Era 1995 quando a jovem Fernanda Bianchini, de 15 anos, saiu da aula de balé para encontrar seus pais em um trabalho voluntário que eles realizavam no Instituto de Cegos Padre Chico, em São Paulo (SP).“Uma das freiras da instituição elogiou a minha postura e perguntou se gostaria de ensinar a dança para as crianças da instituição. Fiquei receosa porque nunca havia lecionado”, relembra.

Bianchini topou o desafio e, 27 anos depois, continua em atividade. Ela criou a Associação Fernanda Bianchini – Cia Ballet de Cegos  para disponibilizar o serviço gratuitamente. O currículo do grupo conta com apresentações em 12 países, em eventos como a Paraolimpíadas e ao lado de nomes como o músico Stevie Wonder.

bailarinas cegas
Bailarinas da Associação Fernanda Bianchini – Cia Ballet de Cegos (crédito: divulgação)

Para desenvolver sua metodologia de ensino – hoje espalhada em diversos países do mundo – Bianchini relata que precisou se colocar no lugar das alunas. “A aprendizagem é toda por meio do toque e da percepção corporal. As alunas tocam o meu corpo, sentem o movimento, reproduzem e eu corrijo tocando-as”, explica. “Para explicar a leveza dos braços da bailarina, utilizo folhas de bananeira”, exemplifica.

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Protagonismo recuperado

Atualmente, o projeto de Bianchini é composto por 400 alunos, sendo 60% deficientes visuais; 30% de outros tipos de deficiência (motora, mental e síndromes) e 10% de alunos sem deficiência. Ela ainda oferece um curso online para pessoas de outras cidades, estados e países. “Os benefícios são: melhora da postura, equilíbrio, noção espacial, locomoção, socialização e aspectos psicológicos. Os alunos se sentem protagonistas de suas histórias”, garante. “Para o público, há o desenvolvimento de respeito e dignidade pela pessoa cega. Eles aplaudem a companhia pela bela arte, não pelas limitações”, observa a professora.

A bancaria e bailarina Gisele Nahkur, de 33 anos, teve a vida transformada pelo projeto. Ela nasceu cega, voltou a enxergar com poucos meses de idade e perdeu novamente a visão aos 14 anos, época em que jogava basquete. “Conheci a companhia por meio de um programa de televisão e, até então, não me imaginava na dança. Contudo, tinha vontade de conviver com pessoas como eu, saber como trabalhavam, estudavam, namoravam e viviam uma rotina comum”, afirma. “Minha vida começou mesmo só depois do balé”, relata ela, hoje bailarina profissional e mãe.

Gisele Nahkur/Acervo Pessoal
Bailarina Gisele Nahkur durante apresentação (crédito: acervo pessoal)

Street cadeirante

Carla Maia, de 40 anos, estava no ensino médio quando um sangramento na medula a deixou cadeirante. Na época, ela integrava a banda do colégio e era apaixonada por street dance. “Pensei que havia perdido a possibilidade de dançar. Cheguei a fazer dança de salão, mas me sentia apenas guiada pelo meu companheiro. Tinha saudade das coreografias e das danças urbanas”, revela

Vinte anos depois, três acontecimentos reascenderam a paixão pela dança: um reencontro da banda do colégio; conhecer a história de uma estadunidense cadeirante que criou uma companhia de dança e representar o Brasil no concurso internacional Miss Cadeirante. “Lá, ensaiávamos coreografias doze horas por dia”, lembra. Foi a partir desse momento que, armada de coragem, Maia se matriculou ao lado de pessoas andantes em uma academia de dança em Brasília (DF).

companhia de dança street cadeirante pessoas com deficiência
Bailarinos do Street cadeirante (crédito: divulgação)

“Fui morrendo de vergonha, mas o professor era ótimo e, os colegas, acolhedores. Foi quando conversei na academia para criar uma aula só de cadeirantes”, relembra.Nascia o projeto Street cadeirante, que tem dois braços: uma aula virtual aos sábados, às 17h, e ensaios presenciais gratuitos, que resultam em apresentações e videoclipes. Cada mês, um coreógrafo renomado se junta ao grupo.

“Os desafios são muitos, como manter a gratuidade do projeto. Uma academia doa a sala, fazemos apresentações e alguns patrocínios ajudam a pagar os professores. Às vezes, ainda fechamos o mês no prejuízo”, relata Maia.

Dança é para todos

O professor de dança urbana Eduardo Amorim é um dos colaboradores do Street cadeirante. “As coreografias abrangem todos, pois há dançarinos com diferentes limitações de tronco, cabeça e de cada lado do corpo. Faço adaptações de bilateralidade, evito movimentos rápidos de tronco ou de troca de peso corporal. Além disso, sempre pergunto se o movimento está confortável para todos antes de continuar”, relata.

Para Amorim, as aulas online ajudam a democratizar o acesso à dança. “Há dificuldades de transporte para cadeirantes chegarem aos ensaios presenciais e a maioria dos municípios não contam com iniciativas para essa população”, justifica. O professor garante que todos podem dançar, independente da deficiência. “Tanto novatos quanto quem já era dançarino. A dança, além de tudo, é uma forma de expressão”, ressalta.

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