Bissexual é uma pessoa que se relaciona e se interessa por pessoas de gênero semelhante ou diferente ao seu. O processo de se entender como pertencente a essa orientação sexual, porém, nem sempre é fácil.

A assistente de marketing Vanessa Santos (25 anos) namorou apenas homens até os 17 anos.

“Era evangélica e achava que era errado sentir atração por mulheres como sentia. Até que um dia me apaixonei por uma mulher e me vi no dilema ‘será que só gosto de mulheres agora?’. Depois de um tempo tentando achar a resposta e de ler sobre o assunto, eu me envolvi com um rapaz de novo e constatei que era bi” conta. 

Diego Vasconcellos Moraes (crédito: acervo pessoal)

História semelhante a do psicólogo Diego Vasconcellos Moraes (33 anos). “Minha família era religiosa e eu só consegui me abrir para outras formas de estar no mundo e de viver meus afetos no terceiro ano da faculdade. A aceitação foi um processo difícil e gerou conflitos do ambiente em que fui criado. Precisei encontrar pessoas que viviam o mesmo e me aceitar antes de expor para minha família”, explica.

A religião também foi um fator que impediu a psicóloga Rebeca Melo (30 anos) de entender sua orientação sexual.  

“Fui criada em ambiente cristão protestante e o discurso religioso estava tão intrínseco à minha existência que só consegui me perceber quando me afastei. Hoje entendo que sentia atração pelas meninas da igreja também”, lembra.  

Invisibilidade

Ser bissexual também é lidar diariamente com estereótipos vinculados a essa orientação sexual, geralmente associada à libertinagem, infidelidade e identidade confusa — isso tanto em ambientes heterossexuais quanto dentro da própria comunidade LGBTQIA+, como explica Moraes: “As mulheres heterossexuais desconfiam da lealdade e fidelidade e nos enxergam como alguém ‘em cima do muro’. Homens gays, por sua vez, pensam que estamos com mulheres para disfarçar a homossexualidade ou como um hétero que gosta de ter aventuras esporádicas com homens”. 

 “Sempre sou questionado se já tentei ficar com mulher, se isso é transitório ou vejo minha família torcendo para que eu encontre uma mulher ‘que me dê jeito’”, diz Moraes. 

Todos esses estereótipos acabam levando a invisibilidade. “Sempre dizem que sou ‘sapatão’ quando me relaciono com mulheres, ou questionam se uma hora vou escolher um homem para constituir família e ter um filho”, compartilha Santos. 

Vanessa Santos (crédito: acervo pessoal)

“Motivo pelo qual o Dia da Celebração Bissexual, em 23 de setembro, é importante”, completa Moraes, que acredita que outro problema vivenciado por bissexuais é a fetichização dessa orientação sexual. “Perguntam se fico com homem e mulher ao mesmo tempo, por exemplo”, afirma.

“Certo dia, jantava com minha namorada e comecei a me incomodar com os olhares de hipersexualização sobre mim por parte de homens héteros. Precisei pedir para mudar de lugar e optamos por ir a um ambiente LGBTQIA+ na sequência, onde me senti mais respeitado”, descreve Moraes. 

A seguir, confira 10 dúvidas comuns sobre bissexualidade respondidas por pessoas que se identificam com essa orientação sexual. 

O que é bissexualidade?

“É uma pessoa que se relaciona e se interessa por pessoas de gênero semelhante ou diferente ao seu”, resume Melo. 

Rebeca Melo (crédito: acervo pessoal)

Qual a diferença para a pansexualidade?

Na teoria, enquanto bissexuais se atraem por pessoas em uma lógica binária (gênero masculino e feminino), os pansexuais podem se sentir atraídos por pessoas não-binárias, de gênero fluído, agêneros, travestis, entre outras configurações mais amplas. Melo, porém, questiona essa definição. 

“Penso que a bissexualidade passou a ser visto como algo menos fluído e às vezes até transfóbico, quando pode haver bissexuais cuja atração ultrapasse a lógica binária também. Talvez a diferença entre essas duas orientações seja o momento histórico em que cada uma delas surgiu”, pondera.   

Veja mais:

O que é ser pansexual?

Como saber se sou bissexual?

“Além do fato da atração sexual em si, quando se fala de sexualidade, vale a pessoa também se perceber como se dá essas atrações por cada gênero no campo dos afetos”, orienta Melo. 

