A assistente de tradução Nayara Rodrigues, 30 anos, costuma dizer que a sua casa é um teatro. Ela e o marido, Edinho Poesia, são surdos e criam o filho ouvinte – como é chamado, na cultura surda, àquele que ouve – Noah, de três anos. Rodrigues ainda é mãe de Miguel, de nove anos, que também ouve e hoje vive com a avó.
“Brincamos de mímica, com expressões faciais e nos divertimos bastante. Somos uma família feliz”, resume. “Buscamos ensinar ao Noah o valor do respeito, amor, educação e queremos que ele entenda a importância de viver em um lar bilíngue”, destaca.
Alfabetizado tanto em português quanto na língua brasileira de sinais (Libras), Noah transita entre os dois idiomas com tranquilidade. “É uma troca: ele aprende a sinalização e nós as palavras que fala em português”, garante.
Realidade parecida com a da família da professora de Libras Flaviana Borges da Silveira Saruta, de 42 anos. Surda e casada com um surdo, ela é mãe de dois ouvintes: Beatriz, de oito anos, e Phelipe, de sete.
“Eles aprenderam comigo e com meu marido, a partir da observação. Em casa, a comunicação tem pouca oralidade e eles se adaptaram naturalmente”, revela.
Com os avós, as crianças interagem em português. “Estão em dois mundos: no meu e no ouvinte, com música e televisão”, analisa ela.
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Intérprete no parto
Quando o assunto é gestação, as duas mães surdas relataram dificuldades em se comunicar com os profissionais de saúde. “A minha primeira gravidez foi difícil porque eu não tinha autonomia. Minha família é quem interagia com o médico e eu apenas olhava”, lembra Rodrigues.
Na segunda, já vivendo com seu esposo em outra cidade e sem o apoio dos pais, ela conheceu um aplicativo que oferecia um intérprete para mediar a conversa entre paciente surdo e profissional de saúde.
“A partir daí, tive um tradutor no pré-natal, que me explicava as palavras que desconhecia. Isso me deu autonomia”, garante.
Saruta precisou de intérprete até no parto. “A tradutora participou dentro do centro cirúrgico”, conta.
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Além disso, para pais surdos com filhos ouvintes, a escola é outro ambiente pouco inclusivo.
“Quando tem reunião de pais, a professora costuma mandar bilhete pedindo para um responsável ouvinte comparecer”, lamenta Rodrigues.
“Se a intérprete não estiver no dia reunião, eu certamente ficarei perdida”, desabafa Saruta.
Fraldas e remédios
O operador de telemarketing Cláudio Ângelo e a dona de casa Maria das Graças Barreto dizem que as pessoas se surpreendem quando descobrem que um casal de cegos organiza uma casa e cria dois filhos videntes sozinho.
“Fiquei com medo na primeira vez que fui pai. Pensei: como vou criar um bebê sem enxergar? Pouco tempo depois, já trocava fraldas com naturalidade”, comemora.
Segundo a dona de casa, os desafios do dia a dia são resolvidos com adaptações criativas. “Cada pai cego vai descobrindo suas próprias alternativas conforme as situações do cotidiano aparecem”, explica.
Ela lembra que inventou uma técnica especial para dar a sopa aos filhos quando eram bebês. “Como a criança se mexe, eu a colocava no colo e encontrava o cantinho da boca com o dedo mindinho. Isso ajudava a ofertar a colher”, conta.
Para oferecer medicamentos líquidos às crianças, Ângelo pinga as gotas em um copo descartável colocado próximo ao ouvido. “Conto-as pelo barulho”, diz.
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Já quando a prescrição é em mililitros, a saída é pedir ajuda da sogra ou de um vizinho para deixar a quantidade certa na seringa. “As caixas dos medicamentos possuem braile, mas não as cartelas, dosadores e seringas. Isso ajudaria”, lembra Barreto.
Conforme foram crescendo, os filhos do casal – hoje com dez e 13 anos – se tornaram parceiros. “Desde pequenos, eles ajudavam a recolher os brinquedos do chão, evitando acidentes. Assim como não esquecer copos na beirada da mesa”, diz ela.
As crianças também fazem o papel de educadores para seus núcleos de convivência. “Ajudam a difundir informações sobre a pessoa cega para quem desconhece”, comemora Ângelo.
Crédito da imagem principal: arquivo pessoal