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Exibido em novembro deste ano, o filme “Pisar Suavemente na Terra” , de Marcos Colón, foi um dos destaques da 46ª Mostra de Cinema em São Paulo. No documentário, três lideranças indígenas da Amazônia apresentam formas de resistência às constantes ameaças à vida na floresta. Com narração do ativista indígena e filósofo Ailton Krenak, o filme aborda o conceito de florestania como alternativa à destruição que tem imperado no território amazônico.

Florestania e a vida cidadã na floresta

“No final dos anos 80, começo dos anos 90, o discurso da florestania foi se alargando como uma afirmação de possibilidade de vida cidadã dentro da floresta. Esse termo nasceu do movimento social com Chico Mendes, com a Aliança dos Povos da Floresta que a gente integrou junto; com os indígenas, com todo mundo que estava na defesa da floresta”, explica Krenak.

No documentário, pelas histórias de resistência das três lideranças indígenas que narram suas lutas para manter viva a cultura ancestral de seus povos, são apresentados alguns dos ataques à florestania, como a grande mineração, o monocultivo, o garimpo, a exploração de petróleo, a extração de madeira e a construção de usinas hidrelétricas.

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ativista indígena e filósofo Ailton Krenak
Ativista indígena e filósofo Ailton Krenak (crédito: divulgação)

“Quando Krenak fala que ‘o futuro é ancestral’ nos remete a uma memória, a uma relação com a terra. Pisar suavemente na terra, pensar florestania, implica reconfigurar o nosso olhar e as nossas percepções”, afirma o professor da Universidade Estadual da Flórida e diretor de documentários sobre a Amazônia Marcos Colón.

“É possível um desenvolvimento humano dentro da floresta com outras tecnologias, com outros horizontes de vida social, de muitas alternativas de dentro da floresta, que não seja essa única que vem de fora e que sugere que cidadania é uma coisa de quem vive nas cidades”, conclui Krenak.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcos Colón:
A florestania é a vida das pessoas dentro da floresta sem prescindir da floresta. É uma virada de chave, porque quando nós de fora olhamos para os povos dentro da floresta temos que nos reposicionar, nos recalibrar no nosso olhar.
Ailton Krenak:
No final dos anos 80, começo dos anos 90, o discurso da florestania foi se alargando como uma afirmação de possibilidade de vida cidadã dentro da floresta. Esse termo ele nasceu do movimento social com Chico Mendes, com a Aliança dos Povos da Floresta que a gente integrou junto, com os indígenas, com todo mundo que estava na defesa da floresta e criamos depois a reserva extrativista. Nasceu nesse processo.
Marcos Colón:
Quando o Krenak fala que ‘o futuro é ancestral’ nos remete a uma memória, a uma relação com a terra, os povos já fazem com o trato com os humanos e os não-humanos. Pisar suavemente na terra, pensar florestania, implica reconfigurar o nosso olhar e as nossas percepções.
Meu nome é Marcos Colón. Eu sou professor num programa de saúde pública da Universidade Estadual da Flórida e sou diretor do filme ‘Pisar suavemente na terra’, motivo da nossa conversa aqui.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
No filme ‘Pisar Suavemente na Terra’, três lideranças indígenas da Amazônia tentam manter vivas suas formas de estar no mundo. Pelas histórias resistência delas, são narradas as ameaças à florestania – a cidadania adaptada à floresta. Ailton Krenak conta que o termo ganha força no período em que o engenheiro florestal Jorge Viana foi governador do estado do Acre, a partir de 1999.

Ailton Krenak:
Esse termo florestania surge no momento de crise radical, em que a última fronteira de floresta que estava no Acre estava ameaça por uma BR que ia chegar em Rio Branco, convocando, de certa maneira, o agronegócio, toda essa violência contra a floresta, madeireiras… Ia ter finalmente uma rota de escoar a floresta de lá, né, esvaziar a floresta de gente e uma política anti-indígena violenta… e foi no compromisso do governo do estado do Acre com indígenas, seringueiros, ribeirinhos que se forjou o termo florestania em oposição a essa ideia de cidadania como expansão constante da pólis, da cidade, do urbano.

