A perda de biodiversidade na Amazônia afeta diretamente a população que vive junto das áreas preservadas, mas também os benefícios ambientais e conhecimento que a região oferece ao país e ao mundo. “Estamos, na verdade, queimando uma biblioteca sem conhecer o acervo que está lá posto. Então, não perde apenas o Brasil, mas perde a humanidade, porque é um legado que a natureza nos deixou”, avalia o doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de pós-graduação em Ciências Ambientais pela mesma universidade Wagner Costa Ribeiro.
Em uma reflexão crítica sobre essa situação, ele é um dos organizadores do livro “Amazônia: alternativas à devastação” . Pesquisadores amazônicos e de outras partes do país discutem, na obra, formas de combater o desmatamento, mas também de demonstrar experiências em curso que permitam conciliar atividade econômica com a conservação da biodiversidade e das comunidades que vivem na região.
Experiências e alternativas
“São experiências já em uso que permitem a manutenção da floresta em pé, manutenção dos serviços ambientais e ecossistêmicos e, ao mesmo tempo, ter atividade econômica. Ninguém mais defende a intocabilidade da Amazônia. É claro que algumas áreas devem ser preservadas pela sua singularidade”, conclui o entrevistado, que, no áudio traz algumas das alternativas contempladas no livro, como o uso de transporte por rios e exemplo das produções de açaí, cupuaçu e látex
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Introdução da música “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Wagner Ribeiro:
Nós estamos, na verdade, queimando uma biblioteca sem conhecer o acervo que está lá posto. Então, nesse aspecto, não perde apenas o Brasil, mas perde a humanidade, porque é um legado que a natureza nos deixou em processos naturais de longa duração. Hoje, também, já se sabe que parte da floresta ela é resultado da presença humana também, né, hoje os arqueólogos mostram, claramente, que algumas espécies tiveram uma dispersão a partir da presença humana também.
Então esse conjunto de fatores que faz com que nós tenhamos uma biodiversidade extraordinária na Amazônia e, evidentemente, que, ao perder essa informação genética, o Brasil perde uma vantagem estratégica fundamental.
Eu sou o Wagner Ribeiro, geógrafo, professor do Departamento de Geografia da USP e dos programas de pós-graduação de geografia humana e ciência ambiental, também da USP.
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Perder a biodiversidade afeta diretamente a população que vive junto das áreas preservadas, mas também o ecossistema de todo o país e do mundo. O professor e geógrafo da USP, Wagner Costa Ribeiro, é um dos organizadores de livro digital que reúne pesquisadores da Amazônia e de outras partes do país para propor alternativas à devastação.
Wagner Ribeiro:
Nós estamos num momento da história da humanidade, onde nós – não há alternativa – temos que pensar em maneiras de reprodução da base material da existência de modo a não esgotar herança que os processos naturais nos deixaram. Então nós não podemos mais usar, à exaustão, recursos não renováveis. E eu não estou me referindo apenas aos combustíveis fosseis, que eles trazem junto com o aquecimento global, mas também a minerais e outros produtos. O que nós estamos perdendo, fundamentalmente, quando derruba a floresta, é uma informação genética, espécies que, muitas vezes, sequer são conhecidas, sequer são catalogadas. E parte dessa informação poderia estar sendo utilizada pra pesquisa em busca de, por exemplo, novos materiais, novas fontes de energia, novas fontes de alimento, mais fonte de proteína, eventualmente, enfim.
Marcelo Abud:
Ribeiro acredita que as pessoas, em geral, não se importam tanto com o desmatamento, porque acham que isso impacta as populações e o ambiente de locais muito distantes de onde vivem.
Wagner Ribeiro:
Ledo engano, porque, infelizmente, nós também sofremos as consequências da perda dessa floresta. Houve um episódio, a famosa chegada da poluição, em 2019, em São Paulo, por exemplo, foi claramente identificada como um material… fuligem, enfim, que veio da queimada da Amazônia.
Áudio de matéria do SPTV sobre nuvem cinza em São Paulo
(Repórter) O que os paulistanos não esperavam era que, de repente, o dia virasse noite. Às três da tarde, o céu da região do aeroporto de Congonhas ficou escuro e foi tomado por um ar avermelhado. Mal dava pra acreditar que ainda estávamos no meio do dia.
Wagner Ribeiro:
Então, do mesmo modo que as correntes de ar trouxeram, naquele momento, infelizmente, a sujeira, elas trazem também a chuva. Como é que funciona isso? A floresta você tem que pensar como se fosse uma bomba: as raízes elas estão lá introduzidas no solo e elas têm a capacidade de retirar parte da umidade que está no solo e depois essa umidade ela é evapotranspirada pela planta, né? Isso tudo se acumula, gera um volume de chuva extraordinário na Amazônia e, pra nossa felicidade, parte dessa chuva ela é transportada e aí ela chega até o Sul/Sudeste.
Então, parte, por exemplo, das chuvas que chegam a São Paulo, até o Estado do Paraná, e até parte da Argentina, elas têm origem na Amazônia. Isso tem relação direta com a produção de energia elétrica, com o abastecimento de grandes centros urbanos (como São Paulo, Campinas, Brasília), com a produção agrícola e industrial, enfim.
