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A Amazônia está cada vez mais próxima do que cientistas chamam de “ponto de não retorno”. Em outras palavras, a floresta pode perder a capacidade de retirar da atmosfera grandes quantidades de gás carbônico e, ainda, passar a emitir o gás em grande quantidade.

“Se nós continuarmos o desmatamento, entre 20, 40 anos, nós passamos do ponto de não retorno e aí, mesmo que nós consigamos parar o desmatamento depois disso, a floresta vai se degradar. Ela vai desaparecer. E nós vamos, então, perder a região com a maior biodiversidade do planeta”, analisa o climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Carlos Nobre.

Alerta de pesquisadores

O alerta está também em artigo publicado em março deste ano na revista científica Nature Climate Change. O estudo aponta que a floresta está menos resiliente diante de emergências climáticas. “Isso tem a ver com o aumento da temperatura, com o aumento da severidade das secas e alguns estudos já mostraram que o sudeste da Amazônia – no norte de Mato Grosso e sul do Pará —, durante a estação chuvosa, a floresta já virou uma fonte de carbono. Ela não remove mais carbono da atmosfera, porque ali aumentou muito a mortalidade das árvores”, explica Nobre.

No áudio, o pesquisador aponta em detalhes o que ainda pode ser feito para evitar o pior cenário para a floresta. “É preciso zerar o desmatamento, zerar a degradação florestal, zerar o uso do fogo imediatamente no sul da Amazônia e em toda a Amazônia até 2030. Restaurar uma grande área no sul da Amazônia, para tentar conseguir que essa floresta volte a reciclar água, aumentar a chuva, diminuir a temperatura e — quem sabe — possa fazer parar de crescer o tamanho da estação seca, a duração da estação seca e, eventualmente, até diminuir”, resume.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Carlos Nobre:
Se nós continuarmos o desmatamento, entre 20, 40 anos, nós passamos do ponto de não retorno e aí, mesmo que nós consigamos parar o desmatamento depois disso, a floresta vai se degradar. Ela vai desaparecer. E nós vamos, então, perder a região com a maior biodiversidade do planeta; nós vamos lançar mais de trezentos bilhões de toneladas de gás carbônico; fazemos uma enorme mudança no clima da própria Amazônia, do Cerrado, quer dizer, nós estamos dando um tiro nos dois pés.
Então não há argumentos para defender que lá no século 18/19, Estados Unidos e Europa tinham área de pecuária, área de agricultura maior do que o Brasil tem hoje, porque nós estamos no século 21 e nós estamos no século em que a agricultura é muito mais eficiente do que a agricultura de 100, 200 anos atrás. Não tem nem comparação.
Carlos Nobre, climatologista. Eu sou pesquisador-colaborador do Instituto de Estudos Avançados da USP. Trabalhei muitos anos como pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, e me aposentei no INPE.

Vinheta “Instituto Claro – Cidadania”

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
A floresta amazônica está perdendo a capacidade de se recuperar. Os motivos são o desmatamento e a emergência climática. Isso têm feito com que a Amazônia apresente cada vez mais dificuldade para continuar a exercer o papel de remover gás carbônico da atmosfera.

Carlos Nobre:
Na década de 80, ela era dos lugares que mais removia carbono (2 bilhões de toneladas de CO²) e esse número foi diminuindo. Então, hoje, esse número já é menos de 1 bilhão, que dizer, a floresta está perdendo a capacidade. Lógico, uma das razões é porque está diminuindo a área de floresta também, né? Você está perdendo áreas que antes estavam removendo carbono, mas também a própria floresta em lugares que ela está preservada, ela está diminuindo a sua capacidade.
Isso tem a ver com o aumento da temperatura, com o aumento da severidade das secas e alguns estudos já mostraram que o sudeste da Amazônia – ali, norte de Mato Grosso, sul do Pará -, durante a estação chuvosa, a floresta já virou uma fonte de carbono, ela não remove mais carbono da atmosfera, porque ali aumentou muito a mortalidade das árvores. Então as árvores que morrem, elas vão se decompondo e lançando carbono na atmosfera.

Música: “Tá” (Carlos Renno / Pedro Luis Teixeira De Oliveira / Roberta Sá), com Mariana Aydar
Pra bom entendedor, meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-

Carlos Nobre:
Se passarmos desse ponto de não retorno, há clara indicação que entre 30 e 50 anos a gente perderia uma grande quantidade – pelos menos dois terços dessa quantidade de carbono (porque aí essa nova vegetação seria uma vegetação com muito menos árvores, com muito menos armazenamento de carbono) – e nós lançaríamos para a atmosfera cerca de não menos do que trezentos bilhões de toneladas de gás carbônico. Isso tornaria a meta do Acordo de Paris de não deixar a temperatura de não passar de um grau e meio – ela já está 1,1 graus – praticamente impossível.

