinham diários de bordo, diários de navegação – registro técnico da arte de marear. Mas Pero Vaz de Caminha utiliza o idioma para além de uma mera expressão técnica. A Carta tem valor em si mesma, na medida em que é muito leve, muito agradável e é a simplicidade mesma, da carta, que é um efeito literário, propriamente dito, que pode ser admirado. Ou seja, controle verbal, um estilo que os antigos chamavam de “estilo ático”, pautado pela simplicidade e pela razão.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
A Carta traz as primeiras impressões dos portugueses ao encontrar os indígenas e, mais do que isso, as intenções que os europeus tinham diante do mundo recém-achado.

Paulo Oliveira:
Ela é uma expressão de seu tempo. Para ser corretamente entendida, deve ser contextualizada naquele tempo de expansão mercantilista europeia. É assim que nós vemos o olhar do colonizador, marcado pela superioridade. Pero Vaz de Caminha ao chegar a essas terras desconhecidas vai, simplesmente, nomeando os acidentes geográficos como se aqueles lugares já fossem deles, pelo simples fato de eles, portugueses, estarem chegando ali. A Carta é intermediada pela visão cristã do século XVI e mercantilista, né, o registro que se faz das terras e das gentes. E a gente percebe isso tanto nas constantes referências à necessidade de catequização dos indígenas como também o explícito interesse em se encontrar metais preciosos. Essa parece a maior preocupação dos europeus no contato com os índios.

Marcelo Abud:
O documento informa ao então Rei de Portugal, Dom Manuel I, o deslumbramento diante da natureza e do contato com os nativos que estavam nestas terras antes de 1500.

Paulo Oliveira:
Ela traz este fascínio de o ser humano, em sua pequenez, enfrentar as grandes forças da natureza. E é claro que nós temos que destacar também o caráter absolutamente forte do encontro de duas civilizações em estágios muito diferentes de desenvolvimento tecnológico: nós temos, de um lado, os europeus, que já dominavam a tecnologia das construções das naus – é uma cultura que já tinha vivenciado o renascimento; e a população indígena. Então, o mero encontro desses dois universos, dessas duas visões de mundo, sem dúvida, tem um interesse por si mesmo. É uma fortíssima experiência de alteridade.

Música: Índios (Renato Russo), com Letrux, Dado Villa-Lobos, Roberto Schilling
Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha

Paulo Oliveira:
Então a Carta interessa ainda hoje a nós, na medida em que nós vemos o encontro de duas civilizações absolutamente diferentes e esse contato com o diferente deve ser algo a nos ensinar hoje, não é? A gente aprender o que esse encontro dos europeus com os indígenas teve desdobramentos na nossa história e como a gente pode resgatar essa história, hoje, com mais consciência, como plenos cidadãos do século XXI, querendo fazer esse país – esse encontro de pessoas – um país melhor.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Apesar da esperança do aprendizado que a carta pode nos trazer, o professor destaca um episódio que demonstra que ainda precisamos virar algumas páginas desde a época em que foi escrita até os dias de hoje.

Paulo Oliveira:
O fechamento da Carta. Na Carta, o Pero Vaz de Caminha faz um pedido ao rei: que o rei libertasse seu genro, Jorge de Osório, que estava preso na Ilha de São Tomé. Então é muito curioso como a Carta ela é encerrada com um certo pedido de favorecimento a uma autoridade, o que pode (risos) se a gente olhar para o desenrolar da história do Brasil, a gente vê que essas relações entre os desejos individuais e o Estado são muito nebulosas no nosso país. E parece que isso já vem registrado nesse primeiro documento.

Marcelo Abud:
Paulo Oliveira escolhe, lê e comenta um pequeno trecho da carta.

Paulo Oliveira:
Ele se impressiona muito com a nudez dos indígenas e vai descrever os dois jovens índios que foram trazidos à Nau Capitânia, a embarcação de Pedro Álvares Cabral.

Som de página sendo virada

Paulo Oliveira:
“A feição deles é serem pardos, maneira d’avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma, não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas. E nisso tem tanta inocência como em mostrar o rosto.”

Som de página sendo virada

Paulo Oliveira:
A Carta pode ser retomada pelo que ela tem de alegórico, da simbologia do encontro de duas civilizações e, também, destacar a força desse encontro e a curiosidade com que Pero Vaz de Caminha olhava os índios. A visão, por exemplo, das índias nuas impressiona muitíssimo o navegador. Ele diz: “ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.”. Ele usa a ambiguidade do vocábulo “vergonha”, ou seja, a gente olhava para as vergonhas delas, sem nenhuma vergonha.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Além de permitir que se entenda como foi a primeira impressão dos europeus ao chegarem ao que futuramente chamariam de Brasil, o documento é tido também como o início da literatura do país, devido à qualidade do texto e do poder descritivo de Pero Vaz de Caminha.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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