Incel é a abreviação de involuntary celibate (celibatário involuntário, em inglês) e se refere a homens jovens que dizem não conseguir estabelecer relações amorosas ou sexuais com mulheres, apesar do desejo, atribuindo a culpa a elas.
“Eles expressam ressentimento por se sentirem rejeitados por mulheres e pela sociedade, incorporando ideias misóginas”, descreve o docente da pós-graduação em sociologia política da Universidade Vila Velha Pablo Ornelas Rosa.
“São meninos e adolescentes inseridos na internet, no contexto das plataformas de games, com pouca socialização e vulneráveis a bullying em suas escolas. O ódio pelas mulheres é consciente”, acrescenta a doutora e pesquisadora em gênero Bruna Camilo de Souza Lima e Silva.
“Existe uma confluência de fatores para alguém se identificar como incel, como baixa autoestima, isolamento social, sentimento de rejeição e a ideia de não ter algo que supostamente lhe foi prometido apenas pela condição de ser homem. As visões de mundo do incel distorcem as mulheres e as relações”, resume o advogado e pesquisador do fenômeno incel Júlio César Aranha.
Interações na machosfera
Entender os incels exige compreender a machosfera ou manosfera, comunidades online formadas por homens que discutem masculinidade em plataformas como YouTube, fóruns e espaços de jogos, como o Discord.
“Os incels são frutos da ‘plataformização da sociedade’ e das relações mediadas por telas, o que isolou e criou uma cosmovisão compartilhada por muitos meninos”, aponta Rosa.
Segundo ele, a machosfera possui como características a hipergamia — crença de que mulheres trocam seus parceiros por outros com mais status, renda ou melhor aparência.
“O incel teme que a parceira o troque por outro, sofrendo por antecipação”, afirma Rosa.
Além disso, outra característica é a de que a masculinidade e as relações são construídas dentro de uma lógica de mercado.
“As relações são vistas como baseadas em concorrência e competição. Se você tem boa genética, vai ter sucesso com as mulheres; caso contrário, precisa empreender, enriquecer, treinar na academia etc.”, apresenta Rosa.
Ele explica que, na lógica da machosfera, homens e mulheres são classificados pelo chamado valor sexual de mercado (VSM). “Chad (homens) e Stacy (mulheres) são termos para quem está no topo da pirâmide”, compartilha.
Além dos incels, a machosfera é composta por red pills — homens que dizem ter ‘acordado’ para a ‘verdade’ de que a mulher é o gênero privilegiado na sociedade. “Eles acreditam que podem melhorar seu VSM, tornando-se alfa, caso fiquem ricos e mais atraentes”, diferencia Rosa.
Há ainda os black pills, que crêem não ser possível melhorar seu VSM, e os MGTOW (sigla para Men Going Their Own Way, ou ‘homens seguem o seu caminho’), movimento que rejeita relacionamentos com mulheres por considerá-las manipuladoras.
“Se o incel continuar nesse ambiente, pode migrar para red pill, black pill ou MGTOW, que costumam ser homens mais velhos”, pontua Silva.
“A própria interação de red pills com jovens nas plataformas de jogos pode influenciar esses adolescentes a se tornarem incels”, lembra Rosa.
Misoginia e outros radicalismos
Para Rosa, a hipergamia é a precursora da misoginia na machosfera. “Se parto da premissa de que todas as mulheres são interesseiras, não é preciso muito para odiá-las.”
Além disso, os incels estão relacionados a outros extremismos, como homofobia, transfobia, racismo e xenofobia. “Muitos jovens envolvidos em ataques a escolas eram ativos em fóruns incel”, conta Aranha.
Combater a difusão da misoginia passa pela regulamentação das plataformas, como explica Rosa.
“As plataformas monetizam o discurso misógino — e sabem disso. Ganham ela e quem produz o conteúdo”, destaca Rosa.
E seria possível intervir no posicionamento de jovens que participam dessas comunidades.
“Entra aí o papel da educação em direitos humanos, porque o espaço no fórum, em si, não é de debate. Não é possível educar naquele ambiente”, conclui o professor da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco Arnaldo Vieira Sousa.
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Crédito da imagem: Sneksy – Getty Images