Para o ator Giovanni Venturini, a associação da pessoa com nanismo ao humor faz com que ela não seja realmente vista como um indivíduo com deficiência. “Isso ocorreu em toda a história da humanidade. Houve o deus egípcio Bes, que fazia careta para as crianças. O uso da pessoa com nanismo como bobo da corte, na Idade Média; nos shows de aberrações (freak show) no século XIX; depois nos circos até chegar ao arremesso dela em programas de humor”, contextualiza. “Isso gera consequências. Hoje já não se faz determinadas piadas com cadeirantes ou com uma pessoa com Síndrome de Down, mas com que tem nanismo sim”, explica ele, que tem 1,11m de altura.

o ator Giovanni Venturini
O ator Giovanni Venturini (crédito: divulgação)

O estigma ainda é reforçado por produções audiovisuais, como filmes e novelas, que ainda retratam a população como palhaços, duendes e outros seres míticos. Venturinni, que começou a estudar atuação na adolescência, lembra de ter encontrado autoaceitação no teatro. “Na adolescência, que é uma fase complicada, comecei a estudar clown (palhaçaria) e me vi livre de preconceitos. O palhaço é um ser ingênuo, que se entrega às novidades e sabe rir de si mesmo. Abriu a minha mente de um jeito incrível”, compartilha.

Formado e atuando profissionalmente, porém, percebeu que as oportunidades se restringiam ao mundo do circo. “Tive um momento de negar propostas para me posicionar como um ator que consegue fazer qualquer coisa, inclusive drama. Apesar desse estereótipo ainda permanecer, vejo mudanças nos últimos quatro anos. No exterior, há produções com atores cuja deficiência nem é citada na trama”, observa.

Foto escondida

Outro problema enfrentado por pessoas com nanismo é a infantilização. Passar a mão no cabelo e tentar pegar a pessoa com nanismo no colo são relatos comum. Não raro, essa população também é vista como exótica. “Acontece de crianças apontarem e rirem ou de alguém tentar tirar uma foto sua escondida”, relata Venturini.

Isso aconteceu com o professor de língua portuguesa e de inglês Ney Melo em um ambiente de trabalho. “Levantei para ir ao banheiro e percebi uma colega tentando me fotografar. Questionei e ela disse que era para o filho dela”, relembra ele, que tem 1,10m de altura. “Em outra oportunidade, expliquei de forma educada: o tamanho é relativo. Você é alta perto de mim, mas baixa quando ao lado de outros colegas”, lembra.

o professor de língua portuguesa e de inglês Ney Melo
O professor de língua portuguesa e de inglês Ney Melo (crédito: acervo pessoal)

O desconhecimento também gera curiosidade e traz perguntas invasivas, principalmente em relação a aspectos de afetividade e sexualidade.“Isso acontece a todo instante, mas sei que há uma curiosidade grande com corpos diferentes. O parâmetro do respeito deve ser: você perguntaria isso para uma pessoa sem deficiência?”, ensina Venturini. “Se é uma pessoa do meu círculo, eu não me importo em responder. Até para ela não cometer o mesmo com outra pessoa com deficiência. Com desconhecidos, é uma invasão absurda”, relata.

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Mais representatividade, porém, tende a reduzir o problema. “No passado, as pessoas se escondiam com medo de chacota. Era necessário coragem para ir à rua. Isso tem mudado com cotas de empregos e universidades. Conheço, hoje, médicos renomados, gerentes de banco, entre outros, que são pessoas com nanismo”, relata o ator. “Leciono para pessoas de oito a oitenta anos. É comum, ao final do curso, alguém comentar que nunca havia imaginado ter um professor com nanismo. Eu sempre pergunto: e mudou algo para você?”, compartilha Melo.

Lei de cotas

A analista de comunicação Carolina Rivaldo de Almeida lembra de viver um período escolar relativamente tranquilo. Na escola, quebrou o estereotipo de que a pessoa com nanismo não poderia praticar esporte. Com 1,39m, chegou a ganhar um campeonato de vôlei em dupla. “Houve situações pontuais de bullying. Mas o fato de praticar esportes me protegia. E também de ter um irmão com quase dois metros”, brinca.

Foi no mercado de trabalho, porém, que ela sentiu discriminação. “Vi o anuncio de uma vaga em uma loja. Entrei e o dono não olhou na minha cara, atendendo a pessoa que chegou depois de mim. Virei às costas e fui embora”, lembra. “Ao final, ingressei no mercado somente aos 25 anos, e acho que foi justamente por ser pessoa com deficiência”, analisa.

A analista de comunicação Carolina Rivaldo de Almeida
A analista de comunicação Carolina Rivaldo de Almeida (crédito: acervo pessoal)

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Segundo os três entrevistados, as cotas para pessoas com deficiência em empresas foram importantes para ajudar a pessoa com nanismo a permanecer empregada. “Mas é preciso que as corporações tenham políticas de promoção. Muitas contratam a PCD para não serem multadas e as encostam em um posto de trabalho, sem que usem seu potencial e se desenvolvam”, diz Venturini.

Anão?

Vale ainda se atentar ao linguajar na hora de se dirigir a uma pessoa com nanismo, evitando o termo anão, hoje em desuso. “Ele virou adjetivo de algo pequeno, negativo, sem qualidade e sem tamanho. Por exemplo, quando um jornalista diz que determinado país tem uma ‘economia anã”, ilustra Venturini. No exterior, o termo mais utilizado é “little people” ou gente pequena, em português. “A tradução literal para a nossa língua também provoca incômodo. Assim, o ideal ainda é usar pessoa com nanismo”, ensina o ator.

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