Leonardo Valle 

As cotas são um tipo de política afirmativa que reserva vagas em universidades públicas para grupos que costumam ser excluídos do acesso ao ensino superior. Desde o início dos anos 2000, instituições universitárias brasileiras federais e estaduais implantaram cotas raciais, visando incluir a população negra. As medidas culminaram na Lei nº 12.711/2012, que estipula critérios sociais e raciais para vagas em universidades e institutos federais.

Desde 2018, pelo menos 13 instituições passaram a reservar vagas na graduação ou pós-graduação para estudantes transgêneros. Na Universidade Federal do ABC (UFABC), as cotas foram discutidas no conselho durante um ano antes de serem aprovadas, em novembro de 2018. A sugestão veio por parte de movimentos sociais, especificamente do Coletivo LGBT Prisma – Dandara dos Santos.

“O motivo é uma série de dados que comprovam a exclusão social da população trans, como a expectativa de vida em torno de 35 anos, enquanto a média para a cisgênero é de 75,5 anos. Além disso, o Brasil é o país que mais mata transgêneros”, explica a pró-reitora adjunta de assuntos comunitários e políticas afirmativas, Tatiana Ferreira.

“Há o abandono da vida escolar pelo preconceito vivido e muitos não completam o ensino fundamental, médio ou ingressam na faculdade. Com isso, encontram meio de subsistência na prostituição”, contextualiza.

A UFABC reservou 1,5% das vagas ao grupo, em um total de 32 vagas. No Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o estudante transgênero seleciona o sistema de cotas e, ao ser aprovado, leva à universidade uma autodeclaração de pessoa trans. “Dessas cotas reservadas, 50% são destinadas a transgêneros com condições sociais vulneráveis, como renda per capta de 1,5 salário. Então, também são necessários documentos bancários, imposto de renda, entre outros, para comprovar a condição.”   

Política de permanência

Na Universidade Estadual da Bahia (Uneb), as cotas para transgêneros passaram a valer este ano, após discussão levantada pelo Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade “Diadorim”, da instituição.

Além de praticar o sistema de 60% das vagas para não-cotista e 40% para a população negra, a Uneb oferta 5% de vagas adicionais (além daquelas previstas no semestre) para quilombolas, ciganos, transexuais, travestis e transgêneros, pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades.

“Acreditamos que a educação é uma potência para reduzir as desigualdades sociais”, justifica a pró-reitora de ações afirmativas, Amélia Maraux. “No caso dos transgêneros, ajuda a eliminar a exclusão no mercado de trabalho por ausência de qualificação. A partir do diploma universitário, essa população pode construir seus caminhos profissionais e de vida”, pontua.

Após o ingresso na universidade, o próximo passo é garantir a permanência desse grupo nos bancos escolares. Para isso, ambas as universidades citadas possuem portarias, anteriores ao sistema de cotas, que garantem o uso do nome social por alunos, funcionários e docentes transgêneros. Já a UFABC também disponibiliza, em sua legislação interna, a garantia do uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero.

“Para garantir a permanência, a Uneb oferece políticas de bolsas de estudo para pesquisa científica e auxílio para estudantes em vulnerabilidade social”, destaca Maraux. 

Problema social

Em 2019, a quinta edição do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação apontou que apenas 0,1% dos graduandos entrevistados se declararam como homens trans, e 0,1%, como mulheres trans. Em contrapartida, 48,1% dos matriculados se identificaram como mulher cisgênero e 40,1% homem cisgênero.

De acordo com a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, a iniciativa das cotas é um passo para reverter a baixa escolarização dessa população. “Ajuda a lembrar que não estamos fora da escola porque queremos, mas por que essa não se mostra acessível, incentivando o abandono”, reforça.

“Quando conseguimos mapear com facilidade o número de transgêneros no sistema carcerário, mas temos dificuldade se saber quantos estudam no ensino superior, significa que temos um sério problema social”, denuncia ela.

Atualmente, as universidades públicas que ofereceram cotas para transgêneros em alguns dos seus editais, para graduação ou pós-graduação, são: UFABC, Uneb, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Brasília (UnB), Universidade do Paraná (UFPR), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Crédito da imagem: kasto80 – iStock

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