Leonardo Valle

Slam é um campeonato de poesia com origem nos Estados Unidos, nos anos 80, que se espalhou pelo mundo nas décadas seguintes. No Brasil, essa “batalha de poemas” é utilizada pelo grupo Corposinalizante para unir pessoas ouvintes e surdas. Para isso, o coletivo criou o Slam do Corpo, que, desde 2014, realiza apresentações gratuitas e abertas na cidade de São Paulo (SP).

“Partimos de duplas de poetas, um surdo e um ouvinte, que criam e apresentam textos nas duas línguas simultaneamente, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a língua portuguesa. Nas performances, às vezes as duas se diferenciam, em outras, entrecruzam-se”, explica a artista e integrante do Corposinalizante, Cibele Lucena.

Segundo as regras do Slam do Corpo, os poemas devem ter até três minutos de duração e ser de autoria própria. Suas apresentações não podem contar com figurinos ou objetos de cena. “Os jurados, que serão incumbidos de dar notas aos poemas e classificar as duplas para as próximas etapas do jogo, são pessoas do público escolhidas na hora”, complementa.

Inclusão pela arte

De acordo com a artista e também integrante do Corposinalizante, Joana Zatz, o Slam do Corpo estimula o trabalho artístico coletivo entre pessoas surdas e ouvintes. “Em algumas situações, o poeta ouvinte apresenta um texto sobre o qual os dois vão se debruçar até encontrar os sinais que captem sua força. Neste processo, o texto precisa ser compreendido em toda a sua complexidade: suas metáforas, ironias, rimas e conceitos. A versão em sinais envolve pensar e criar uma série de coisas, por exemplo, como rimar com o corpo”, destaca.

Em outros casos, é o poeta surdo que apresenta um poema criado em língua de sinais. “Assim, a dupla precisará mergulhar junta nas imagens corporais e em suas qualidades – como o uso do tempo, espaço e ritmo – para encontrar a versão falada e escrita”, diferencia.

Por fim, também é comum um poeta surdo que tenha intimidade com a escrita alfabética criar um poema nas duas línguas ao mesmo tempo. “Neste caso, a dupla trabalha sobre as duas versões, buscando as soluções mais potentes de uma e de outra para achar sua performance poética”.

Participantes surdo e ouvinte apresentam poesia criada em conjunto.

Novas descobertas

Para as produtoras do Slam do Corpo, todos os participantes – surdos e ouvintes – beneficiam-se ao explorar os universos da Libras e do português.

“Notamos que, para os poetas surdos, pensar o que podem ser métricas, rimas, metáforas, neologismos e expressões poéticas em Libras tem sido um desafio e um caminho potente para dar passagem à performatividade de sua língua”, opina Lucena. “Para os ouvintes, descobrir a gramaticação do espaço, do corpo e das expressões faciais, o uso do tempo, dos sons corporais e vocais, como elementos estruturais de uma língua, tem sido inspirador para as experiências tridimensionais com a palavra”, acrescenta.

A poeta Catharine Moreira é surda e costuma participar dos slams. “A sociedade, em sua maioria, pensa que surdos não tem potência para fazer e apresentar poesia. E precisamos de muita coragem para nos colocarmos na posição de escrever uma poesia, sejamos surdos ou ouvintes”, revela.

“Ao final, criar poesia em sinais é uma forma de existir pela língua e, por meio dela, expandir as possibilidades de uma vida”, conclui Zatz.

Crédito das imagens: Corposinalizante/Divulgação

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