Refloresta (Gilberto Gil)
Manter em pé o que resta não basta
Que alguém vira derrubar o que resta
O jeito é convencer quem devasta
A respeitar a floresta

Marcos Cólon:
A florestania ela estilhaça esse processo de mercantilização que tenta quebrar a autonomia dos povos. Um exemplo que eu digo sempre muito importante: a produção de mandioca não é apenas algo que gera recursos financeiros, porque ela produz comunidade, ela produz relação naquele espaço. Então a florestania nos ajuda a não construir processos de mercalizações que quebrem a autonomia dos povos. É o critério de que, por exemplo, se você tem bioeconomia, cosméticos, todos esses processos que são produzidos de dentro da floresta existem desde que essa valorização da floresta não seja monopolista, não quebre as relações de comunidade. Ela cria um circuito dos territórios em produção de vida. A florestania nos leva a um caminhar, a um pisar suavemente na terra. Outros possíveis através da florestania eles se dão em conjunto, nas comunidades.

Ailton Krenak:
Florestania é uma palavra que se ergue de dentro da floresta alertando para outras possibilidades de exercício cidadão, é como se fosse um análogo à cidadania. E uma crítica, porque cidadania pressupõe metrópole, cidade, essas infraestruturas que devoram a energia. Enquanto que a florestania é a vida das pessoas dentro da floresta, afirmando uma identidade que não prescinde da floresta.
É possível um desenvolvimento humano dentro da floresta com outras tecnologias, com outros horizontes de vida social, de muitas alternativas de dentro da floresta, que não seja essa única que vem de fora e que sugere que cidadania é uma coisa de quem vive nas cidades.
Florestania é isso. É um termo que ganhou força, expressão política no estado do Acre, avançou para outras regiões da Amazônia, está integrada ao vocabulário de comunidades que historicamente defendem a floresta.

Marcos Colón:
Nesse sentido, é sair desse equívoco de soberba civilizatória que está nos destruindo em nome do capitalismo, do progresso, e que só vem para poucos. Então o pensamento indígena ele reconfigura o nosso olhar, o nosso pensar e o nosso sentir. Por isso que a gente precisa de uma outra maneira de ver esses povos.
Ailton Krenak:
A florestania ela precisa da floresta. É o exercício cidadão dentro da floresta, com direitos humanos, dignidade humana, e se opondo a esta narrativa estigmatizante de que quem vive na floresta é atrasado, está na desvantagem com relação a quem vive a experiência urbana.

Marcelo Abud:
Filmado no Peru, na Colômbia e no Brasil, o documentário ‘Pisar Suavemente na Terra’ foi lançado na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e tem tido uma importante carreira.
Uma das três lideranças indígenas que luta para manter viva sua forma de existir é o cacique Manuel, do povo Munduruku, do Oeste do Pará.

Áudio de trecho do filme “Pisar Suavemente na Terra”, roteirizado e dirigido por Marcos Colón
(com trilha sonora dramática misturada a sons de apito de trem)
Manuel:
O nosso coração chora, a nossa mente se entristece de nós ver a nossa floresta; dormir em pé e amanhecer deitado, destruído, porque o grande empreendimento eles trabalham noite e dia para nos derrotar.

Ailton Krenak:
É essa racionalidade do ocidente, essa lógica que já está impressa desde a colonização, partindo da Europa, chegando em outros continentes com essa maquinação urbana. Mesmo as pessoas que vivem em pequenas cidades espalhadas pela América Latina elas incorporam conceitos e comportamento urbano.

Áudio de trecho do filme “Pisar Suavemente na Terra”
José Pepe Manuyama (indígena Kukama da Amazônia peruana):
E modernidade é sinônimo de arruinamento social.

Marcos Colón:
No final, os povos indígenas têm nos mostrado, na verdade, a batalha pela vida, uma luta que incomoda e nos leva a acordar e juntar forças com todos eles. E que possamos juntos aceitar o convite do próprio Krenak, que é de pisar suavemente na terra.

Ailton Krenak:
Porque as florestas não estão no espaço, elas estão no chão, produzindo água, produzindo rios, produzindo vida, produzindo comida. É essa floresta cheia de oferta que é ameaçada o tempo inteiro pelo consumo das fronteiras urbanas, fronteiras econômicas.

Trilha sonora do filme com música de impacto misturada a sons urbanos, como a sirene de um trem, fica de fundo

Marcelo Abud:
No filme de Marcos Cólon, que tem Krenak como narrador, as ideias de florestania e de que é preciso pisar suavemente na terra são formas de resistência dos povos originários contra as ameaças da grande mineração, do monocultivo, do garimpo, da exploração de petróleo, da extração de madeira e da construção de usinas hidrelétricas.
Marcelo Abud para o podcast do Instituto Claro.

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