Era 2013, o químico Pablo Busatto, de Fortaleza (CE), passou em um concurso público para trabalhar em Minas Gerais. A mudança trouxe a oportunidade de morar sozinho pela primeira vez – experiência ainda mais especial para um jovem com paralisia cerebral e usuário de cadeira de rodas motorizada. “Apesar de algumas dificuldades, como fazer compras, foi recompensador. Eu me sentia autônomo e melhor comigo”, relata o rapaz de 32 anos. As barreiras para que pessoas com deficiência morem sozinhas vão desde questões de acessibilidade até dependência financeira por falta de oportunidades de emprego.
A deficiente visual Tânia Ferreira, de 35 anos, vivenciou sentimento semelhante ao de Busatto quando alugou seu apartamento há cinco anos. “Sempre tive receio de morar sozinha. Foi um processo entender meus limites e trabalhar para superá-los. Porém, você descobre ser possível fazer adaptações e a rotina fica mais tranquila”, ensina. Adaptações, aliás, que ela descobriu interagindo com outros cegos. “Isso me preparou para morar só, pois cada pessoa tem uma forma única de viver. A troca é rica: todos ensinam e aprendem”, destaca. As alternativas incluíram priorizar eletrodomésticos com botões aos digitais, etiquetar utensílios com braile e cozinhar atenta ao som dos alimentos.
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Treinamento para autonomia
Roberto Fernandes, 50, tem baixa visão e intercalou momentos vivendo sozinho com casamentos. “As adaptações surgiam à medida que a minha visão diminuía”, relata. Ele se preparou por meio de treinamentos em instituições, como a chamada Orientação e Mobilidade, que ensina a construir um mapa mental da residência e entorno. Já a Atividades da Vida Diária (AIVD) ofereceu práticas e técnicas para uma rotina independente. “Elas auxiliam a prevenir acidentes domésticos e dão confiança”, garante. As mudanças incluíram abolir tapetes, mesa de centro e encostar os móveis nas paredes. “Isso previne quedas e trouxe segurança”, afirma.
Cuidar de si e do seu canto pode ser desafiador também para quem Síndrome de Down ou outras deficiências intelectuais. Isso motivou um trio de mães a criarem o Instituto JNG, sigla que homenageia as iniciais de seus filhos com Down. “O objetivo é oferecer monitoramento de rotina e apoio individualizado para desenvolver habilidades como: cozinhar e fazer compras, que inclui preparar lista, locomoção, seleção de produtos e pagamento”, revela a fundadora e diretora, Flavia Poppe.
A instituição vivencia um projeto-piloto de moradia independente com 16 famílias e 17 adultos com deficiência cognitiva e intelectual, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.O ator Pedro Baião, 30, tem Síndrome de Down e está sendo preparado para morar sozinho. “É um sonho desde pequeno. Peço dicas para uma prima que mora só há anos”, relembra.
As conquistas do artista incluem saber usar o transporte público, fazer compras e até pequenos consertos. “Um desafio deve ser a solidão”, reflete. Outro participante é o assistente de caixa e pessoa com Síndrome de Down Bruno Sturlini. “Imagino a minha casa clarinha, com muito branco”, descreve o rapaz de 39 anos.
Desemprego prejudica
O aspecto econômico geralmente impede a pessoa com deficiência de arcar com um espaço próprio. “Há poucas vagas nas empresas, o que dificulta a independência financeira”, lamenta Ferreira. Para ela, o apoio da família é essencial. “Quando esta confia na capacidade da pessoa com deficiência, fica mais fácil para a sociedade confiar também”, associa.
A superproteção dos familiares é outro aspecto que pode prejudicar. “Para os pais, há uma dificuldade em entender que a separação física não é um abandono”, tranquiliza Poppe. “Familiares devem respeitar as decisões da pessoa com deficiência, evitando fazer por ela. Ajude apenas em situações extremas ou quando a pessoa pedir”, aconselha Busatto.
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Atualizado em 26/05/2021, às 09h58