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“Os combustores de iluminação partidos, com os postes vergados, estavam imprestáveis. Os vidros quebrados brilhavam na calçada. Paralelepípedos revolvidos, que serviam de projéteis para essas depredações, coalhavam a via pública. Em todos os pontos, destroços de bondes incendiados”. Foi assim que o jornal O Paiz descreveu o cenário da Revolta da Vacina em 1904. E é esse o aspecto que normalmente se ressalta desse episódio que ganhou as ruas do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, entre os dias 10 e 16 de novembro daquele ano.

Mais recentemente, no entanto, historiadores têm se debruçado também nas questões sociais e no aspecto da dificuldade de acesso à informação como fatores que colaboraram para o motim popular. “A população não chegou a ser devidamente informada, em 1904, de como funcionava a vacina, de como ela era não só boa, como necessária, pra salvar vidas e evitar sofrimentos. Num país com tantos analfabetos, não adiantava você colocar um cartaz na rua explicando os benefícios da vacina, aquilo ia atingir pouca gente”, explica o professor e criador do canal “Aí tem História” no Youtube Warde Marx, ouvido neste podcast.

Para ele, a revolta e a resistência à vacinação naquela época tinham relação com a falta de informação. Já a parcela da população que desconfia das vacinas, hoje, têm um excesso de informações falsas e distorcidas. “A vacina [da varíola] vem do pus de feridas de vacas. As pessoas pegavam a versão mais fraca da varíola e ficavam com anticorpos. As pessoas diziam, na época, ‘tá vendo, a gente vai ficar que nem vaca’. Essa história atual do jacaré não é só errada, ela tem raízes nessa desinformação”, comenta.

O Bota-Abaixo

Outro aspecto relevante para a Revolta da Vacina foi a reforma urbana na cidade do Rio de Janeiro. Como uma das consequências, ela promoveu a remoção da população dos cortiços da região central do Rio de Janeiro, sem nenhuma contrapartida. “As meninas precisam levantar e mostrar os braços pra fazer a vacina; os homens precisam mostrar os glúteos e baixar as calças. Há uma reação de que a vacina vai afetar uma intimidade dos indivíduos, além da violência econômica, da agressão que ocorre para a população mais carente”, afirma a professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria, especialista em história e saúde, Beatriz Teixeira Weber, também entrevistada pelo Instituto Claro.

O áudio apresenta detalhes do contexto social do início do século XX no Rio de Janeiro, como um segundo surto de varíola em 1908 fez a população da cidade recorrer à vacina e quais os aprendizados que esse episódio da História do Brasil pode trazer em relação à importância da vacinação em massa diante do novo coronavírus (covid-19).
“Nunca foi tão corrente a informação correta. Acho que, para as escolas, me parece que é uma preocupação muito importante em como é que se trabalham informações, de onde essas informações são retiradas, que se aprenda a checar a fonte da informação, que se verifiquem os procedimentos que essa informação está trazendo”, conclui Weber.

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Transcrição do Áudio

Música “Caminho das pedras”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Warde Marx:
A vacina vem do pus de feridas de varíola de vacas. As pessoas pegavam a versão mais fraca da varíola e ficavam com anticorpos. As pessoas diziam, na época, ‘tá vendo, a gente vai ficar que nem vaca. Essa história atual do jacaré não é só errada, ela tem raízes nessa desinformação.
Meu nome é Warde Marx, responsável pelo boletim “Aí tem história”, no Youtube.

Beatriz Teixeira Weber:
É importante que a gente saiba da onde a informação incorreta sai. Eu acho que a escola tem um papel fundamental que é ensinar a discernir informações. Para isso ainda não se substitui professor em sala de aula.
Meu nome é Beatriz Teixeira Weber, professora da Universidade Federal de Santa Maria.

Vinheta: “Instituto Claro – Educação”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Com o atual movimento antivacina, o episódio que aconteceu entre 10 e 16 de novembro de 1904, na então capital federal, Rio de Janeiro, volta a ser lembrado. A Revolta da Vacina, como ficou conhecido esse capítulo da história do Brasil, é muito associada ao fato da população não ter recebido bem a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. No entanto, a falta de informação e as reformas urbanas do início do século XX foram determinantes para a insurreição popular.

Warde Marx:
A vacinação não foi um evento isolado, fazia parte do programa de governo de Rodrigues Alves, de 1902 a 1906. São três grandes eixos para o Rio de Janeiro (e o Rio de Janeiro para servir de exemplo para o Brasil): infraestrutura, no caso do Rio de Janeiro, a reforma do porto; a outra coisa era a urbanização da cidade, é a famosa reforma Pereira Passos, que foi nomeado prefeito do Rio de Janeiro pra ‘botar abaixo’. Esse era o nome, entre a população, dessa operação, era a operação Bota-Abaixo. O que eles viam era ‘mas estão acabando com as nossas casas!’. Foram milhares de cortiços, barracos, habitações insalubres e tal, no centro da cidade do Rio de Janeiro, que foram demolidos; e a terceira coisa era o saneamento, porque o Rio de Janeiro era uma ‘cidade-doença’: varíola, febre amarela, malária, o que você imaginar, tinha. Dentro dessa ideia de saneamento, que é trazer esgoto, que é trazer água potável, está a vacinação.

