Três semanas de isolamento social no norte da Índia dissiparam a poluição que escondia, há décadas, a vista para as montanhas do Himalaia. Já a redução na emissão de esgotos nos canais de Veneza (Itália) garantiu que os golfinhos fossem enxergados novamente. Tais conquistas, contudo, serão mantidas no pós-pandemia?
Para responder a essa dúvida, pesquisadores de diversas áreas de ecologia e sustentabilidade apontam medidas necessárias para preservar os ganhos ambientais, assim como as lições que não devem ser esquecidas.

Menos carros
Sem os 8,6 milhões de veículos da sua frota nas ruas, a cidade de São Paulo (SP) viu a poluição atmosférica despencar 50% na primeira semana de quarentena, como apontou a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Consequentemente, foram reduzidos gases vinculados ao efeito estufa e ao aquecimento global.
“Menos carros nas ruas exigiria políticas públicas para impulsionar transportes coletivos e o uso de bicicletas, como ciclovias e ciclofaixas”, lembra a pesquisadora em políticas públicas ambientais e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fernanda Mello Sant’Anna.
O mesmo vale para a substituição dos combustíveis derivados de petróleo por energias renováveis, como a solar e a elétrica. “São tecnologias já à disposição e que poderiam ser implantadas em larga escala”, pontua o professor da pós-graduação em ecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fabrício Alvim Carvalho.
Dos aprendizados da quarentena, o professor da pós-graduação em ciência ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Roberto Jacobi, cita a consolidação do trabalho em casa – o home office – como uma tendência positiva para o trânsito: “Quanto mais coisa for feita em casa, como consultas médicas e reuniões realizadas por videochamada, menor a circulação pela cidade”.
Consumo consciente
Da produção industrial ao transporte de produtos, a cadeia de produção de bens de consumo também gera emissão de gases que contribuem com o aquecimento global. Quando uma crise econômica reduz o consumo, a indústria tende a desaquecer e, consequentemente, menos poluentes são emitidos.
“A redução global de emissão de gases já foi vista anteriormente na Europa, durante a crise econômica global de 2007 e 2008. Período que também foi marcado por uma queda acentuada no consumo, como a que vem acontecendo durante a pandemia do coronavírus”, assinala o doutor em ciências naturais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Vitor Vieira Vasconcelos.
Já, ao final da crise, o que ocorreu foi um efeito rebote: aceleração da indústria e do incentivo ao consumo para reaver o tempo, e o dinheiro, perdido. “O resultado foi catastrófico: aumento no uso de recursos naturais, da emissão de gases e relaxamento da fiscalização ambiental”, lamenta.
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Para ele, a experiência passada poderia servir de lição para que os mesmos erros não fossem cometidos no pós-pandemia da covid-19.
Durante a quarentena, tendências de consumo consciente apareceram, principalmente relacionadas ao uso do papel. Exemplos foram condomínios que substituíram as contas físicas pelas enviadas por e-mail. “Há alternativas menos impactantes ao meio ambiente, por meio da tecnologia, como a substituição de itens físicos pelo digital”, diz Vasconcelos.
Porém, a pandemia mostrou que nem todas as mudanças são sustentáveis. “Exemplo é quando se deixa de circular em carros para fazer uma compra, mas se continua comprando por delivery ou pela internet, que exige circulação de veículos para a entrega”, descreve Jacobi.
Ele lembra que, no Brasil, o consumo de bens não essenciais é realizado pela menor parcela da população – as classes média e alta. “Não se aplica aos mais pobres. Assim, aqueles que podem, caberia uma conscientização do que é realmente importante ser comprado”, aponta.
Proteção da fauna e flora
Assim como os golfinhos de Veneza, Carvalho aponta a volta da fauna e da flora para regiões anteriormente devastadas como um impacto positivo da quarentena. Mas, para ele, reduzir o despejo de esgotos e poluentes nas águas, assim como proteger ecossistemas, depende exclusivamente de legislação.
“Infelizmente, a sociedade funciona à base do controle, de leis e penalidade para quem as descumpre. Difícil acreditar em conscientização nesse tema”, opina.
Um exemplo no período foi visto no Brasil, que vive a diminuição da fiscalização por órgãos ambientais. A devastação da Amazônia em abril de 2020 foi 171% maior do que o mesmo período do ano passado, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Para Carvalho e Sant’Anna, um futuro mais sustentável no pós-pandemia também exige conscientização e educação ambiental, tanto para crianças quanto adultos.
“Ainda que atitudes individuais não possam, sozinhas, alterar as causas da degradação ambiental relacionadas à produção econômica, elas sempre têm um efeito positivo no meio ambiente”, diz a pesquisadora.
“Se conscientizar sobre como são produzidos os bens que utilizamos e a poluição e degradação que isso gera é um passo fundamental, que, em geral, está relacionado com a mudança de atitudes e de consumo”, finaliza.