Marcelo Abud:
As consequências do desmatamento na Amazônia têm impactos, ainda, em escala internacional.
Wagner Ribeiro:
Depois que a árvore é cortada – pra que você possa se apropriar da terra, às vezes, nem se usa – ela é queimada. E, ao queimar, esse estoque de C0², que estava ali presente na água, ele é jogado na atmosfera e a gente tem, então, o Brasil, infelizmente, como hoje, um grande emissor de gases do efeito estufa, acelerando e agravando ainda mais o aquecimento global. Então essa é a terceira escala, a escala internacional também é afetada.
Música: “Passarinhos” (Emicida)
Era neblina, hoje é poluição
Asfalto quente queima os pés no chão
Carros em profusão, confusão
Água em escassez bem na nossa vez
Assim não resta nem as barata
Marcelo Abud:
Wagner Ribeiro traz algumas pesquisas do livro que demonstram que é possível combater a devastação. São experiências que estão em curso e conciliam atividade econômica com a conservação da biodiversidade e das comunidades que vivem na Amazônia.
Wagner Ribeiro:
Se cita muito o exemplo do açaí, né, hoje o açaí é encontrado em alguns mercados internacionais, inclusive. É claro que, infelizmente, o açaí hoje ele acabou ganhando uma escala de tal ordem, onde já se verifica, por exemplo, desmatamento no plantio e cultivo do açaizeiro, que é errado. Na verdade, é preciso tomar o açaí como um bom exemplo, mas, também, evitar os erros que já foram cometidos com esse produto.
Você tem o cupuaçu, o próprio látex … Eu estou citando três situações aí, mas existem outras tantas, já que a biodiversidade amazônica é fantástica, e uma série de produtos que são coletados sem causar impacto e mantendo os serviços ambientais e ecossistemas pelas populações que lá vivem. Eles devem ganhar uma escala de mercado maior e, pra isso, você teria que ter, então, uma infraestrutura de circulação desse material que, de certo modo, existe, né? Você tem os rios e por meio dos rios e os barcos, que acabam fazendo esse papel. Porém, a infraestrutura pra que isso tudo ocorra ela é bastante frágil. Então seria necessário incrementar ações dessa ordem, aproveitar já os rios como grandes meios de transportes, em vez de, por exemplo, apostar em transporte rodoviário e mesmo ferroviário, que a gente já viu o impacto na Amazônia.
Marcelo Abud:
Outra alternativa viável é a combinação dos conhecimentos originários, aqueles que vêm das comunidades locais, com os científicos e tecnológicos.
Wagner Ribeiro:
A professora Bertha Becker, já falecida (nossa grande inspiradora), geógrafa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela propôs que a Amazônia deveria ser entendida como o vetor científico e tecnológico do Brasil. O que ela queria dizer com isso? É preciso nós aprendermos com os povos originários e suas comunidades e essas comunidades aprenderem também com o conhecimento científico.
Pra ela, essa síntese do conhecimento científico com as informações e o conhecimento prático desses grupos, daria, sem dúvida, uma combinação inovadora, que permitiria, aí sim, chegar a novos produtos, numa escala que ganhasse, inclusive, outros mercados e não apenas o mercado brasileiro. E ela, não por acaso, criou a expressão como essa fronteira científico-tecnológica, que hoje é entendida, claramente, por exemplo, pelo professor Carlos Nobre – professor convidado dos Estudos Avançados, da USP –, mas que por muito tempo trabalhou no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); coordena um projeto interessante, Amazônia 4.0 , por meio do qual ele busca justamente trazer esses elementos de articulação entre esse conhecimento tradicional e o conhecimento científico-tecnológico.
Música: “Canção para Amazônia” (Carlos Aparecido Renno / Nando Reis) – vários artistas
Salve a Amazônia
Salve-se a selva ou não se salva o mundo
Wagner Ribeiro:
São experiências já em uso que permitem a manutenção da floresta em pé, a manutenção dos serviços ambientais ecossistêmicos, e, ao mesmo tempo, ter atividade econômica. Ninguém mais defende a ‘intocabilidade’ da Amazônia. É claro que algumas áreas elas devem ser preservadas pela sua singularidade, em termos ambientais, ecológicos, ecossistêmicos… Mas, evidentemente, que grande parte da floresta pode ser utilizada, sim, de maneira cautelosa, com métodos extrativistas que não levam à destruição da floresta e, principalmente, do seu subsolo. Porque é dali, na verdade, que você tem a base da sustentação das árvores e, ao mesmo tempo, como eu dizia, o acúmulo de água, que faz com que a gente tenha chuva aqui no Sul/Sudeste.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Essas e outras alternativas à devastação na Amazônia estão reunidas no livro digital organizado pelo professor de geografia Wagner Costa Ribeiro e por Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente, da USP. O link para a obra, que tem acesso gratuito, está no texto que acompanha esse áudio.
Este episódio contou com áudio do SPTV, da Rede Globo.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.