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Marcelo Abud

Formada em artes visuais e intérprete de Libras, Anne Magalhães encontrou uma maneira inusitada de chamar a atenção para a inclusão de surdos e o respeito a este público, por meio das redes sociais. “Eu uso a música como um ponto de mediação, um ponto de encontro entre as pessoas e alguma consideração importante, bonita ou relevante de algum jeito”, afirma em entrevista para o podcast do Instituto Claro.

No perfil aannemagalhaes, no Instagram, ela dança e, ao mesmo tempo, traduz as letras para Libras. O contato com essa língua veio ainda na adolescência, quando trabalhou em uma escola para surdos. Mas a ideia de criar os vídeos surgiu a partir da convivência com o educador de arte Bruno Ramos, de quem foi tradutora de Libras durante 5 anos.

“Ele tem uma longa pesquisa sobre poesia visual, rima visual, música pra surdos. Então a gente começou a pesquisar sobre vibração e reverberação do som para esse ‘lugar físico e sensorial’ e várias pesquisas foram saindo daí”.

Com as postagens, iniciadas sem grandes pretensões, Anne percebeu que os vídeos têm o poder de aproximar. “Eu uso a música como ferramenta pra essa aproximação e a minha intenção é mediar, é criar essa ponte entre pessoas surdas, ouvintes e os temas, e cruzar tudo isso. Acho que tem dado certo… tem dado mais certo do que eu imaginei”, revela.

Entre os artistas que recebem a versão de suas músicas em dança e Libras estão Elza Soares, Rincon Sapiência, Emicida e Karol Conka.

Anne Magalhães em interpretação frame a frame (reprodução Instagram aannemagalhaes)

 

Créditos:
As músicas utilizadas nesta edição do podcast, por ordem de entrada, são: “Meu Bloco”, Rincon Sapiência; “Tua”, Linkiker; “Bluesman”, Baco Exu do Blues; “AmarElo” (Felipe Vassão/DJ Duh/Emicida/Belchior), com Emicida, Pabllo Vittar e Majur; e “Jesus Chorou”, Racionais MC’s. A música de fundo é de Reynaldo Bessa.

Crédito da imagem principal: arquivo pessoal

Transcrição do áudio:

Vinheta: “Instituto Claro”

Marcelo Abud:
Já imaginou músicas interpretadas em Libras (língua brasileira de sinais)? Nesta edição, você entra em conexão com Anne Magalhães.

Anne Magalhães:
Pra mim, a música vai pra além do som. A vibração, a emoção que ela passa, a possibilidade de criar subjetividade, expressão, sincronia com o corpo.

Música: “Meu Bloco”, Rincon Sapiência
“Dizem que a música é um remédio, eu vou querer dopar / Tá tudo no controle, pra ninguém me controlar”

Anne Magalhães:
Esse diálogo da música diretamente com o corpo me faz acreditar que existe um sentido pra essa junção.

Música: “Tua”, Liniker
“Pensei numa canção, meu bem / Que falasse de amor, então vem cá”

Anne Magalhães:
Então, acho que é nesse lugar que ela pode ser benéfica não só pras pessoas surdas, mas pra todo mundo. De abrir um diálogo de atenção.

Música: “Bluesmann”, Baco Exu do Blues
“O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues / O funk é blues, o soul é blues, eu sou Exu do Blues / Tudo que quando era preto era do demônio / E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues / É isso, entenda / Jesus é blues / Falei mermo”

Anne Magalhães:
Eu tô usando a música como um ponto de mediação, um ponto de encontro entre as pessoas e alguma informação, alguma fala que eu considere importante ou bonita ou relevante de algum jeito.

Marcelo Abud:
No Instagram, Anne dança e interpreta as músicas das letras em Libras. O interesse por essa língua veio ainda na adolescência.

Anne Magalhães:
Eu tava no ensino médio, tava estudando numa escola estadual, e no livro de português das escolas estaduais tem uma tabela, um desenho com as letras do alfabeto em Libras. E na escola, eu e o meu grupo de amigos, a gente achou aquilo muito legal, muito curioso e a gente começou a decorar aquele alfabeto e soletrar entre a gente, conversar entre a gente, quando a gente queria falar alguma coisa que a gente não queria que as pessoas ouvissem e tal, a gente soletrava em Libras.

Marcelo Abud:
Anne Magalhães também já se interessava pela música. Com 16 anos de idade, passa a trabalhar como auxiliar de classe e depois como professora em uma escola para surdos, com objetivo de juntar dinheiro e comprar uma guitarra. A busca por outras maneiras de expressão a leva a estudar artes visuais. Com pouco mais de 20 anos de idade, passa a trabalhar em museus.

Anne Magalhães:
Eu era educadora e intérprete de Libras de um outro educador surdo, em que a gente sempre fazia trabalhos, eventos, atividades e pesquisas juntos. Esta pessoa, o Bruno Ramos, ele é um poeta surdo, educador de Libras, educador de arte, e a gente sempre trocou muito sobre isso. Desde o início, as nossas maiores conversas eram sobre expressão visual, maneiras de comunicar visualmente. Ele tem uma longa pesquisa sobre poesia visual, rima visual, música pra surdos. Então, a gente começou a pesquisar sobre vibração e reverberação do som, pra além do som, pra esse lugar físico e sensorial do som e várias pesquisas foram saindo daí.

Marcelo Abud:
Quando Anne ia com a turma do trabalho para algum ambiente em que havia música, Bruno manifestava interesse em saber o que as letras diziam.

