Segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos de Calçados (Ablac), foram comercializados no Brasil, somente em 2017, 972,6 milhões de pares de tênis, sapatos e afins. O que muita gente não sabe, contudo, é que o produto é de difícil reciclagem.

“Os calçados utilizam vários tipos de materiais que visam atender a necessidade do consumidor, como resisitência ao atrito, elasticidade, impermeabilidade, entre outros. No processo de fabricação, esses materiais, que podem chegar a 40 tipos diferentes, são unidos por meio de colas e costuras para a formação do produto final”, explica o vice-presidente da ONG Recicalce, de São José dos Campos (SP), Carlos Abel Laet de Holanda. “Para a reciclagem do calçado pós-uso, o processo de desmontagem é manual. A solidez do conjunto torna difícil o trabalho de desmontagem. Além disso, há um baixo aproveitamento de matéria-prima”, acrescenta.

Segundo a coordenadora geral do Laboratório de Sustentabilidade (Lassu), da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Tereza Cristina Melo de Brito, outra questão que impacta na reciclagem é a dificuldade de juntar grandes volumes dos componentes presentes nos sapatos. O plástico coletado, por exemplo, costuma ser vendido pelas cooperativas à indústria em lotes de 400 kg.

“O calçado feminino é um grande problema, porque tem muitos enfeites. É difícil, por exemplo, conseguir volume de uma mesma pedraria que adorna um sapato. Seria necessário reunir muitos pares iguais, o que não acontece”, relembra.

Para os especialistas, o resultado é que quase a totalidade dos calçados acabará, em algum momento, em aterros.

Contaminação do solo

Além da dificuldade em realizar a reciclagem, atualmente, também há a questão do descarte incorreto de tênis e sapatos. Com isso, há dois agravantes: o calçado lotará os aterros ou, se jogado na natureza, não irá se decompor.

“Um exemplo são alguns dos saltos dos sapatos femininos. Eles imitam madeira, mas geralmente, possuem núcleo de PVC e são encapados por outro material. O PVC não será decomposto”, adverte Brito.

Há ainda componentes usados nos calçados que podem contaminar o solo. O couro, por exemplo, é amaciado com cromo, substância tóxica e altamente contaminante. “Tênis infantis que possuem algum componente luminoso, como LED, também podem contaminar o solo”, complementa o professor do curso técnico em meio ambiente do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac – SP) Cesar Bigotto.

Sem reciclagem e com produtos tóxicos em sua composição, o calçado possui apenas uma saída para não prejudicar ainda mais o meio ambiente: a redução de consumo. “Colecioná-los não é uma atitude sustentável”, orienta Brito.

Na hora de comprar um par, opte por produtos feitos de materiais recicláveis, de tecidos ou os chamados “sapatos veganos”. Estes não possuem couro e, consequentemente, podem não conter cromo. “A tendência para o futuro serão sapatos biodegradáveis, que se decompõem em até quatro anos após enterrados. Contudo, essas soluções ainda não existem no mercado”, complementa.

Segundo ainda a pesquisadora, outra alternativa é optar por consertar os sapatos e tênis sempre que possível, evitando o descarte. Além disso, vale doar aqueles que já não possuem mais serventia. “Pergunte-se: esse sapato não serve para quem? Para mim? Porque ainda vemos muitos moradores de rua descalços nos grandes centros. Mesmo que esteja com algum rasgo pequeno, ele ainda cumpre a função de isolar o pé do contato do solo”, destaca.

Em São José dos Campos, interior de São Paulo, a Recicalce é uma das poucas ONGs no Brasil que recolhem sapatos usados e fazem pequenos consertos para, na sequência, doá-los a instituições que atendem pessoas em vulnerabilidade social. Em sete anos de atividades, a ONG recebeu 110 mil peças usadas, sendo que metade dessas puderam ser consertadas e doadas.

Trabalhadores da ONG Recicalce na oficina que conserta calçados usados. Após serem recuperados, pares são doados para pessoas em vulnerabilidade social (crédito: divulgação)

 

“Nosso objetivo é minimizar os efeitos negativos do descarte dos calçados no meio ambiente. Fazemos pequenos consertos, como colagem, troca de componentes e higienização, a fim de revitalizá-los para doação”, explica Holanda. “Os calçados que não apresentam condições de reúso são desmontados para aproveitamento dos materiais recicláveis. O restante é enviado para aterro industrial, seguindo as normas ambientais vigentes.”

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