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Marcelo Abud

Uma expedição à Serra da Mocidade, em Roraima, resultou na catalogação de mais de 1.500 espécies, entre plantas e animais, incluindo 95 novos registros para o Brasil e, ao menos, 80 novas espécies para a ciência, que continuam em estudo de comprovação. A cobertura dessa viagem está no documentário “Novas Espécies – a expedição do século”, que estreou nos cinemas no final de novembro de 2019.

Os números surpreendentes foram possíveis em função do esforço de 42 cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de diferentes áreas.

Com pico a quase dois mil metros de altitude e cerca de 80 quilômetros de extensão, região revela novas espécies (crédito: divulgação/Grifa Filmes)

 

“Tem muito biólogo no instituto, mas também tem gente que estuda doenças, que estuda gente, que trabalha com pesquisa aplicada no desenvolvimento de métodos, técnicas de exploração sustentável de recursos naturais amazônicos”, revela o ornitólogo, curador das coleções de aves do Inpa e responsável por chefiar o grupo, Mario Cohn-Haft, entrevistado no áudio deste podcast.

No depoimento, o cientista relata que há uma década tinha conhecimento da Serra da Mocidade e a certeza do êxito que uma viagem ao local alcançaria, mas o plano só saiu do papel recentemente. “Em 2016, a gente fez o que chamo de ‘expedição dos meus sonhos’. Por suas características, a região é, talvez, o lugar com maior potencial do mundo de ter espécies novas”, explica.

Com equipe reduzida no Inpa e recursos governamentais escassos, a expedição só foi possível graças a uma coprodução internacional da produtora Grifa Filmes, que reuniu a GloboNews, a GloboFilmes e empresas de audiovisual da Alemanha e do Japão (Filmland, NHK, ZDF/Arte e Gebrueder Beetz).

Equipes de filmagem e de cientistas contaram com o apoio do Comando Militar da Amazônia para ficarem 25 dias na Serra da Mocidade (crédito: divulgação/Grifa Filmes)

 

“Quem assiste ao filme, primeiro vai ver uma Amazônia que talvez nunca tinha visto antes; uma Amazônia de altitude, fria, com vento e nuvem; vai ver uma aventura que talvez não sabia que os pesquisadores se submetiam, de andar de helicóptero, de ter que descer dele de rapel para poder abrir uma clareira para a aeronave pousar depois”, descreve Cohn-Haft.

Para o diretor do documentário, Maurício Dias, também ouvido pelo Instituto Claro neste podcast, o maior legado do filme é ajudar o público a entender um pouco sobre como é o trabalho de campo desses cientistas. “Eu achei que não existisse mais isso de grupos saindo em busca de novas espécies, que achar uma nova espécie fosse uma coisa muito casual. […] Quando estamos com eles, a gente vê que tem muito esforço e muita dedicação”, resume.

“Cada espécie do planeta, milhões de animais e plantas, pelo fato de ser diferente, de ter um jeito de viver no meio ambiente, único e singular e uma maneira de aproveitar os recursos ao redor e sobreviver, representa uma solução única para problemas enfrentados por todos. É um dever nosso, da academia, da ciência, tornar isso mais acessível para todo mundo”, completa Cohn-Haft.

Crédito das imagens principais: divulgação/Grifa Filmes

Transcrição do áudio:

Sons de natureza (Serra da Mocidade) e de uma das músicas da trilha sonora do filme “Novas Espécies – A expedição do século” de fundo 

Mario Cohn-Haft:
Nosso objetivo maior é, de fato, entender, documentar o que tem nas serras e o seu grau de ameaça e como preservar aquilo para as gerações futuras, para que todo mundo tenha oportunidade de conhecer mais esse aspecto da Amazônia e toda a diversidade da Amazônia, que é tão variada.

Sou Mario Cohn-Haft, pesquisador do Inpa e curador da coleção de aves.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música da trilha sonora do filme de fundo

Marcelo Abud:
O documentário “Novas Espécies – a expedição do século” revela a saga de 42 cientistas que se embrenharam na, até então, inexplorada Serra da Mocidade. A região, que fica em Roraima, está isolada no meio da floresta amazônica. O grupo multidisciplinar do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia foi chefiado pelo ornitólogo norte-americano, radicado no Brasil há mais de 30 anos, Mario Cohn-Haft.