Anne Magalhães:
E aí a gente começou a brincar de traduzir, a gente ia interpretando as músicas nas festas, nos encontros pra ele, e ele começou a achar aquilo muito interessante e virou uma rotina, pelo menos uma música por semana a gente tinha pra trocar, pra pensar. “Mas como que a gente podia criar uma rima nessa música?”. “Mas como que a poética visual pode entrar nessa frase, nessa cena?”. E era uma pesquisa espontânea, que acompanhava a nossa pesquisa mais metodológica, mais técnica mesmo, pros nossos trabalhos poéticos e que tinham a ver com arte visual e os trabalhos nos museus.

Marcelo Abud:
Anne revela como chega às músicas que dança e interpreta em Língua de Sinais.

Anne Magalhães:
A escolha é muito pessoal, mas ao mesmo tempo tá relacionada a essas questões de vibração. Então, eu penso em músicas que têm batidas fortes, às vezes que têm nuances de batidas, que eu consigo sincronizar com o sinal. A rima visual pra mim é muito importante quando eu tô pensando numa música. Então, às vezes, eu escuto a música e penso “esse pedaço aqui, esse trecho tem uma rima em Libras, tem um movimento bonito. Como será que eu posso atravessar essa música inteira pensando nesse primeiro movimento?”. Muitas vezes eu penso em músicas que têm características visuais…

Música: “AmarElo” (Felipe Vassão / DJ Duh / Emicida / Belchior ), com Emicida, Pabllo Vittar e Majur
“Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência /É roubar um pouco de bom que vivi”

Anne Magalhães:
A maneira como eu escolho as músicas é pra que a música seja uma ferramenta pra uma conversa, uma ferramenta pra um assunto, pra um tema que tá em voga na sociedade. Isso é positivo porque a música atravessa ela mesma. Então, já aconteceu de pessoas surdas, por exemplo, chegarem pra conversar comigo e falarem “ah, eu não gosto de música, mas essa fez muito sentido, porque o que ele tá dizendo ali é verdade, aconteceu comigo”. Então, acho que só pelas músicas terem um recorte social mais forte e terem elementos que as pessoas com deficiência podem se reconhecer, de algum jeito, por conta de uma luta de minorias, ou de um contexto social específico, a música acaba virando essa ferramenta, essa base de mediação pra uma conversa. Então, eu acho isso importante também.

Música: “Jesus Chorou”, Racionais MC’s
“Deixa eu caminhar contra o vento / Do que adianta eu ser durão e o coração ser vulnerável? / O vento não, ele é suave, mas é frio e implacável”

Anne Magalhães:
Eu uso a música como ferramenta pra essa aproximação e a minha intenção é mediar mesmo, é criar essa ponte entre pessoas surdas, ouvintes e os temas, e cruzar tudo isso ao mesmo tempo. E acho que tem dado certo. Tem dado mais certo do que eu imaginei, assim.

Marcelo Abud:
Com os vídeos que têm publicado, Anne recebe mensagens de pessoas que revelam ter sido estimuladas a aprender Libras.

Anne Magalhães:
Sim, tem bastante gente que me fala que se sentiu interessado pela Libras, que me fala “eu já era interessado, mas depois deste vídeo, este vídeo me inspirou”. Acontece muito de dizerem “ah, eu tenho um irmão surdo, e a gente tá em mundos diferentes. Eu gosto muito de RAP, eu não tenho como trocar isso com ele, e agora esse vídeo é um assunto pra gente trocar, é um jeito que eu tenho pra falar com ele sobre essas questões sociais de um jeito mais leve, de um jeito mais próximo, mais íntimo. Tem muitos ouvintes que veem e dizem ter se aproximado de alguém por conta do vídeo e que aí gerou o interesse em aprender Libras. E eu acho isso bem legal também.

Marcelo Abud:
Apaixonada por teatro e dança, Anne tem sido chamada para atuar como intérprete em grandes festivais de música, devido à repercussão dos vídeos que publica nas redes sociais.

Anne Magalhães:
Bom, eu acho que a música, ela é um pano de fundo pra essa mediação. Ela cria, sim, uma base forte, resistente, eu acredito. Porque as músicas que eu escolho falam de temas que tão circulando muito pela sociedade, que são só uma outra maneira de falar sobre aquilo que a gente já está falando, mas de um jeito mais poético, mais lúdico, mais dinâmico, mais interessante.

Marcelo Abud:
Anne Magalhães se sente realizada ao permitir que pessoas surdas entendam e vibrem ainda mais com as músicas e também por gerar maior interesse para a língua brasileira de sinais.

Anne Magalhães:
Muitas pessoas surdas vêm falar comigo, dizendo que gostam muito, que entendem bastante, se interessam por poesia visual e começam a procurar outras informações. Também pessoas ouvintes que são intérpretes, que estão escutando músicas e querem desenvolver a Língua de Sinais a partir de música ou, às vezes, pessoas que começam a se interessar por conta disso, por conta das músicas também.

Música de Reynaldo Bessa em BG (som de fundo)

Marcelo Abud:
No texto que acompanha este áudio, você encontra o link para o Instagram de Anne Magalhães. Por lá, você confere, além das composições que ouviu neste podcast, a interpretação em Libras para músicas como “A Carne”, composta por Seu Jorge, na voz de Elza Soares e “Gueto”, de Emicida, com participação de MC Guimê.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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