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Em 9 de julho de 1932, teve início o conflito que ficou conhecido como “Revolução Constitucionalista de 32”. Apesar de estar associado a um movimento armado de paulistas contra o governo provisório de Vargas, para o professor da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro Felipe Castanho Ribeiro o episódio tem características de uma guerra civil. “O que evidencia esse caráter é a amplitude do conflito (…) a gente vai ter manifestações de estudantes na Bahia, em Mato Grosso. Vamos ter redes de espionagem espalhadas por todo o território nacional”, justifica o mestre em História pela Universidade Salgado de Oliveira.

Feriado paulista

Até hoje prevalece a ideia de um Estado que, sozinho, teria lutado pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. “Por incrível que pareça, é um discurso que é interessante às duas partes envolvidas no conflito: do ponto de vista de São Paulo, era interessante demonstrar que foi o único estado que se levantou contra o autoritarismo do governo provisório de Getúlio Vargas, que lutou pela reconstitucionalização do país; ao mesmo tempo, para o governo provisório também interessava essa narrativa, porque era de mostrar, ‘olha, foi um conflito isolado’ “, explica o professor.

No áudio, Felipe Castanho Ribeiro analisa, ainda, que o conflito é apenas mais um dos episódios da história do Brasil que demonstra a dificuldade que as elites políticas do país têm em conseguir chegar a um consenso, sem precisar recorrer a extremos.

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Transcrição do Áudio

Música: “Paris-Belfort” (Antonin-Xavier Farigoul), com “Guerreiros Paulistas”, fica de fundo

Felipe Castanho Ribeiro:
Eu procuro evidenciar o quanto a guerra de 1932 foi um evento complexo. Alguns livros didáticos já conseguem superar essa visão historiográfica mais tradicional, mas ainda predomina uma visão maniqueísta da guerra de 1932, a depender da perspectiva. A priori, uma guerra regional, né, de São Paulo contra o governo provisório e de uma forma maniqueísta: ou o governo provisório é o herói da história e São Paulo é o vilão, ou vice-versa.
Meu nome é Felipe Castanho Ribeiro, sou mestre em História pela Universidade Salgado de Oliveira, doutorando no programa de pós-graduação da escola de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas e professor da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
9 de julho marca o início do episódio que entrou para os livros de história brasileiros como Revolução Constitucionalista de 32. Nesta edição, o Instituto Claro conversa com o historiador Felipe Castanho Ribeiro, responsável por uma análise dos trabalhos bibliográficos envolvendo o conflito.

Felipe Castanho Ribeiro:
Ainda há, infelizmente, inclusive no próprio senso comum, essa ideia de que a guerra de 1932 foi uma guerra essencialmente de um Estado que está lutando pela constitucionalização do país, contra o autoritarismo do governo provisório de Getúlio Vargas; ou o inverso seria a ideia de que o governo provisório está lutando contra uma ideia separatista de um Estado que não aceitou perder o seu protagonismo no cenário político nacional. O que eu acredito que seja o ideal pra sala de aula é que a gente consiga exatamente superar essa visão dualista-tradicional, que a historiografia escolar tem abordado, para uma visão mais complexa, que demonstre a disputa política, o que estava em jogo, que supere essa visão maniqueísta de uma história de herói e vilão, e demonstre, de certa forma, um cenário de intensa disputa entre grupos políticos de âmbito nacional, que imaginavam e desejavam caminhos diferentes para o Brasil.
Trecho de discurso de César Ladeira, interpretando mensagem do poeta Guilherme de Almeida, pela Rádio Record de São Paulo:
“Cada geração que surge tem um dever a cumprir, a de agora cumprirá o seu e cumprirá até o fim, removendo todas as dificuldades, quebrando todas as resistências, disposta a todas as renúncias e capaz de todos os heroísmos.”

Marcelo Abud:
Esse é o final de um dos discursos escritos pelo poeta Guilherme de Almeida e interpretado por César Ladeira pela Rádio Record de São Paulo, que ficou conhecida no início dos anos 1930 como a Voz da Revolução. No entanto, você já deve ter reparado que o professor Felipe até agora não se referiu ao conflito como sendo uma revolução. Ele analisa que o correto seria considerar o episódio uma guerra civil.

