Literatura periférica é o nome dado à literatura produzida por autores que advêm da periferia, viveram ou ainda vivem em bairros periféricos das cidades. É o que explica o escritor e mestre em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) Márcio Vidal Marinho.
“Diferente do realismo, que fazia uma exposição social de maneira ‘isenta’ e apenas relatava o que era visto, a literatura periférica é produzida por autores que nasceram, viveram ou vivem na periferia e produzem seus livros a partir dessa experiência, posicionando-se diante da desigualdade social”, diferencia.
“Há um eu poético que fala sobre sua experiência de pegar o ônibus de madrugada para trabalhar, de viver em condições precárias em uma sociedade que tem bilionários, da opressão social vivida diariamente, do combate ao racismo, da violência policial, de não estar em local com espaços culturais ou acesso à saúde. Apesar disso, são humanos: eles se relacionam, resistem, amam e choram”, resume.
Periférica X marginal
A literatura periférica é diferente da chamada literatura marginal, termo que surgiu nos anos de 1960, na França.“A literatura marginal é aquela produzida para contrapor um sistema ou algo que seja imposto socialmente. Escrever em defesa dos pobres, por exemplo, não lhe faz ser pobre ou ter vivido na periferia, indica seu posicionamento social, mas não sua experiência”, diferencia Marinho.
“Qualquer autor que se posicionava contra as opressões naquele momento era marginal, diferentemente do autor da literatura periférica, que necessariamente precisa ter vivido na periferia para que sua voz poética seja autêntica”, completa.
No Brasil, a literatura marginal de desenvolve a partir dos anos de 1960 e durante o regime militar, tendo como expoentes João Antônio e poetas como Roberto Schwarz, Ana Cristina Cesar, Torquato Neto e Chacal.
Ampliando conhecimentos
Autor da dissertação “Cooperifa e a Literatura Periférica: poetas da periferia e a tradição literária brasileira” (USP, 2016), Marinho destaca a importância de apresentar a literatura periférica aos alunos da educação básica. “Isso mostra que a literatura não é algo estático, mas contínuo, e que hoje a periferia produz sua literatura e seus espaços literários, como os saraus”, pontua.
Segundo o pesquisador, jovens leitores de escolas públicas podem se identificar e se reconhecer no processo literário periférico. “Quando o autor fala sobre o bairro paulistano de Capão Redondo, por exemplo, isso atrai imediatamente o leitor da periferia porque a experiência a ser narrada passa pela vivência dele também”, avalia.
A seguir, Marinho indica 5 livros de literatura periférica que o professor pode apresentar aos alunos nas aulas de literatura e língua portuguesa da educação básica.
Quarto de despejo: diário de uma favelada
Carolina Maria de Jesus, Ática, 2019
O diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus originou este livro, no qual relata o que viu, viveu e sentiu nos anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com três filhos.
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Literatura, Pão e Poesia: História de um povo lindo e inteligente
Sérgio Vaz, Global, 2021
Nesse livro, Vaz navega pelo mundo das crônicas e mergulha na alma dos invisíveis, dos desterrados, dos sem-nome, dos sem-lugar e dos sem cidadania.
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Cronista de um tempo ruim
Ferréz, Editora Literatura Marginal, 2018
Cultura, política, sociedade, consumismo e violência contra os moradores da periferia são alguns dos temas que permeiam as crônicas do escritor, publicadas originalmente em veículos como Caros Amigos, Folha de S. Paulo, Le Monde Diplomatique Brasil, Revista Trip, e Relatório da ONU.
Cidade de Deus
Paulo Lins, Editora Tusquets, 2018
Publicado pela primeira vez em1997, o livro traz um panorama sobre a vida em uma das regiões mais pobres do Rio de Janeiro e que reflete problemas sociais vividos em regiões periféricas de todo o país. Baseado em fatos reais, o romance aborda temas como juventude, tráfico de drogas, governo paralelo, pobreza e variadas formas de violência.
Te pego lá fora
Rodrigo Ciríaco, Editora Nos, 2021
O autor revela as violências e epifanias das vidas trancafiadas em uma escola pública da periferia de São Paulo. São adolescentes vivendo em uma estrutura educacional toda feita contra eles.
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