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A agricultura mal planejada é a principal responsável pela derrubada de florestas no Brasil, segundo o professor do departamento de ciências biológicas da Escola Superior de Agricultura (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Ribeiro Rodrigues. Para ajudar a reverter esse quadro, ele coordena pesquisas e ações do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf), que existe há mais de duas décadas dentro da instituição de ensino superior.

A ideia da restauração florestal não é recuperar a mata original que estava no ambiente, mas resgatar uma formação com as mesmas características de funcionamento e diversidade da que existia naquele local.

Ricardo Ribeiro Rodrigues defende que a restauração florestal é benéfica inclusive para a agricultura (crédito: acervo pessoal)

“No passado, áreas que são de baixa aptidão agrícola foram desmatadas e, hoje, o mais adequado tecnicamente é recolocar essa floresta, porque são áreas de baixa produtividade”, explica na entrevista concedida ao podcast do Instituto Claro.

Nesse sentido, os estudos do Lerf avaliam como replantar lugares que foram indevidamente desmatados. O professor explica que o aumento da restauração traz ganhos também à própria atividade agrícola.

“E esses benefícios vão desde a questão da proteção do solo e da água, até a redução dos efeitos das mudanças climáticas, principalmente na questão da polinização.”

De acordo com Rodrigues, o Brasil é referência em estudos na área. “Hoje, não tem nenhum pesquisador no mundo que trabalhe com restauração que não reconheça a forte atuação do Brasil na área”. Por outro lado, ainda é pequena a parcela de agricultores que adotam a prática.

“O grande degradador das formações naturais sempre foi e continua sendo a agricultura, a expansão de suas fronteiras”, diz ele.

Os esforços do professor e de sua equipe são para fazer com que aumente a consciência da interdependência entre bons resultados agrícolas e restauração do ambiente. Para isso, o site do Lerf traz manuais, guias e vídeos com linguagem acessível à sociedade em geral, como o infográfico “Por que conservar e restaurar a vegetação nativa pode evitar pandemias?” (2020).

Transcrição do Áudio

Trilha “Cold Blue”, de fundo

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
Na restauração florestal existia um conceito antigo que você voltava à formação original. Hoje a gente não pensa assim. Porque o que a gente restaura, na verdade, são os processos daquele ecossistema, que vão reconstruir um ecossistema similar e que vai funcionar de forma similar ao ecossistema original.

Eu sou Ricardo Ribeiro Rodrigues. Sou professor da Esalq, biólogo, coordeno o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf ) na questão aplicada de restauração florestal.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Você sabe o que é restauração florestal? E o que o resgate de um ambiente ecológico com as mesmas características e diversidade do original podem trazer de benefícios, inclusive para a agricultura? Para responder a essas questões, o Instituto Claro conversa com o professor do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura (Esalq), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues.

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
A restauração florestal é na verdade você colocar floresta em locais que, por algum motivo, essa floresta foi retirada, ou por uma exigência da legislação ou por uma questão de vocação, né? Então nós desmatamos áreas que são de baixa aptidão agrícola e, hoje, o mais adequado tecnicamente é recolocar essa floresta, porque, se for mantida com atividade agrícola, essas áreas vão ser de baixa produtividade. O que nós fazemos no laboratório é exatamente isso: estudar como recolocar florestas nos lugares que indevidamente essa floresta foi retirada.

Música: “A Ordem das árvores” (Tulipa Ruiz)
“A ordem das árvores / Não altera o passarinho”

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
No momento que os nossos trabalhos começaram a gerar resultados, mostrando que aquela floresta restaurada tinha indicadores parecidos ou similares a uma floresta nativa é que a restauração florestal começou a ser encarada com seriedade, como uma área da ciência, todos entenderam que isso era possível sim e aí muita gente começou a trabalhar com restauração ecológica e restauração florestal. E hoje não tem nenhum pesquisador no mundo que trabalhe com restauração que não considere a restauração florestal como uma atividade forte no Brasil.

Marcelo Abud:
Se por um lado o Brasil é destaque em restauração florestal, por outro, ainda é baixa a consciência de boa parte dos agricultores do país sobre a importância do resgate dessas áreas.

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
O grande degradador das formações naturais sempre foi e continua sendo a agricultura, a expansão da fronteira agrícola. Então, as queimadas na Amazônia, o desmatamento da Amazônia sempre na transformação de uma área natural numa área de produção. Por isso é que nós geramos muitas irregularidades ambientais, ou seja, acabamos retirando florestas em situações que a gente ou não podia tirar pela legislação ou não deveria tirar porque são áreas de baixa aptidão agrícola.