“Uma orientação importante é que a pessoa bissexual percebe que não está se forçando a ficar com um gênero específico para dar certo. Você pode se relacionar tanto com o gênero masculino quanto feminino de forma natural, sem ser pesado ou se sentir incompleto”, ensina o psicólogo. 

A bissexualidade é uma escolha?

Não, é uma orientação sexual. “O que pode acontecer é da pessoa escolher sufocar afetos por pressão social ou medo de preconceito e violência. Ainda assim, nesse caso, seria mais uma imposição do que uma escolha”, esclarece Melo. 

Um bissexual pode preferir um gênero a outro?

“Você gosta mais de homem ou de mulher?” é a pergunta mais ouvida segundo os três entrevistados. “Respondo que eu não me apaixono por gênero específico, mas por pessoas. Como mulheres e homens cisgêneros são criados e socializados de formas distintas, haverá recortes. Isso não está relacionado à genitália, mas há questões sociais. Nesse sentido, me relacionar com uma mulher que tem uma perspectiva mais feminista será mais natural e tranquilo para mim do que um homem”, compartilha Melo.

Pessoas bissexuais também podem se sentir afetiva ou sexualmente atraídas pelos dois gêneros de formas diferentes — não há regras. Segundo Melo, isso não faz da pessoa mais ou menos bissexual. “Uma mulher bissexual que se atrair por homens e mulheres, mas não sentir vontade de ter um relacionamento afetivo com algum deles em específico. Isso pode acontecer”, explica a psicóloga. “Ter vontade apenas de beijar mulheres ou homens costuma ser taxado de ‘bi de balada’, mas penso que não deveria ser colocado de forma pejorativa, porque o espectro da sexualidade é amplo, singular e a pessoa pode estar em um processo dela, que é particular”, opina a psicóloga.

A bissexualidade é uma fase que as pessoas passam?

Não. Porém, não significa que a pessoa precise ter relações afetivas durante a vida com os dois gêneros igualmente. “Não existe regra. Posso ter um único casamento na vida, com uma pessoa de um gênero semelhante ou oposto. Ou posso ter mais de uma relação na minha existência alternando gêneros. O que é perigoso é olhar a sexualidade de forma engessada”, diz Melo. 

Posso ser bissexual e só me relacionar com um gênero ao longo da vida?

Sim. “As pessoas não escolhem por quem elas se apaixonam”, lembra  Moraes. “Muitos amigos me usam como exemplo de ‘bissexual de verdade’ por ter tido relações duradouras com homens e com mulheres, quando isso não existe. Uma pessoa que é bissexual, mas se apaixonou e se relacionou somente com um gênero, continua sendo bissexual”, desmistifica Melo. “Também é importante reconhecer seus limites, não acho que  todos que se percebem bissexuais precisam propagar isso para o mundo”, recomenda a psicóloga.

As pessoas bissexuais são mais propensas a trair seus parceiros?

“Traição é algo inerente ao ser humano em geral, não há uma orientação sexual específica. Existem pessoas bissexuais estritamente monogâmicas que, quando estão com seu parceiro, independente de gênero, continuam monogâmicas”, lembra Melo. 

“A dúvida tem como pano de fundo o estereótipo de, por se relacionar com mais de um gênero, o bissexual é libertino. Uma situação mais associada a insegurança do parceiro do que à orientação sexual”, analisa Moraes. 

A bissexualidade é bem aceita pela comunidade LGBTQ+?

Infelizmente, não. “Gays e lésbicas podem achar que estamos os utilizando apenas para sexo e, para firmar a relação, optaremos por uma família heteronormativa”, diz Moraes.

Há ainda a invisibilidade. “Tive uma namorada que dizia que, por estar com ela, eu era lésbica. Lembrava que estar em uma relação lésbica não apagava minha existência como bissexual. Isso era violência e sentia um apagamento da minha identidade”, conta Melo.

Ao começar a me relacionar afetivamente com uma pessoa bissexual, há alguma orientação?

“Não gosto quando perguntam se prefiro homem ou mulher. Também fico incomodada quando duvidam da minha bissexualidade”, compartilha Santos. 

“Não gosto quando a pessoa que me relaciono questiona se sinto falta do gênero oposto ao dela. O que precisa ter é cumplicidade e respeito ao acordo da relação”, aponta Moraes. 

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