Grilagem é a invasão de terras públicas para fins particulares, geralmente em locais onde existem florestas. “Essas pessoas invadem, desmatam e começam a reivindicar a regularização da posse ilegal”, resume a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista. O termo “grilagem” vem da descrição de uma prática que consiste em envelhecer documentos de posse de terra para que eles pareçam antigos. “Os papéis falsificados eram colocados em uma caixa com grilos para que, com o passar do tempo, a ação dos insetos desse a eles aparência envelhecida”, explica o diretor de justiça socioambiental do WWF-Brasil, Raul Valle.

Os alvos dos grileiros são as chamadas áreas públicas não-destinadas — áreas florestais pertencentes aos governos estaduais ou federal mas que ainda não tiveram seu uso decretado —, assim como áreas protegidas, caso de terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs).

“Os grileiros as registram ilegalmente em seu nome ou no de laranjas, que são pessoas que emprestam seus dados aos criminosos. Eles expulsam moradores, como povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, muitas vezes de forma violenta, envolvendo a formação de milícias”, detalha Valle. Em seguida, os criminosos desmatam e colocam no terreno cabeças de gado para se passarem por pecuaristas ou agricultores familiares. “A partir daí, buscam regularizar o terreno ou o vendem para recomeçar o processo, invadindo novas terras”, acrescenta.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é o órgão federal responsável pela regularização de terras. “Pode-se pedir a regularização de no máximo 2,5 mil hectares. Não raro, o grileiro coloca vários terrenos nesse limite em seu nome e de familiares, na tentativa de mascarar um latifúndio”, descreve Batista.

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Segundo a advogada, o grileiro espera adquirir o terreno a baixo custo para repassar por um valor maior. Além disso, grilagem e desmatamento andam juntos, sendo as madeiras retiradas com valor comercial vendidas. “Porém, há também relação com garimpo, narcotráfico e aumento da violência no campo”, sintetiza Valle.

Amazônia é alvo

A Amazônia é o principal alvo de grileiros: são 51 milhões de hectares de áreas não destinadas segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma área do tamanho da Espanha. De acordo com o instituto, até o fim de 2020, mais de 14 milhões de hectares dessas florestas (28% do total) estavam registrados ilegalmente como propriedade privada no cadastro ambiental rural (CAR).

O Ipam estima que 66% do desmatamento ocorrido até hoje na Amazônia está dentro do perímetro declarado ilegalmente como particular. Valle explica que de 2019 a 2022, a grilagem na Amazônia disparou. O desmatamento anual nesse período foi 56,6% maior que entre 2016 e 2018. As terras públicas concentraram 51% da derrubada. No mesmo período, o desmatamento em áreas protegidas subiu 80%, sendo 153% nas TIs e 63,7% nas UCs.

Para Valle, o aumento do desmatamento amazônico significa empurrar a floresta para o “ponto de não retorno” , quando ela não consegue mais se recuperar sozinha e perde umidade de forma progressiva, transformando-se em região semiárida. “É uma tragédia para todos os brasileiros, pois os chamados ‘rios voadores’ que saem da Amazônia produzem as chuvas no Sudeste e Sul. Sem eles, a agricultura praticada nessas regiões fica comprometida”, alerta.

Além da Amazônia, há ainda casos de grilagem em litorais e na região do cerrado conhecida como Matopiba, situada entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. “Pequenos agricultores e geraizeiros que vivem há décadas na região são expulsos por grandes fazendeiros que usam o CAR para declarar imóveis inexistentes ou expansão dos existentes”, contextualiza Valle.

Legislação facilita

Batista explica que recentes alterações na legislação via Congresso Nacional e apoiadas pela bancada ruralista facilitaram a grilagem. A conversão da Medida Provisória 759/2016 permitiu que áreas ocupadas até 2008 pudessem ser solicitadas, quatro anos mais do que o limite anterior. “Além disso, é possível regularizar áreas ocupadas até 2011 se o pagamento for à vista”, descreve a advogada.

A nova lei também tirou a obrigação da checagem da regularidade da área ambiental. “Áreas desmatadas precisam ter esse passivo ambiental reposto. Como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) não tem pessoal suficiente para fiscalizar, esse é feito por via remota, através de radares. Apenas uma amostragem é presencial, ou seja, muitos criminosos não são identificados”, descreve a advogada.

Com a mudança na lei, basta a pessoa que ocupa a área realizar o cadastro ambiental rural e fazer uma declaração sobre a condição das terras. “Isso reduz os patamares de proteção ambiental”, conclui Batista. Atualmente, o Senado avalia o Projeto de Lei 510/2021, já aprovado pela Câmara dos Deputados. Ele foi batizado de PL da Grilagem.

“O PL perdoa todos os casos de invasões ocorridas em terras públicas entre 2011 e 2017, dando ao invasor o título de propriedade da terra invadida por valores inferiores a 10% do valor de mercado. É um verdadeiro prêmio-grileiro”, lamenta Valle.“Ele ainda afrouxa as regras de fiscalização para permitir que grandes grileiros possam rapidamente conseguir o título de terra, sem necessidade de vistoria presencial pelo INCRA”, complementa.

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“O governo deverá acreditar no que qualquer um diz e nos documentos que apresentar, concedendo um título de propriedade apenas com base nisso. Assim, pequenos agricultores, quilombolas e outras populações tradicionais que não têm acesso aos órgãos para se defender podem ter a propriedade retirada por alguém que nunca pisou ali”, denuncia Valle.

“Cada vez que a legislação é modificada para beneficiar o grileiro, mais gente se sente incentivada a invadir terras públicas, na expectativa de que uma nova mudança na lei ocorrerá”, pondera. Já Batista lembra que não são necessárias novas leis, mas aumentar o investimento no INCRA e no IBAMA para que as fiscalizações contra a grilagem ocorram:“O que acontece é o sucateamento desses órgãos para justificar mudanças legislativas”.

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