Música: “Tá” (Carlos Renno / Pedro Luis Teixeira De Oliveira / Roberta Sá), com Mariana Aydar
Você deixou na mata uma ferida expos-
Você descore as cores dos corais na cos-
Você aquece a Terra e enriquece a cus-
Do roubo, do futuro e da beleza, augus-

Carlos Nobre:
Essa atuação “sinergística” entre o aquecimento global – aumentando a temperatura, aumentando a frequência dessas secas extremas, junto com o desmatamento, a degradação da floresta, localmente, que faz a diminuição das chuvas ali naquele local e também aumenta as temperaturas e a duração da estação seca – então, essa combinação é que é quase que fatal para a manutenção da floresta, se nós não conseguirmos realmente um grande desafio, o maior desafio que nós já tivemos, talvez, dos países amazônicos: zerar o desmatamento, zerar a degradação florestal, zerar o uso do fogo, imediatamente no sul da Amazônia e em toda a Amazônia até 2030; e restaurarmos uma grande área, sem floresta desmatada, degradada, no sul da Amazônia, pra tentar conseguir que essa floresta (restaurada, regenerada), que ela consiga voltar a reciclar água, aumentar a chuva, diminuir a temperatura e, quem sabe, possa fazer parar de crescer o tamanho da estação seca, a duração da estação seca e, eventualmente, até diminuir.
Esse é um enorme desafio. Não é nada trivial, porque nós estamos vendo, por muitos anos, o desmatamento aumentar em praticamente toda a Amazônia, principalmente no Brasil.

Marcelo Abud:
Para Carlos Nobre, um dos caminhos para se ter êxito e evitar que a floresta amazônica atinja o ponto de não retorno é o país voltar a valorizar os órgãos de proteção ambiental. Ele relata que não é preciso ir muito longe para se perceber os bons resultados que isso pode trazer.

Carlos Nobre:
E nesses anos que houve uma queda de desmatamento muito acentuado (tivemos o menor desmatamento em 2012), houve um enorme aumento da produção agrícola da Amazônia. Nós tivemos o dobro da produção agrícola entre 2004 e 2012 e com uma queda enorme do desmatamento.
Então, naqueles anos que as políticas de controle ambiental de fiscalização, elas tiveram uma efetividade maior – os municípios todos se articularam para diminuir os desmatamentos, eles receberam subsídios do Governo Federal (os munícipios que conseguiam reduzir o desmatamento); a ação do IBAMA, do ICMBio, da Polícia Federal foi muito efetiva naqueles anos, – porque, acima de 90% dos desmatamentos (de fato, nos últimos três anos, acima de 95% dos desmatamentos) são todos ilegais.
Então, uma ação efetiva, eficaz de fiscalização, como houve naqueles anos… então foi um momento mostrando que é possível sim, porque quase todo o desmatamento, degradação, roubo de madeira, fogo, tudo isso é ilegal.

Marcelo Abud:
Outra iniciativa que deve ser estimulada é a chamada pecuária carbono-neutra.

Carlos Nobre:
Sistema integrado – pecuária, lavoura, floresta, em que você planta árvores também, mantém uma rotatividade do gado entre uma pastagem; e depois o gado rotaciona para outra área de pastagem (aquela área ela é plantada com alguma lavoura que recupera os fertilizantes naturais – bioinsumos); e você tem uma pecuária superprodutiva, muito mais lucrativa e que ela absorve carbono no solo, uma pecuária carbono-neutra. Ela não emite mais. Ela compensa até as emissões de metano que o gado faz.
Então, essa pecuária existe, tem bons exemplos no Brasil, mas, infelizmente, ela é muito pequena em escala (ela é menos de 3% de todas as fazendas-pecuárias, no Brasil, têm esse sistema chamado sistema integrado – lavoura, pecuária, floresta).

Música: “O Sal da Terra” (Beto Guedes/Ronaldo Bastos), com Beto Guedes
Anda, quero te dizer nenhum segredo
Falo desse chão da nossa casa
Vem que tá na hora de arrumar

Carlos Nobre:
O maior potencial econômico da Amazônia é tirar florestas e substituir por pastagens para a pecuária e por culturas agrícolas como soja? Não! O maior potencial econômico da Amazônia está nos produtos da floresta. Hoje, açaí, cacau, castanha e vários outros produtos têm um valor econômico, tem uma rentabilidade, melhora a qualidade de vida das populações amazônicas nos sistemas agroflorestais. Muito melhor! Populações amazônicas, pequenos agricultores, que abandonaram a pecuária e mudaram-se pra sistemas agroflorestais, eles melhoraram muito a qualidade de vida.
Então, este é o grande potencial e o que nós precisamos, os países amazônicos, é descobrir maneiras de agregar ciência e tecnologia, inovações tecnológicas, pra adicionar valor a todos esses produtos da floresta. Nós precisamos de uma nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo. Este é o caminho do ponto de vista social-econômico que nós temos que trilhar pra toda a Amazônia.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
O desafio para evitar que a Amazônia atinja um ponto de não retorno é um dos maiores que enfrentamos nos dias de hoje. Mas ainda há alternativas para que se evite que a floresta perca a capacidade de se recuperar e exerça o papel de retenção de carbono.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o I

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