Há cinco anos, o comunicador Walter Gianini, de 59 anos, foi abordado por dois olheiros de uma agência de modelos em um shopping. Desde então, ele se tornou um “senior model” ou “mature model”, termos em inglês para designar modelos de publicidade e passarela com mais de 50 anos.

“Por conta do etarismo na nossa sociedade, você se torna invisível quando passa dos 50 anos. Essa indiferença traz um sentimento muito ruim. Em contrapartida, me tornar modelo cinquentão foi libertador para a minha autoestima. Sou aceito pela minha singularidade: um homem de quase 60 anos, de cabelo branco encaracolado e barba”, comemora.

Para ele, a contratação de modelos maduros reflete um movimento por maior diversidade na moda, que inclui ainda pessoas com outros corpos e etnias em propagandas. “Internacionalmente, vejo que essa pegada é mais forte, com mais modelos maduros em desfiles de grandes grifes, por exemplo”, analisa. “No Brasil, há hoje maior abertura, mas o conservadorismo e a resistência ainda são grandes”, pondera.

senior models
O modelo Walter Gianini (crédito: divulgação)

Ele relata, por exemplo, ler comentários preconceituosos em redes sociais. “Entendo que somos um espelho para pessoas que lidam mal com o envelhecimento e acabam projetando os fantasmas delas em nós”, avalia. “Por outro lado, para o público geral, há uma função social no modelo maduro. Ele traz representatividade e possibilita que outros consumidores mais velhos se enxerguem na publicidade”.

“Todos ganham”

A irlandesa Sheila O’ Callaghan, de 52 anos, era jornalista há mais de duas décadas, com passagem por 70 países e entrevistas com presidentes no currículo quando, no Brasil, conheceu um designer que sugeriu que ela fizesse um book de fotos.

“Foi divertido e despretensioso fazer as fotos. O estilista publicou os resultados nas suas redes sociais e em dois dias fui chamada para uma campanha”, relembra. “Eu estava com 50 anos e tinha uma vontade de mudar e de fazer coisas novas. Ao entrar nesse novo universo da moda, pude fazer amigos diferentes e descobrir coisas que, até então, desconhecia”, afirma.

Para O’ Callaghan, a transição de carreira foi natural e lhe trouxe autoconfiança. “Eu me sinto confiante porque essa sou eu. Eu uso os meus cabelos grisalhos naturais há mais de 15 anos e gosto deles assim. Não existe um caminho único de beleza: pintar ou não seus cabelos não faz de você mais bonita, feia, jovem ou velha. É apenas você sendo você”, resume.

Sheila O' Callaghan
A modelo Sheila O’ Callaghan (crédito: divulgação)

Assim como Gianini, O’ Callaghan enxerga um olhar menos etarista da moda atual. “Mas confesso não saber se essa mudança foi algo natural e partiu de um desejo das marcas de representar todas as pessoas ou se elas foram empurradas a isso. Ainda assim, não há 100% de abertura”, avalia.

Para ela, tanto as marcas quanto o público ganham quando há diversidade de idade nas publicidades. “Bem, pessoas de todas as idades compram roupas e elas se veem representadas. Ter mulheres maduras nas publicidades também dá confiança para as consumidoras da mesma faixa etária usarem peças não convencionais, coloridas e sair daquela estética austera de preto e cinza”, endossa.

Entretanto, mais abertura à diversidade precisaria partir das marcas e das empresas. “No Brasil, eu era a única modelo sênior no mercado. Hoje, trabalhando em Londres, há uma centena de modelos como eu na minha agência”, compartilha O’ Callaghan.

Diversidade étnica é desafio

Se no Brasil o casting de modelos sênior no geral ainda é escasso, há ainda um recorte de raça mais restrito, com a maioria dos profissionais sendo de etnia branca. Nino Di Primo, de 52 anos, é a exceção à regra.

“Em 2018, aos 48 anos, eu trabalhava na parte administrativa de uma empresa de materiais cirúrgicos. Sou homem negro com barba branca e postava fotos nas minhas redes sociais quando um designer de joias me escreveu convidando para fazer fotos para o Baile da Vogue. Achei que era golpe: eu, quase cinquentão, virar modelo agora?”, brinca.

Nino Di Primo
O modelo Nino Di Primo (crédito: divulgação)

O convite era real e, em dois meses, Di Primo precisou abandonar o trabalho para modelar. “Foi difícil trocar o certo pelo incerto, mas não conseguia conciliar as profissões. De lá para cá, nunca parei, fiz desfiles, editoriais, publicidades e viajo para a Itália”, comemora.

Di Primo conta, porém, que é tido como o único modelo sênior negro do mercado. “Eu nunca fotografei ou trabalhei com outro homem ou mulher sênior negros, mas acredito que é um processo que caminha para isso”, compara.

Assim como seus colegas, ele pensa que os sêniores models transmitem uma imagem positiva para pessoas da mesma faixa etária. “Eu me sentia velho e com oportunidades limitadas. Acho que nossa presença incentiva pessoas maduras a arriscarem e fazerem coisas novas”, finaliza.

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