Leonardo Valle

A pecuária é uma das grandes vilãs do meio ambiente. Em julho de 2018, um estudo do Instituto para Agricultura e Política Comercial (IATP, na sigla em inglês), com a organização ambientalista Grain, apontou que as cinco maiores empresas produtoras de carne e laticínios do mundo já emitiam mais gases do efeito estufa do que as maiores petrolíferas isoladas. Ainda segundo o documento, se o ritmo de crescimento não se alterar, a atividade responderá por 80% das emissões de CO2 no ano de 2050.

Uma das causas do problema é o desmatamento. “No Brasil, a expansão da atividade ocorreu e ocorre a partir da destruição dos ecossistemas. Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia, dentre outros, já foram ou estão sendo desmatados. Muitos produtores acham mais fácil expandir a criação para outros territórios do que recuperar os solos esgotados por pastagens antigas”, contextualiza a professora do curso de tecnologia em gestão ambiental, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), Daniela Martins Cunha.

Para completar, o uso de agroquímicos e o pisoteio do gado levam a erosão do solo. “E o processo digestivo dos animais libera gases que alteram o efeito estufa”, completa a geógrafa.

Desde a década de 50, contudo, especialistas buscam uma pecuária que seja de baixo impacto ambiental. Um deles é o engenheiro agrônomo e proprietário da Fazenda Ecológica (MT), Jurandir Melado. Quando ele e os irmãos compraram o terreno, em 1971, decidiram que não queimariam a vegetação para plantar capim.

Localizada em Nossa Senhora do Livramento (MT), Fazenda Ecológica aplica técnicas de sustentabilidade sem perder produtividade

 

“A fazenda era linda. Não fazia sentido tacar fogo. Aproveitamos a matriz natural e jogamos novas sementes. Demorou dois anos para o pasto crescer, tempo maior do que na pecuária tradicional”, relembra.

Professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Melado implantou uma forma de pastoreio desenvolvida pelo bioquímico francês André Voisin. Ao contrário da forma convencional, na qual o gado permanece em todo o terreno, as áreas são divididas em piquetes e a vegetação é consumida por partes.

“O gado come o capim de uma área, depois segue para a outra e assim por diante. Quando retornar para o início do ciclo, o solo já se recuperou e aquele pasto estará forte”, detalha. “Essa lei de repouso já era observada nos herbívoros das savanas africanas, que naturalmente fazem uma rotação de terreno”, justifica.

Proteção de nascentes

Sem desmatamento, pisoteio dos animais e com a vegetação natural preservada, o solo não sofre erosão e mantém uma boa absorção de água. “Os micro-organismos e insetos continuam no solo, e os dejetos dos animais servem de adubo. Tudo isso fertiliza e fortalece. E um solo permeável colabora com a proteção das nascentes”, destaca Melado.

Segundo o especialista, a vegetação que repousa cresce até o seu limite, captando mais gás carbônico na atmosfera. “Estudos mostram que o pastoreio Voisin aumenta o depósito de carbono no solo”, revela.

Por fim, ele defende que um capim nutritivo é absorvido pelo sistema digestivo do gado com maior facilidade. “A quantidade de gás metano emitido pelos animais também é reduzida”.

Devido a sua pesquisa e atuação, Melado foi um dos condecorados com o Prêmio Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente, em 2007. Ele também atuou no projeto “Semeando Água”, da Petrobras Ambiental, que buscou a recuperação de corpos hídricos em municípios do Sistema Cantareira de abastecimento de água.

Mudança estrutural

A atividade de baixo impacto ambiental, entretanto, está longe de ser uma realidade no Brasil. “O país pratica a pecuária extensiva, altamente produtiva e voltada para a exportação. A versão de menor impacto aplicada hoje tem como característica ser de menor escala e com perfil familiar”, diferencia a ambientalista do Greenpeace e responsável pela campanha Amazônia, Adriana Charoux.

“A carne produzida atualmente ainda ocorre às custas do desmatamento de grandes áreas que, por sua vez, anda de mãos dadas com a grilagem e com a violação de direitos sociais, como dos indígenas”, denuncia.

Para Charoux, reduzir a emissão dos gases do efeito estufa passaria, ainda, pela diminuição do consumo de carne e por mudanças na oferta do alimento.

“A redução individual da ingestão deste tipo de produto é importante, mas não podemos colocar todo esse peso nas costas do consumidor. É preciso produzir outras fontes de proteína e que elas sejam encontradas no mercado a preço acessível. Ou seja, são necessárias políticas públicas e corporativas para mudar a cadeia e apoiar o cidadão na sua transição alimentar”, defende.

Por fim, a mudança de hábito alimentar também passa pela educação infantil, especialmente nos contratos de merenda. “É preciso que os futuros adultos sejam menos desejosos de carne do que nós”, finaliza.

Veja mais:
Quatro benefícios de não comer carne um dia na semana

Crédito das imagens: Jurandir Melado/Acervo Pessoal

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