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No filme “Segredos do Putumayo”, o premiado ator irlandês Stephen Rea dá voz a Roger Casement, cônsul geral britânico no Rio de Janeiro, que foi incumbido por Londres de investigar os crimes cometidos contra os indígenas do Putumayo, na Colômbia, pela Peruvian Amazon Company, em 1910.

“Ele fica completamente impactado pela situação violenta, que passa a fazer um diário onde relata em detalhes todas as atrocidades acontecidas ali. Nesse sentido, o papel desse diplomata é um pioneirismo da defesa dos direitos humanos”, afirma o diretor do documentário Aurélio Michiles.

O diário dá origem ao livro-denúncia “Diário da Amazônia de Roger Casement”, lançado no Brasil pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). Ele serve de base para o filme em que Michiles traça paralelos entre o massacre acontecido há mais de um século e os dias de hoje.

segredos de putumayo
Luz Marina, do povo Uitoto, em cena do documentário “Segredos do Putumayo”
(crédito: divulgação/ André Lorenz Michiles)

“[A Colômbia] é um dos lugares onde mais se assassina militantes, ativistas dos direitos humanos, assim como no Brasil também. Nós estamos caindo nos mesmos erros, que é o desrespeito ao trabalho e à natureza que nos dá aquele produto que poderia nos elevar a um patamar de riqueza”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Trilha original do filme “Segredos do Putumayo”, composta por Alvise Migotto, fica de fundo

Aurélio Michiles:
Hoje existe mais pessoas escravizadas que na época onde a escravidão era um mecanismo da produção da riqueza do mundo. Cada vez mais que você não investe na educação e não combate o desemprego, você joga expressiva quantidade da população à mercê destas atividades ilícitas que acontecem hoje na Amazônia, né? Não tem coisa mais terrível do que você escravizar uma outra pessoa, você fazer dela um objeto. É só você visitar estes lugares onde estão extraindo ouro pra você ver o trabalho cruel, trabalho igual ao trabalho escravizado.
Meu nome é Aurélio Michiles, sou amazonense, nasci em Manaus, desde garoto sou apaixonado e acompanho grandes do cinema de documentários. E hoje eu me vejo na condição de também realizar filmes documentários, desde 1981.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
No ápice do ciclo da borracha, em 1910 e 1911, o irlandês Roger Casement fez duas viagens pelos rios da região de Putumayo, no alto Amazonas. A missão do então cônsul-geral britânico no Brasil era investigar denúncias de violência e escravização cometidas contra indígenas brasileiros, peruanos e colombianos.

Aurélio Michiles:
Ele é enviado para essa região para averiguar a veracidade das denúncias de massacre de índios na exploração da borracha e fica completamente impactado pela situação violenta, que passa a fazer um diário onde ele relata em detalhes todas atrocidades acontecidas ali. E o Roger Casement já tinha feito isso quando foi diplomata no Congo.
Nesse sentido, o papel desse diplomata é um pioneirismo da defesa dos direitos humanos. Tem uma frase que eu uso no filme, diz assim ‘não serei eu um agente do silêncio, mas espero poder ser a voz da liberdade’, escreveu em 6 de novembro de 1910, em plena Selva Amazônica.

Água (Vitor Miranda e João Mantovani), com Banda da Portaria e André Abujamra
índios famintos
indigentes
pedindo vida
pra tanta gente

Aurélio Michiles:
Na prática é isso, né, ele estava tomando uma atitude em defesa dos povos indígenas humanista. E trazendo pra hoje, na Colômbia, onde aconteceu esse fato, é um dos lugares onde mais se assassina militantes, ativistas dos direitos humanos, assim como no Brasil também.
Nós estamos caindo nos mesmos erros, que é o desrespeito ao trabalho e à natureza que nos dá aquele produto que poderia nos elevar a um patamar de riqueza.

Marcelo Abud:
A partir do diário que dá base ao documentário, o diretor Aurélio Michiles vai além e refaz o caminho do irlandês para entrevistar descendentes diretos dos massacres indígenas. O que se revela é um cenário em que a perversidade e o extermínio permanecem nos dias de hoje.

Aurélio Michiles:
Não só na vida do descendente, mas na nossa própria vida, né, porque hoje a Amazônia vive esse ciclo exasperado, agônico, destruição em massa. Não só ameaça física às populações originárias como, também, da fauna e da flora.
Agora, o episódio do massacre do Putumayo, feito pela Peruvian Amazon Company, uma empresa de capital misto peruano e britânico, explorava esse látex, essa borracha, e não remunerava esses trabalhadores pelo seu trabalho. E continua acontecendo isso, trabalho escravizado na Amazônia ainda é uma permanência, de uma maneira completamente… como é feito até hoje, né, o ouro, não fica nada.

Índios (Renato Russo), com Legião Urbana
Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha

Aurélio Michiles:
Nos diários, Casement cita que as leis eram bem-feitas no papel, mas quem as colocava em prática as fazia à base de suborno, mentira e terror.

Aurélio Michiles:
A constituição na Amazônia, ele fala, né, é o Winchester e tem um único artigo, que é o calibre 38, né? Quer dizer, que tristeza se constatar a contemporaneidade. Tem cidade, você vê na Amazônia hoje, parece aquela cidade de filme de western – pessoas ostensivamente usando arma na cintura; essa é a violência da Amazônia, né? Onde a vida não vale quase nada. Você manda matar uma pessoa por ninharia. Elimina um semelhante seu, um concorrente, um inimigo, um líder que está ali defendendo os direitos indígenas ou dos garimpeiros ou dos extratores de madeira, se ele falar um pouco mais alto, patrão manda matar.

Voz do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira em música indígena na floresta amazônica fica de fundo

Aurélio Michiles:
Ali na Amazônia, a pessoa some, como aconteceu recentemente com o Dom, aquele jornalista britânico, e com o Bruno, que era um funcionário da Funai. Foram esquartejados. Essa é a violência da Amazônia. Triste pensar isso, que ainda hoje a pessoa ainda pensa assim e age assim.

Marcelo Abud:
Da mesma forma que Roger Casement fez ao denunciar os massacres contra a população indígena há mais de 100 anos, Aurélio Michiles, em “Segredos de Putumayo”, mostra que pouca coisa mudou de lá pra cá. O diretor do documentário acredita que a arte é capaz de ampliar o alcance da mensagem e sensibilizar mais pessoas.

Aurélio Michiles:
Estou a tantos anos realizando filmes, documentários, e eu tenho certeza que esses filmes de alguma maneira toca no coração e na mente de alguém. Eu me lembro que eu li em algum lugar – na minha juventude – que alguém escreveu no muro: ‘o ouvido de alguém que passa pode ser o ouvido do mundo’. Isso me tocou e me fez pensar que uma andorinha pode fazer verão. Ela pode chamar outras andorinhas para fazer esse coral, que é a beleza da vida, da luz.

Pra você ter ideia assim objetivamente, esse filme ele passou lá em La Chorrera, no lugar onde eu filmei (aldeia) e os relatos que eles mandaram pra mim são emocionantes, sabe? Eles incorporaram o filme no currículo escolar deles. Eles consideraram que o filme traz de uma forma artística, né, o processo histórico da vida deles. Eles não conheciam aquelas imagens.

Música original do filme fica de fundo

Marcelo Abud:
As investigações do ativista irlandês a respeito da escravização e do assassinato de milhares de indígenas durante o ciclo da borracha estão no livro “Diário da Amazônia de Roger Casement” e agora, também, no filme “Segredos do Putumayo”.
O diário deixado por ele é tido como símbolo de luta pioneira pelos direitos humanos no mundo.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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