Mauro Mateus dos Santos é o nome do rapper Sabotage, assassinado às vésperas de completar 30 anos em 24 de janeiro de 2003. Em vida, deixou o álbum “Rap é compromisso” e participações como ator nos filmes O Invasor (2001) e Carandiru (2003). Sabotage teve uma carreira curta, mas que marcou o rap e a música nacional, com letras que denunciavam a miséria, a violência e o racismo que marcavam os dias na favela de Canão, em São Paulo (SP), onde nasceu e viveu.

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“Sabotage era um homem preto, pobre, da favela, sensível à sua condição na sociedade brasileira e dotado de um talento artístico e disposição para encontrar uma linguagem que lhe permitisse levar a sua mensagem a outras pessoas”, descreve o doutorando em linguística pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisador da obra de Sabotage Edilberto de Oliveira.“Como cantou em Rap é Compromisso: ‘O rap é um portal, um portal para a liberdade, né, meu? A gente tenta passar no rap que a paz existe, mas como a gente vai mostrar que a paz existe se a gente vive no meio do tumulto?’”, salienta. Confira a seguir as reflexões de Oliveira sobre a obra do artista e seu legado.

sabotage rapper
O rapper Sabotage (crédito: divulgação/Marcio Simnch)

Instituto Claro: Quem foi Sabotage?

Edilberto de Oliveira: Era um homem preto que viveu em favelas da zona sul de São Paulo. Seu pai, que conheceu só aos 15 anos de idade, era catador de sucatas e alcoólatra. Sua mãe era doméstica e criou sozinha os seus três filhos em um barraco na favela de Canão, sempre lembrada nas músicas dele. Tinha um irmão deficiente mental e o outro, detento. Sob acusação de roubo, foi preso aos 15 anos na Fundação do Bem-Estar do Menor (a antiga FEBEM), onde possivelmente perdeu os dentes superiores ao ser agredido por policiais.“Aí, na delegacia, o dente dançou…”, diz uma de suas músicas.

Foi trabalhador esporádico de feira, casado, pai de três filhos e morador de uma favela ameaçada de despejo pelo poder público à época da administração de Paulo Maluf. Para sustentar a família, envolveu-se com o tráfico de drogas e suas perigosas disputas. Embora tenha mudado de vida, sua morte teria sido motivada por antigas rixas de acordo com algumas versões.

Qual foi a sua importância para a música e rap nacional?

Oliveira: “Rap é compromisso”, concluído em 2000, não é só um excelente disco como há uma contribuição em termos de linguagem. Sabotage era detentor de um estilo próprio, que surpreendentemente incluía, em uma atmosfera pesada de injustiça, revolta, violência e morte, o humor e o riso também.

Quais temas e críticas sociais se fizeram presentes em sua obra?
Oliveira: A reivindicação de direitos humanos: civis, políticos e sociais. Mas podemos identificar outros mais específicos: a denúncia da miséria em que vivem as populações faveladas e periféricas; da violência contra essas populações, incluindo a policial; da corrupção policial; do abandono da infância; do racismo existente na sociedade.

Há ainda religiosidade, visão de política, a representação do dinheiro – sobre a qual escrevi um artigo  — e o mundo do consumo. Parece ser uma característica da música rap a aproximação entre o autor empírico (o homem), o artista e as personagens que aparecem nas músicas. Com Sabotage não foi diferente.

Além disso, ao falar em ajudar crianças, tirá-las das drogas, ao denunciar a fome e a mortandade, ao falar com carinho e saudade das pessoas queridas que perdeu, humanizou as suas personagens.

Como a discussão sobre o racismo se fez presente em suas letras?

Oliveira: A presença física de Sabotage questiona o racismo e as referências explícitas e implícitas em sua obra. Em “Um bom lugar”, diz: “Não sei qual que é, se me veem, dão ré”. Vejo ironia em “Cantando pro Santo”, quando a personagem, “um descendente dos Palmares”, imagina comprar um carro luxuoso, com dinheiro roubado, e sair à rua. Ele parece insinuar que não é uma boa ideia.

Como homem preto, pobre e favelado, Sabotage era também o típico vulnerável em uma sociedade racista e violenta, assim como o mais exposto a ter os seus direitos civis desrespeitados. Como disse: “O sistema fala pra gente: meu, você só vai chegar até a quinta série, se chegar. A maioria dos irmãos que eu conheço pararam na quinta série. Entrou pro crime e jaz […] seleção natural […] Depois da quinta série a maioria dos meus manos já não está mais com a vida”.

Como a violência policial era representada em suas letras?

Oliveira: Ele denunciava a corrupção policial e os assassinatos cometidos por policiais nas periferias da cidade. Em “Zona Sul” afirmou: “Corre, escape, tem quinze no pente, chantagem / Gambezinho faz acerto, depois mata na crocodilagem”. Em “Respeito é Pra quem tem”, complementou: “Eu vejo um carro, desenvolve a mil e sai (sai, sai, sai) / Pelo que fez, os homens vão atrás / Pôr a mão no fogo pela lei? Não, jamais / Sistema cão / Mandou meu irmão e vários pro jaz”.

Quais temas de sua obra ainda são contemporâneos?

Oliveira: O Brasil não tem o hábito de resolver os seus problemas. O tema maior da obra de Sabotage, a reivindicação de direitos humanos, permanece central. Um futuro mais feliz exige formar cidadãos e combater os bolsões de sem esperança, excluídos até do consumo básico indispensável à sobrevivência. Precisamos de uma sociedade mais igualitária e combater a violência. A maioria das vítimas são jovens pretos, como Sabotage.

Na música “País da fome”, Sabotage não fala apenas da fome física e da violência que ela pode gerar em alguns momentos. É fome de justiça, de direitos, de respeito e paz. Paz também, por isso a música é tão comovente ainda hoje.

A história de Sabotage é uma tragédia brasileira. No entanto, há algo nele, na voz, na imagem, na atitude, que faz a gente acreditar que nós podemos e chegaremos a uma situação melhor como sociedade. Seu riso parece vir de uma alegria vital. Sabotage é uma forma de resistência.

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