As características dos rios refletem o ambiente que eles atravessam. “Ainda que a água seja um solvente natural, suas características se modificam conforme alterações no uso do solo e ao receber resíduos domésticos, agrícolas e industriais – processo conhecido como poluição”, sintetiza o professor do departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Antonio Fernando Monteiro Camargo. Mas será possível reverter esse processo e despoluir os rios?

Causas da poluição

O esgoto doméstico é poluidor, uma vez que restos de comida, urina e fezes contêm matéria orgânica que, digerida por bactérias, reduz a oxigenação das águas dos rios. “Isso mata peixes e outros organismos que necessitam de oxigênio para respirar. Além disso, os resíduos podem vir contaminados com doenças e inviabilizam o uso das águas”, explica Camargo. Há, ainda, a poluição por carga difusa, lançada por pontos diversos que dificultam um mapeamento.

“A impermeabilização das cidades com concreto e o tempo seco levam os materiais para bueiros e depois aos cursos de água”, explica o docente do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) José Carlos Mierzwa. Moradias informais e sem rede de tratamento também compõem carga difusa, pois lançam esgoto em córregos individualmente. “O mesmo acontece por agrotóxicos e fertilizantes aplicados pelo ar”, aponta Camargo.

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Quem cobrar?

O destino correto do esgoto doméstico é uma estação de tratamento que elimine a maioria dessa matéria orgânica antes de descartá-la nos rios. A captação e tratamento é responsabilidade da prefeitura ou do estado. “Há municípios com empresas próprias e outros que tercerizam o serviço para a iniciativa privada. Mas a responsabilidade continua deles”, esclarece Mierzwa.

O tratamento do esgoto industrial é responsabilidade da própria indústria, com impacto previsto já na etapa de licenciamento. Nas áreas rurais, o proprietário da terra capta sua água por rios e poços, devendo destinar o esgoto a uma fossa séptica. “Essa o trata antes que seja absorvido pelo solo”, assinala Camargo. Ele lembra que a primeira coisa para despoluir um rio é não continuar a poluí-lo: “Barrando a entrada de poluentes, eles mesmos se limpam”

A segunda alternativa, mais cara, é criar redes de distribuição e coleta para tratamento. “Isso consome 80% dos investimentos. É necessária infraestrutura de tubulação enterrada, bomba para fazer a água chegar às residências, sair como esgoto e ser direcionada para tratamento antes de despejada nos rios”, ilustra Mierzwa.

Em zonas rurais, há alternativas de despoluição que simulam a natureza, como preservar a mata do entorno dos rios. “As plantas absorvem a matéria orgânica e, por meio de sua transpiração, devolvem-na à natureza como água limpa”, conta o coordenador do projeto Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi.

Retrocesso na lei

Segundo Mierzwa, a falta de recursos e municípios sem equipe técnica são problemas. “Além da expansão demográfica das cidades com novos bairros e prédios não ser acompanhada por obras de infraestrutura em ritmo similar. Assim, qualquer residência pode jogar esgoto em córregos sem saber”, avalia.

Para Veronesi, a despoluição de rios ficou prejudicada pelo Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado, em 2020, sob críticas. “Ele estimula as empresas privadas a investirem no setor de saneamento. Elas objetivam gerar lucros aos seus acionistas, mas apenas a oferta de água é lucrativa, não o tratamento de esgoto”, explica.

“Assim, o modelo aprovado faz com que cidades pequenas e periféricas, por não serem atrativas financeiramente, sejam desprivilegiadas. Quando o acesso a esses serviços é direito de todos, não somente de quem dará retorno financeiro. Injustiça que é uma forma de racismo ambiental”, conclui.

Exemplos nacionais

A população pode contribuir não jogando lixo nas ruas, denunciando irregularidades e cobrando redes de captação e de tratamento de esgotos. “Geralmente, por meio das secretarias do meio ambiente ou Ministério Público”, orienta Veronesi. Outro canal são os comitês regionais de bacias hidrográficas, ainda que sua atuação seja limitada.

“Eles não influenciam como os prefeitos governam, que são responsáveis por gerenciar recursos e a ocupação do solo. Vemos prefeitos com planos de governo desalinhados aos anteriores e decisões de um município afetando outros”, contextualiza Mierzwa.

A despoluição de rios e córregos, porém, é vista pelos três pesquisadores como possível. “Casos internacionais célebres, como o Rio Tâmisa na Inglaterra, não são exemplos únicos. O Brasil já tem despoluições bem-sucedidas de córregos em cidades como Botucatu e São Carlos, no interior paulista”, compartilha Veronesi.

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