Beatriz Teixeira Weber:
Essas mudanças são tomadas de uma forma bastante autoritária. O processo de como é que se vai desocupar os espaços pra fazer essas remodelações urbanas pra facilitar o trânsito na cidade, acaba sendo bastante autoritário e é percebido pela população do Rio de Janeiro como muito violento. Porque essa população é retirada das suas residências, às vezes, sem nenhuma informação; isso afeta, basicamente, essa população pobre e descendente, ainda, de escravos que habita essa área do Rio de Janeiro, que tem inúmeros cortiços…

Música: O Ronco Da Cuíca (Aldir Blanc, João Bosco)

Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca, roncou de fome
Alguém mandou
Mandou parar a cuíca
É coisa dos home

Warde Marx:
As pessoas comuns, digamos assim, né, os civis, que eram os caras que já estavam tendo suas casas destruídas, não conseguia emprego, estava indo morar no morro, ainda ‘vou ter que ser vacinado?’; ah, os caras tocaram fogo mesmo, tocaram o terror. A gente teve a população virando bondes – alguns eram puxados a burro, outros já eram bondes elétricos, que a reforma já estava em andamento na cidade; viravam bondes, viravam carroças, tocavam fogo em prédios, arrebentavam vitrines e agrediam, atacavam as forças policiais.

Beatriz Teixeira Weber:
É mais uma reação em relação ao contexto, mais geral, do que especificamente em ralação à vacina. A vacina é considerado um procedimento que chega na casa das pessoas; as meninas precisam levantar e mostrar os braços pra fazer a vacina; os homens precisam mostrar os glúteos e baixar as calças. Acho que há uma reação de que a vacina vai afetar uma intimidade dos indivíduos, que, nesse período, é uma questão moral, que é muito agressiva, além da violência econômica, da agressão que ocorre pra população mais carente, nesse momento, entende que a vacina vai acabar atingindo a privacidade desses indivíduos.
A revolta acaba suspendendo o processo de vacinação e há um novo surto de varíola, que é 1908, no Rio, que tem uma mortalidade muito significativa.

Warde Marx:
Resultado? A população foi pedir ao governo ‘pelo amor de Deus’ pra ser vacinada.

Música: “Dança da Vacinação” (paródia criada pela biomédica e doutora em Microbiologia Rosana Puccia para música de Paulinho da Viola)
Vacinação, vacinação
Tomo eu, toma você
E toda a população

Beatriz Teixeira Weber:
A gente tem que aprender, em primeiro lugar, que a vacina pode evitar essa mortalidade excessiva; a vacina oferece o melhor custo benefício que a gente pode ter no campo da saúde, porque a vacina é um investimento que tu faz, naquele momento, e tu evita que depois tu precise utilizar serviços de saúde e oferecer: medicamentos, espaços pra atendimento, recolhimento, enfim, todo o procedimento para o tratamento da doença.

Marcelo Abud:
O estudo sobre a Revolta da Vacina também pode ser uma oportunidade para trabalhar a importância da informação e o combate às notícias falsas.

Warde Marx:
A população não chegou a ser devidamente informada, em 1904, de como funcionava a vacina, de como ela era não só boa, como necessária pra salvar vidas e evitar sofrimentos. Num país com tantos analfabetos não adiantava você colocar um cartaz na rua explicando os benefícios da vacina, aquilo ia atingir pouca gente. Faltou informação. E é possível traçar um paralelo com o momento que a gente vive hoje (Hããããããã)…. também de desinformação, mas não por falta e sim por excesso; excesso de informação errada e o que é pior, informação que é deliberadamente (ênfase) errada. Então a gente pode ver que tanto em 1904 como em 2020, 2021, ignorância é uma doença (ênfase) mortal.

Beatriz Teixeira Weber:
Informação criteriosa, metodológica, sistemática, clara, né, que seja transparente – precisa ser disseminada de forma sistemática. Do meu ponto de vista nunca tivemos tanta informação sobre vacinas. Mas chega a ser patético que a gente dissemine informações incorretas sobre a vacina, sendo que há informações corretas, dados de quantas pessoas foram vacinadas; quantas ficaram doentes; como foi a reação; quantos receberam placebos. Nunca foi tão corrente a informação correta. Acho que, para as escolas, me parece que é uma preocupação muito importante em como é que se trabalha informações, de onde essas informações são retiradas, que se aprenda a checar a fonte desta informação, que se verifique os procedimentos que essa informação está trazendo… Porque esse é o processo de amadurecimento, isso é o que a escola que vai ensinar.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
A Revolta da Vacina é um conteúdo capaz de elucidar muito sobre o porquê da resistência à campanha de imunização no início do século 20. Também nos permite entender o quanto a ciência avançou de lá pra cá, a ponto de vacinas serem desenvolvidas em tempo recorde. E por fim, como a vacinação em massa é capaz de controlar e até erradicar doenças. Assim, cumpre-se o papel do ensino de História…

Warde Marx:
Quem conhece o passado, entende o presente e projeta o futuro.

Marcelo Abud:
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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