Mario Cohn-Haft:
O Inpa é o segundo maior instituto federal de pesquisa, depois do Inpe, o Instituto de Pesquisas Espaciais. Tem muito biólogo no instituto, mas também tem gente que estuda doenças, tem gente que estuda gente, gente que trabalha com pesquisa aplicada no desenvolvimento de métodos, técnicas de exploração sustentável de recursos naturais amazônicos. Então, tem muitos profissionais de campos bem diferenciados. As expedições, então, que a gente faz é só uma linha de pesquisa que é de tentar documentar a biodiversidade real da Amazônia.

Áudio do filme

Thiago Orsi Laranjeiras – ornitólogo: “Isso aqui não tem no Brasil, não tem em nenhum outro tepui, nenhuma montanha perto aqui e isso sugere pra gente que pode ser uma espécie nova”

Mario Cohn-Haft: “É a ave da viagem, o pássaro da expedição”

Thiago Orsi Laranjeiras: “Não esperava que a gente ia ter esse bicho com essas características aqui não”

Mario Cohn-Haft:
A Amazônia é recordista mundial em biodiversidade, quer dizer, tem mais espécies de qualquer grupo de interesse, seja pássaro ou mamífero ou inseto, o que for. Tem mais na Amazônia do que em qualquer outro lugar do mundo, mas muito disso ainda é pouco documentado ou ainda não descoberto. Eu trabalho com aves; aves é o grupo provavelmente mais bem conhecido de animais do mundo e, mesmo assim, com pássaros, a gente ainda descobre uma espécie nova para a ciência, de vez em quando. Com os outros grupos é mais frequente ainda de encontrar coisas novas.

Marcelo Abud:
É provável que nenhum outro ser humano tenha visitado antes a Serra da Mocidade. Com o pico a quase dois mil metros de altitude, a região não possui terra plana suficiente para pousar um avião, não existem estradas e os rios geram cachoeiras impossíveis de navegar.

Mario Cohn-Haft:
O ambiente especial na Serra da Mocidade é muito extenso, porque é uma serra que tem uns 80 quilômetros de extensão, então, tem uma área de altitude grande o suficiente para manter populações saudáveis de bichos de serra. Nunca foi explorado, longe de tudo, uma serra isolada de outras serras. Isso é muito importante, porque cria como se fosse uma ilha de altitude, tem mais que 100 quilômetros até qualquer outra serra, que faz com que esse isolamento ofereça as condições para diferenciação biológica, ou seja, especiação. Com séculos, milênios, milhões de anos de isolamento, as populações que vivem em cima da serra não têm contato com outras populações típicas de altitude e se tornam diferenciadas, únicas. Agora, se você tem espécies que só ocorrem numa serra que nunca foi estudada, necessariamente, vão ser novas para a ciência. Então, vendo esse lugar no mapa era uma receita para ter espécies novas e o desafio era chegar lá.

Marcelo Abud:
Para viabilizar a expedição, os recursos necessários vêm de uma coprodução da Grifa Filmes com GloboNews e GloboFilmes, além de empresas do audiovisual da Alemanha e do Japão. A filmagem das novas descobertas é acompanhada de perto pela equipe do documentário, sob direção de Maurício Dias.

Maurício Dias:
A história do “Novas Espécies” começa quando eu acabei uma outra série, chamada “Salvos da Extinção”. Nessa série, eu conheci um cientista lá de Minas Gerais e ele me falou que existiam expedições, nos dias de hoje, em busca de novas espécies. Isso, para mim, foi uma surpresa, eu achei que não existisse mais isso de grupos saindo em busca de novas espécies, que achar uma nova espécie fosse uma coisa muito casual e ele me deu o contato do doutor Mário Cohn-Hafta. Eu liguei para ele me contar um pouco como que era esse trabalho e lancei um desafio: “Qual era o maior sonho da vida do Mário?”, “Qual era a expedição que ele achava que teria mais possibilidades de achar novas espécies?”. E, aí, ele me contou o projeto que ele já tinha há 10 anos de fazer a expedição para a Serra da Mocidade. Depois disso, foi mais de 1 ano e meio de várias negociações com o Exército, com o Inpa, para a liberação para a gente conseguir filmar, para a nossa equipe caber dentro. Na verdade, a nossa equipe também faz a expedição com eles.

