Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

O dia 19 de abril passou a ser o Dia dos Povos Indígenas em 2022, deixando para trás o “Dia do Índio”. A artista Kaê Guajajara lembra a data como um marco da luta dos povos originários pela manutenção de sua cultura e explica que o termo “índio” tem uma origem racista e por isso não deve ser usado: “Nós temos a nossa diversidade. Meu povo é Guajajara e aí vai ter o povo Pataxó. Então essas pessoas indígenas vieram de um povo. Elas são Guajajara, são Pataxó. Elas não são índio, sabe? E esse nome foi dado pelo colonizador(…). Achavam que estavam na Índia. Então eles falaram ‘ah, índio’, para generalizar, para dissolver toda a nossa diversidade.”

A cantora indígena usa a música como ferramenta de conscientização e protesto no combate à invisibilidade de povos originários que vivem, inclusive, nas grandes cidades. Importante representante da Música Popular Originária (MPO) e nascida em Mirinzal (MA), Kaê Guajajara vive no complexo de favelas da Maré (RJ) desde criança. A artista chegou ao Rio de Janeiro em busca de sobrevivência, uma vez que sua família estava em zona de conflito com madeireiros. Mais que uma expressão artística, ela vê na música uma forma de resistir e se manifestar contra o racismo indígena.

Kaê Guajajara
A cantora Kaê Guajajara (crédito: divulgação/ Tayná Sampaio)

Ouça também: Descobrimento, achamento ou invasão: o que define o dia 22 de abril de 1500?

“É aquela violência que nós indígenas sofremos por conta da nossa cultura e, quando na cidade, muito pelo que a gente está carregando na nossa identidade. E temos muitos corpos racializados que vão sofrer por estarem dentro do estereótipo que o brasileiro acredita ser o indígena. Tudo isso se resume como o racismo indígena, que é toda essa violência que nos atinge, independente se a gente tá na aldeia, na cidade ou em qualquer outro lugar”, explica a cantora, escritora e arte-educadora.

Zahytata

Após “Kwarahy Tazyr”, primeiro disco lançado em 2021, Kaê Guajajara lança o álbum “Zahytata”, que significa estrela em zeeg’ete, idioma falado pelo povo Guajajara. No trabalho, ela traz novas narrativas e vivências. “Está mais do que na hora da gente pautar a autoestima e saúde mental dos povos originários e como estamos depois de muitos anos de colonização, sendo atingidos dessa forma por muitas violências. Esse álbum vem trazendo essa nova perspectiva: olhar para os povos originários com autoestima, falando de um bem-viver realmente”, pontua.

Ainda no áudio, a organizadora do livro “Descomplicando com Kaê Guajajara: o que você precisa saber sobre os povos originários e como ajudar na luta antirracista” fala de outros termos que não devem ser usados para se referir aos povos originários e relata situações que viveu e ilustram o preconceito contra indígenas nas cidades.

Veja mais:

Ailton Krenak critica “novo normal” e humanidade autodestrutiva

O que é contra-colonial e qual a diferença em relação ao pensamento decolonial?

Professor indígena usa plantas medicinais para explicar biologia

Mulheres indígenas debatem participação política e se existe um feminismo indígena

Transcrição do Áudio

Mix de introduções de músicas de Kaê Guajajara fica de fundo

Kaê Guajajara:
Meu nome é Kaê Guajajara, eu sou cantora, arte-educadora, escritora e tô aí, né, fazendo um monte de expressões dentro da arte, para que seja passada a mensagem de que os povos originários estão vivos e resistindo a cada avanço da colonização nestes últimos tempos; e continuamos resistindo com a nossa cultura, com a nossa língua e juntando tudo isso pra poder reafirmar a nossa existência.

Sobe som: música “Mãos Vermelhas” (Kaê Guajajara)
Me diz pelo que você luta?
Que ar você respira, senão o meu fôlego?

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Introdução de música de Kaê Guajajara fica de fundo

Marcelo Abud:
Representante da Música Popular Originária, Kaê Guajajara nasceu em Mirinzal, no Maranhão. Ainda criança, mudou-se para o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, na luta por sobrevivência. A artista faz de sua música uma forma de lutar contra o racismo indígena.

