Artista plástica e vocalista da banda Cansei de Ser Sexy (CSS), Luísa Matsushita – mais conhecida como Lovefoxxx – pode se orgulhar de ter conquistado o mundo. De 2003 para cá, emplacou hit na revista Bilboard, contrato com o selo que lançou Nirvana, turnês e shows em festivais internacionais. De quebra, integrou a lista das “10 pessoas mais legais do planeta”, da revista NME, em 2006. Um curso de bioconstrução no deserto norte-americano, porém, foi o estopim para uma mudança de vida radical: ela trocou a cidade grande por Garopaba (SC), onde construiu uma moradia sustentável. “Capto água da chuva e utilizo banheiro seco, transformando os resíduos dele em adubo humano”, descreve em entrevista ao Instituto Claro.

O que motivou a mudança de vida e a vontade de viver de forma sustentável?
Luísa Matsushita: Não houve exatamente um momento. Eu morava em São Paulo e me sentia apática, deprimida e incompatível com a cidade. Eu saía para fazer cursos fora e, quando voltava, era como se não conseguisse colocar nada em prática.
Como você começou na bioconstrução?
Matsushita: Em 2014, no Novo México (Estados Unidos), fiz o curso para construir Earthships – casa sustentável feita com pneus, garrafas e outros materiais recicláveis. Ela usa terra e mantém uma temperatura de 22°C a 25°C, ideal para área desértica. Nessa época, não tinha autoconfiança para pegar um prego. Ao final, me senti à vontade com as ferramentas. Depois, estudei construção com barro, bambu e permacultura. Ainda pesquiso produção de reboco e tinta natural.
O que mudou após o período de estudos?
Matsushita: É bom aprender coisas novas quando mais velha, o mundo expande. Sou menos perfeccionista, sem encanar com erros. Fiquei mais curiosa, capaz, humilde e me divertido no processo, o que é positivo.
Como é a sua casa?
Matsushita: Chamo de “barraco”, apelido para “barraco de obra” (risos). Estou construindo uma casa maior e não queria pagar aluguel. Então, construí um “barraco” sem encanamento. O lugar com minhas coisas tem 12m2, um deck pequeno (4mx4m), e banheiro externo (1,5mx1,5m). Capto água da chuva e utilizo banheiro seco, transformando os resíduos dele em adubo humano. Não uso produtos de beleza ou limpeza químicos, apenas naturais. Comecei por conta do meu gato, que lambia a patinha quando pisava no chão e, logo, ingeria químicos também.
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Como funciona o banheiro seco?
Matsushita: É um sistema que não utiliza água, podendo ser de vários tipos. O meu é o mais simples, mas de maior manutenção. Utilizo balde e cubro cocô e xixi com serragem. Cada quatro baldes são despejados em uma composteira com três cabines de 1m x 1m. Essa não pode estar perto de árvores, água, entre outras especificações. Mistura-se restos de comida, cobrindo com mais serragem. A cabine enche em um ano e precisa de outro para descansar. Se a pessoa consumir medicamentos, são necessários dois anos para o adubo estar pronto.

Como ocorre a transformação de resíduos humanos em adubo?
Matsushita: A compostagem necessita de 1 parte de nitrogênio para 33 de carbono. O nitrogênio está no que é fresco, verde ou úmido, incluindo fezes, urina, comida e grama. O carbono está em itens secos e marrons, como palha, folhas secas, serragem, papel kraft. Na umidade e escuridão, microrganismos, minhocas e insetos decompõem esse conteúdo. Ele fermenta e esquenta. O calor de 45°C a 50°C, de 4 a 7 dias, mata organismos patogênicos. Monitoro o calor com termômetros e intervenho com mais grama, caso esfrie. Um vídeo explica tal processo.
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Quais as vantagens do banheiro seco?
Matsushita: Economia de água cristalina e de qualidade, já que cada descarga usa 6 litros. Tenho apenas uma cisterna pequena (mil litros), que coleta água da chuva. Uso cinco litros para banho e os reutilizo para regar plantas. Também completo um ciclo: resíduos viram adubo e, depois, alimentos. Já plantei diversos vegetais e fico feliz que eles gostam do meu adubo. Além disso, a água potencializa o odor das fezes, o que não ocorre no banheiro seco. É o oposto da urina: faço xixi no mato para menor manutenção (risos).
Quais suas orientações para quem deseja testar o banheiro seco?
Matsushita: É necessário conhecimento técnico sobre como fazer e onde despejar resíduos humanos. Indico o livro de Joseph Jenkins, “Humanure Handbook” (em inglês). É comum nojo no começo, até perceber que é natural.
E para quem busca uma transição de vida para um modelo sustentável?
Matsushita: Aproveitar o que já temos e questionar o consumismo. Não desejar começar com tudo novo, preocupando-se com o descarte de itens velhos. Algo que percebi estudando minimalismo e grandes faxinas com a Marie Kondo.
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