Leonardo Valle

Em 22 de dezembro de 1988, o ecologista e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC), Chico Mendes, era assassinado a mando de um fazendeiro local. Reconhecido internacionalmente por seu trabalho em defesa do meio ambiente e da floresta amazônica, Mendes foi responsável por organizar o trabalho dos seringueiros da região e pela criação da primeira reserva extrativista do Brasil. Esse modelo, que alia desenvolvimento econômico e conservação, foi um dos legados do ambientalista, segundo seu ex-companheiro e hoje advogado, Gomercindo Rodrigues.

“Nas reservas extrativistas, a população tradicional que ali vive utiliza os recursos da floresta e também faz o seu manejo de forma sustentável. O conceito, que iniciou-se com os seringais, ampliou-se e atingiu outras categorias: as comunidades ribeirinhas, os catadores de siri nos manguezais, os castanheiros, os açaizeiros, entre outros”, aponta. Além disso, o modelo de reservas extrativistas foi exportado para outras regiões e biomas do Brasil, incluindo cerrado e áreas marítimas.

“No caso da floresta amazônica, as reservas extrativistas serviram como um freio para o desmatamento. Basta vermos as áreas que ficam ao redor delas, já completamente devastadas. Aqueles que mataram Chico Mendes não imaginavam que essa ideia ia resistir”, destaca.

Ainda segundo Rodrigues, o legado de Chico Mendes foi mostrar que era possível o desenvolvimento econômico e a subsistência da população que vivia dos recursos naturais sem a necessidade de expulsar as comunidades tradicionais ou devastar o meio ambiente. “Na época da ditadura, o desmatamento era entendido como progresso e política oficial do estado. Para ocupar uma determinada região, você se comprometia por contrato a desmatar. O trabalho dele ajudou a mudar esse entendimento”, relembra.

Desafios para preservação

Trinta anos após a morte de Chico Mendes, os desafios relacionados à preservação das reservas extrativistas na região amazônica são inúmeros, como lembra o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Joaquim Belo.

“Essas regiões continuam sendo disputadas por suas riquezas, como madeira, minério ou pasto para gado. Assim, ter uma área destinada não significa segurança para as populações tradicionais. É um território que continua em disputa e sofre pressão de pessoas que defendem esse modelo predatório, muitas dentro do estado e que se utilizam de meios legais”, denuncia.

Outro problema é a necessidade de políticas públicas que apóiem os produtos das reservas extrativistas, garantindo a subsistência das comunidades e que elas não sejam obrigadas a procurar outras formas de sobrevivência que prejudiquem o meio ambiente. Em 2018, por exemplo, a queda no preço da borracha impactou sua comercialização e aqueles que viviam do produto.

“A população tradicional fica vulnerável a essas pressões e a necessidade de alternativas econômicas faz com que ela explore a floresta. O fazendeiro chega para o seringueiro e diz: ‘se você me ceder uma área sua para pasto, eu coloco o gado e nós rachamos o lucro’”, exemplifica Rodrigues.

Para apoiar essas comunidades, Belo lembra da necessidade de ações que considerem suas especificidades. “Por exemplo, algumas pessoas de regiões isoladas possuem o direito ao Bolsa Família, o que as ajudaria a se manterem. Mas o trajeto para ir até uma cidade próxima todos os meses retirar o dinheiro inviabiliza que consigam o benefício”, afirma. “O mesmo ocorreu com programas como o Luz para Todos, onde os equipamentos precisavam chegar por caminhões, não alcançando localidades mais afastadas “, exemplifica.

Por fim, o presidente do CNS aponta a necessidade de contextualizar as novas gerações sobre os perigos que rondam as reservas extrativistas e a floresta amazônica. “Muitos nasceram em um contexto de conquistas, mas precisam entender que ainda há a necessidade de mobilização”, recomenda.

Violência contra ambientalistas

Mesmo três décadas depois do ocorrido, o Brasil não conseguiu reverter o alto índice de assassinatos de ambientalistas em seu território. Em 2017, o país registrou 57 mortes e ficou em primeiro lugar no ranking da ONG britânica Global Witness, que mede a violência contra defensores do meio ambiente.

“A morte de Chico Mendes foi a primeira na qual o mandante de um assassinato de cunho ambiental foi preso. Antes disso e depois, a impunidade foi e é recorrente. Morrem muitas lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas sem que seja noticiado ou investigado. São pessoas que lutam pelo bem de todos e que pagam com a própria vida”, lamenta o advogado.

Para Belo, valorizar o meio ambiente nas políticas governamentais ajudaria a mudar esse panorama. “Um estado que não tem um projeto de proteção ao meio ambiente coloca seus defensores no centro de um furacão de disputas por riqueza”, alerta.

“Percebo na região de Xapurí (AC) uma tensão muito similar ao momento que precedeu a morte de Chico Mendes. A vida de quem luta pelo meio ambiente continua em risco”, complementa Rodrigues.

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Crédito da imagem: PCHT – iStock

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