Música: “Saga da Amazônia” (Vital Farias)
“Era uma vez na Amazônia / A mais bonita floresta / Mata verde, céu azul / A mais imensa floresta”

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
E até por isso que nós temos uma boa legislação, uma legislação ambiental muito forte no Brasil. Nós tivemos muito retrocesso em 2012, mas ainda assim é uma legislação que define que o proprietário rural deve manter na sua área privada, né, na sua propriedade rural, formações naturais. Então essa legislação é que faz com que a gente tenha uma mola propulsora da restauração florestal, mas a nossa perspectiva é que só isso não vai resolver. Então não é essa ação de comando e controle que nós vamos conseguir que os proprietários façam restauração florestal.

Marcelo Abud:
Para o professor, o aumento da restauração florestal está ligado à percepção dos benefícios que uma atividade agrícola vai ter, se estiver em um ambiente de diversidade ambiental.

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
E esses benefícios vão desde a questão da proteção do solo e da água, mas também a questão de reduzir os efeitos das mudanças climáticas, e principalmente na questão da polinização. A grande maioria das culturas agrícolas dependem de polinizador e esses polinizadores quando a cultura não está em florescimento, eles estão nas formações naturais naquela paisagem. E aí quando a cultura agrícola entra em florescimento, esses polinizadores se deslocam das áreas naturais para a área de produção e fazem a polinização dessas culturas agrícolas. Isso que a gente chama de serviços ecossistêmicos, então essas florestas promovem serviços ecossistêmicos e um dos mais interessantes e mais importantes é esse serviço de polinização das culturas agrícolas. Até muito recentemente nós trabalhamos a agricultura como se fosse independente de polinizador. A maioria dos nossos produtos agrícolas – café, laranja, soja – são produtos da polinização. Então, logicamente nós temos um agente polinizador que está interferindo nisso. Apesar da gente manipular geneticamente essas plantas para não precisar do polinizador, uma grande porcentagem dessas flores ainda depende de polinizador e nós nunca conseguimos enxergar isso.

Marcelo Abud:
Pesquisas comprovam que a restauração florestal beneficia a agricultura. Um exemplo é o estudo do Laboratório de Biologia e Ecologia de Abelhas da Universidade Federal da Bahia, de agosto de 2019.

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
Hoje, a gente já tem dados muito interessantes mostrando que a presença de florestas próximo à cafeicultura aumenta em até 30% a produtividade dessa cafeicultura. E isso está sendo demonstrado pra muitas culturas, então o que nós precisamos é exatamente conseguir integrar na paisagem os elementos de produção e os elementos ambientais – as formações naturais, para efetivamente termos essa correlação harmoniosa entre produção e ambiente, já que são duas instituições interdependentes. Tanto a formação natural depende do homem, em termos de conservação, de proteção, de recuperação, como a agricultura depende das formações naturais em termos de proteção de água, solo, polinizadores, mudanças climáticas etc.

Música: “As forças da natureza” (João Nogueira e Paulo César Pinheiro)
“As pragas e as ervas daninhas / As armas e os homens de mal / Vão desaparecer nas cinzas de um carnaval / Vai resplandecer / O esplendor da mata vai renascer / E o ar de novo vai ser natural”

Ricardo Ribeiro Rodrigues:
O diferencial da agricultura brasileira deveria ser uma agricultura altamente tecnificada, de baixo impacto ambiental e praticada no ambiente de alta diversidade natural. Esse deveria ser o diferencial da agricultura brasileira para conseguir colocar os nossos produtos em qualquer lugar do mundo.

Esse é o caminho: é de uma agricultura sustentável. O bom agricultor, o agricultor tecnificado, do agronegócio, ele entende que essa é a condição hoje necessária para a agricultura brasileira. Tem saído muitas reportagens mostrando claramente que a falta de uma boa política ambiental, a falta de uma boa política agrícola hoje no Brasil integrando a questão ambiental tem sido a maior dificuldade do agronegócio. Estão criando barreiras, estão reduzindo a produtividade dessas culturas exatamente por essa degradação ambiental. Então, nem os bons agricultores querem essa política de degradação que está sendo instituída pelo governo atual.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Pesquisas e ações têm comprovado que o resgate de uma formação com as mesmas características de funcionamento e diversidade da original traz ganhos tanto para a ecologia como para a economia.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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