Trecho do filme, com locução de Marcos Palmeira e música de fundo
“A primeira equipe embarca, leva consigo a esperança de encontrar novas espécies e a euforia de pisar, pela primeira vez, em uma área intocada”

Mario Cohn-Haft:
Quem assiste ao filme, primeiro, vai ver uma Amazônia que talvez nunca tinha visto antes; uma Amazônia de altitude, uma Amazônia fria, com vento e nuvem vistas, e não aquela coisa opressiva quente das terras baixas; vai ver uma aventura que talvez não sabia que os pesquisadores se submetiam, de andar de helicóptero, de ter que descer de rapel do helicóptero para poder abrir uma clareira para poder pousar o helicóptero depois. Mas, especialmente, o que eu espero muito que o grande público tire desse filme é ver na cara dos pesquisadores o “barato” que é estudar a natureza, de tentar entender a natureza, de explorar lugares inexplorados. É um dever nosso, da academia, da ciência, tornar isso mais acessível para todo mundo. Ainda mais se a gente usa dinheiro do povo para fazer esse tipo de coisa, que o povo entenda pra que serve, que o povo veja o que é esse trabalho; que biólogo ou cientista não é só aquela pessoa de bata branca dentro de laboratório, mas que faz uma coisa que é do interesse de todos: entender com quem que a gente compartilha o planeta, quais são os outros seres vivos que vivem aqui com a gente e ver o tanto que é fascinante e bonito a natureza. Nem todo mundo tem a oportunidade de ver a natureza nem na sua própria cidade, muito menos no alto de uma serra, no extremo canto do país, longe de tudo quanto é modo de transporte e acessibilidade.

Som do filme com os cientistas chegando ao destino

Maurício Dias:
O maior legado, sem dúvida, é que as pessoas podem entender um pouco como é o trabalho de campo desses cientistas. A gente não entende, tem uma fantasia, parece que as pessoas vão para o mato, que os bichos já estão lá esperando, que é tudo muito simples. Quando a gente está com eles, a gente vê que tem muito trabalho e muita dedicação; que é um trabalho super sério e um trabalho incrível. Através deles que a gente consegue descobrir um monte de coisa que salva pessoas, que acha elementos para as medicinas ou para tudo o que a gente vive hoje.

Mario Cohn-Haft:
A pesquisa básica de descrição do que é que tem ao nosso redor, às vezes, para as pessoas, parece ter pouca utilidade. Agora, lá na frente, quando alguém usa um remédio que foi desenvolvido com base no veneno da cobra que alguém estudou para simplesmente entender como é que cobra envenena a presa e descobriu que isso afeta a grossura do sangue, que pode ser usado para tratar problemas de hipertensão e tudo o mais, aí sim, as pessoas ficam agradecidas e acham que foi importante. Mas é importante a gente lembrar que a pesquisa nunca vai para o mato achando que “ah, eu vou achar um remédio para hipertensão ou a cura do câncer ou uma coisa que eu sei que vai ter utilidade para o ser humano”. O primeiro passo é simplesmente entender o que é que “está rolando” em volta, descrever as atividades normais, as funções da natureza, para depois entender como isso pode ser útil.

Som de trecho do filme
Marcos Palmeira: Na bagagem, levam resultados excelentes. Mais de 1.500 espécies documentadas. 95 novos registros para o Brasil e, ao menos, 80 novas espécies para a ciência.

Marcelo Abud:
A produção chegou aos cinemas no final de novembro. Com narração de Marcos Palmeira, o longa-metragem mostra os bastidores das descobertas de novas espécies registradas por 42 cientistas do Inpa. Eles permaneceram na Serra da Mocidade durante 25 dias, com auxílio operacional do Exército Brasileiro, por meio do Comando Militar da Amazônia.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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