Felipe Castanho Ribeiro:
O que evidencia o caráter de uma guerra civil é a amplitude do conflito, como também – e talvez até principalmente – a mobilização do governo provisório em torno do conflito e, também, da oposição ao governo provisório. Então a gente poderia elencar aí diferentes manifestações. E eu estou trabalhando com um conceito de um historiador chamado Roney Cytrynowicz, que escreveu um livro chamado “A guerra sem guerra”, em que ele percebe a guerra como uma mobilização total, tanto do Estado quanto da própria sociedade, que evidenciam a amplitude desta oposição, que vai se articular contra o governo provisório e que mesmo que não pegasse em armas procura atuar de alguma forma tão articulada que facilitasse aqueles que estavam nas frentes de batalha efetivamente. Então a gente vai ter manifestações de estudantes na Bahia, em Mato Grosso, nós vamos ter redes de espionagens espalhadas em todo o território nacional; no Distrito Federal, nós vamos ter manifestações; a publicação de jornais clandestinos contra o governo provisório…

Música: “Filmes de Guerra, Canções de Amor” (Humberto Gessinger), com Engenheiros do Hawaii
Não tenho medo de perder a guerra
Pois no fim da guerra todos perdem
No fim das contas as nações unidas
‘Tão sempre prontas pra desunião

Felipe Castanho Ribeiro:
Se a gente for falar da guerra mais tradicional, nós vamos ter levantes armados, por exemplo, no Rio Grande do Sul, capitaneado por uma proeminente figura política, que era o Borges de Medeiros; em Minas Gerais, a gente também vai ter um levante, do Arthur Bernardes; além disso, nós vamos ter um levante de um quartel inteiro na região do baixo Amazonas. Então houve uma intensa mobilização dos opositores ao governo provisório em diferentes regiões do país, que procuraram apoiar de diferentes formas a vitória da oposição que iria por fim ao governo provisório, ao governo de Getúlio Vargas. Por essa intensa mobilização social, política, militar, contra o governo provisório, acredito que é um conflito de uma projeção nacional e, portanto, uma verdadeira guerra civil.

Marcelo Abud:
Por que será que o conflito entrou para boa parte dos livros de histórias como sendo uma revolução paulista contra o governo de Getúlio Vargas?

Felipe Castanho Ribeiro:
Por incrível que pareça é um discurso que é interessante às duas partes que foram envolvidas no conflito: do ponto de vista de São Paulo, era interessante demonstrar que São Paulo foi o único Estado que se levantou contra o autoritarismo do governo provisório de Getúlio Vargas, que lutou pela reconstitucionalização do país. Então era interessante pra construção memorialista do Estado de São Paulo essa idealização de uma narrativa de que São Paulo lutou sozinho contra o autoritarismo, contra uma ditatura, a ditadura varguista; ao mesmo tempo, para o governo provisório, também interessava essa narrativa, porque era de mostrar, ‘olha, foi um conflito isolado’. E por ser um conflito isolado a gente tem que entender que São Paulo só entrou porque se achava melhor, era a locomotiva que puxava os vagões, né, que seriam a representação dos outros Estados que não tinham nada a oferecer; eram vagões vazios que não carregavam nenhum tipo de riqueza. Então São Paulo queria a separação do restante do país; eram políticos que estavam insatisfeitos com a perda do poder. O reforço dessa narrativa de que foi um conflito essencialmente regional era interessante para os dois lados.

Marcelo Abud:
A narrativa mais comum ligada ao conflito é a de que os soldados paulistas saíram derrotados no campo de batalha. No entanto, 9 de julho é uma data comemorativa no Estado por se considerar que o levante teria sido vitorioso e responsável pela convocação da constituinte em 34. Felipe Castanho Ribeiro vê outros resultados desta guerra civil.

Felipe Castanho Ribeiro:
Do ponto de vista político, infelizmente, eu não acredito que o legado de 1932 seja positivo. Ele nos lembra da dificuldade que as elites políticas do país, né, do Brasil contemporâneo, têm em conseguir chegar a um consenso, a uma negociação, a uma articulação que utilize os espaços formais, políticos, sem que recorra aos extremos, a levantes armados, a uma guerra, né? Sem que recorra aos extremos, de certa forma, pra conseguir resolver essas suas diferenças.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Na pesquisa feita sobre o tema, a conclusão é de que na maior parte do material didático, a guerra ainda é tratada como um conflito entre São Paulo e o governo federal.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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