Leitura labial é o nome popular da chamada leitura orofacial, a técnica de comunicação para pessoas surdas em um mundo de ouvintes que não falam ou não desejam aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
“É o reconhecimento das formas que a boca assume durante a pronúncia de uma palavra. É uma habilidade complexa, trabalhada pelo fonoaudiólogo com a pessoa surda”, resume a professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e especialista em educação para surdos Andreia Chagas Rocha Toffolo. “Da farmácia a comprar uma passagem na rodoviária, o surdo a usa como recurso de sobrevivência, esforçando-se para captar a mensagem”, exemplifica.
Técnica não é 100% eficaz
Pessoas ouvintes, porém, costumam desconhecer informações importantes sobre o assunto. Entre elas, que nem todo surdo faz leitura labial e que a habilidade varia para cada pessoa.
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“Um surdo profundo e que nunca ouviu terá mais dificuldade do que aquele que teve contato com som e perdeu a audição posteriormente. Ou do que aquele oralizado e que emite os sons de algumas palavras”, diferencia Toffolo.
A leitura labial tampouco é 100% eficaz. Fonemas como “P” e “B”, por exemplo, produzem o mesmo movimento na boca e são indistinguíveis. “Não é uma habilidade apenas visual, porque a técnica também exige adivinhação. O surdo coleta pistas por meio do contexto”, esclarece a especialista.
Docente e coordenadora do projeto Mãos Literárias (@maosliterarias) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Michelle Andréa Murta comenta como a leitura pode ser frustrante no dia a dia: “Eu vivo à base de achismo, do que penso que o interlocutor falou. Isso gera uma sensação de impotência, de me sentir inútil e incapaz de me comunicar.”
Prática é cansativa para surdo
Nem todo o ouvinte possui fala aberta e bem articulada, o que dificulta a leitura labial para o surdo. Ou seja, usá-la torna-se uma prática exaustiva.
“Fico cansada de focar nos lábios para conseguir entender. Não posso piscar o olho ou deixo de acompanhar o assunto”, compartilha a jogadora de futebol Stefany Krebs (@stefanykrebs11).

A pandemia ainda dificultou essa forma de comunicação. “Temos que usar máscaras que não são transparentes. Isso impede entender as palavras por meio da boca e expressão facial”, lembra o influencer Andrei Borges, do Visurdo (@andreiborges11).
Por tudo isso, a leitura labial está longe de ser o canal ideal, como destaca a influencer Malu Paris (@maluparis): “Não é a principal forma de comunicação, mas um apoio para quem desconhece libras. Porém, é preocupante que haja tanta necessidade da leitura labial devido à falta de acessibilidade.”
9 dicas que facilitam a comunicação
Para a pessoa ouvinte que não sabe Libras, algumas dicas ajudam a minimizar os impactos negativos da leitura labial para a pessoa surda:
– “Articule bem os lábios, abrindo um pouco a boca e falando sem voz”, ensina Krebs;
– Não fale extremamente devagar. “O surdo reconhece a palavra no todo, o que pode ser perdido se o interlocutor falar de forma fracionada. O ideal é falar naturalmente, sem correr ou pausar demais”, diferencia Toffolo;
– Homens devem evitar usar barba e bigode, que escondem os lábios e dificultam a leitura;
– “Olhe nos olhos da pessoa surda. Não fale de lado, vire a cabeça ou dê as costas durante a conversa”, destaca Krebs;
– Quando estiver em grupo, um ouvinte de cada vez deve falar;
– Não grite ao falar;
– Respire e faça pausas ao longo da conversa;
– Certifique-se que a conversa aconteça em um lugar bem iluminado;
– “Seja paciente e pergunte se o surdo compreendeu o que foi dito”, finaliza a jogadora.
Depoimentos
“Aprendi porque minha perda auditiva foi aos poucos. Conforme deixava de ouvir, apoiava-me nessa técnica. Foi uma habilidade que desenvolvi para me adaptar. A pressão sobre a leitura labial é um ponto que eu gosto de tocar. Pessoas que não possuem deficiência geralmente pensam que o surdo deve se adaptar à sociedade ouvinte, não o contrário. É legal que eu tenha a capacidade de ler lábios, mas isso não retira a necessidade de libras para incluir.” (Malu Paris).
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“Eu nasci surda profundamente e tenho uma irmã ouvinte e um irmão surdo. A minha mãe me levava à fonoaudióloga, mas eu não gostava. Comecei a fazer amizades com ouvintes por conta do futebol e fui aprendendo a leitura labial. A técnica permite contato no trabalho e na universidade. Tem dias que me sinto independente, mas não entendo 100% do que é dito. Na universidade, preciso de intérprete de Libras para acompanhar as aulas.” (Stefany Krebs).
“Eu frequentei fonoaudióloga por um ano e desisti por não conseguir reconhecer ou controlar o volume da minha voz devido à surdez profunda. Tenho pais ouvintes e fluentes em Libras, conversamos sem necessidade da leitura labial. Eu não consigo acompanhar a leitura labial de todo mundo porque não pratiquei, mas identifico palavras básicas.” (Andrei Borges).
“Aproximadamente 80% da minha família materna são pessoas surdas ou com perdas leves de audição. A comunicação é por leitura labial e gestos: somente adquiri Libras aos 23 anos. Tenho traumas do período escolar, quando a professora dava ‘ditado’, e eu não entendia se ela havia dito ‘mala’, ‘bala’ ou ‘fala’. Ainda hoje, as pessoas esperam que o surdo faça a leitura labial. Fui a uma psicóloga que recusou tirar a máscara e a comunicação precisou ser por escrito, o que dificultou.” (Michelle Andréa Murta).
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