Kaê Guajajara:
É aquela violência que nós indígenas sofremos por conta da nossa cultura e, quando na cidade, muito pelo que a gente está carregando, né, na nossa identidade. E temos muitos corpos racializados que vão sofrer por estarem dentro do estereótipo que o brasileiro acredita de ser o indígena.
Tudo isso se resume como o racismo indígena, que é toda essa violência que atinge nós, indígenas, independente se a gente tá na aldeia, na cidade ou em qualquer outro lugar.

 

 

Música: “Karaiw” (Kaê Guajajara)
Eu vou cantar, já que é cantando que você me escuta
Na sua frequência vou te descolonizar
Sou a própria autora da minha vida

Kaê Guajajara:
Utilizar a arte para resistir é usar dos elementos e sonoridades para estar pautando uma existência que a colonização dá como morta, como o que não existe, né?
Então, quando eu canto vivências de uma pessoa indígena re-existindo na cidade, na favela, eu torno isso existente pros ouvidos que estão escutando.

Marcelo Abud:
Kaê Guajajara explica porque chamar indígenas de índios tem uma origem racista.

Kaê Guajajara:
Nós temos a nossa diversidade. Meu povo é Guajajara e aí vai ter o povo Pataxó. Então essas pessoas indígenas vieram de um povo. Elas são Guajajara, são Pataxó. Elas não são índio, sabe?
E esse nome ele foi dado pelo colonizador, quando chegaram aqui no Brasil, né, na ‘Pindoretaquia’ que era, né, e, quando olharam, achavam que estavam na Índia. Então eles falaram assim ‘ah, índio’, para generalizar, para dissolver toda a nossa diversidade.

Música: “Mãos Vermelhas” (Kaê Guajajara)
Chamam de pardos pra embranquecer
Enfraquecer e desestruturar você
Pra não saber de onde veio

Kaê Guajajara:
E aí, outra palavra é tribo. Tribo remete a uma coisa do passado, a uma coisa arcaica, sem tecnologia. E os povos indígenas têm muitas tecnologias, principalmente para ensinar para os não-indígenas. Então, o ideal é que fale comunidades, aldeias, para se referir aos territórios desses povos.
O certo é falar indígena, para falar assim o mais próximo, né, do respeito, mas o ideal mesmo é remeter cada pessoa pelo seu povo, pelo seu nome, e não sair reproduzindo muitas coisas que não nos representam.

Música: “Território Ancestral” (Kaê Guajajara)
Nós temos nomes, não somos números
Pra me manter viva, preciso re-existir

Kaê Guajajara:
Outra forma racista de agir com os povos originários é também a deslegitimação dependendo do território que a gente está. Por exemplo, se uma pessoa indígena ela está na cidade ela vai sofrer a deslegitimação das pessoas ao redor dela. Porque vão dizer que a gente está fantasiado; questionar, né, o que a gente está fazendo ali? E não questionam o que a cidade está fazendo ali. As pessoas esqueceram completamente que esse território é indígena e ele tá roubado.
Então, a gente fica ali… olha e já pergunta ‘nossa, mas você é índio de verdade?’ Porque eles automaticamente pensam ‘o indígena tem que vir da aldeia’ e tem que viver de tal forma’. E se ele não estiver parecendo dentro da forma que eu acredito que seja uma pessoa indígena, então ele não é.

Música: “Essa Rua é minha” (Kaê Guajajara)
Essa rua essa rua ela é minha
Eu refloresto e vou um dia retomar
Pra todo povo todo povo dessa terra
Que o genocídio não conseguiu acabar

Kaê Guajajara:
Outra vez, eu estava numa rua assim bebendo tipo um guaraná natural, né, e aí uma criança parou pra mim, não sei, devia ter uns 8, 9 anos, e aí falou assim ‘nossa, tia, mas você é índia e tá bebendo guaraná natural’. Enquanto criança ainda, ele já pensa que, por conta da minha identidade, não posso estar bebendo ou comendo alguma coisa específica, sabe? Enquanto todos os outros seres humanos, ‘normal, né?’.
É importante a gente quebrar um pouco desse estereótipo, dessa imagem congelada de 1500, que a gente acredita que é o indígena hoje em dia. É bom a gente sempre relembrar que nós estamos e continuamos sendo atingidos por muitas violências da colonização e hoje em dia a gente vive as consequências dessa violência.

Marcelo Abud:
Para a artista, a melhor forma de eliminar os preconceitos é perguntando para a própria pessoa indígena, quando surgir uma dúvida. Ela lamenta que essa educação normalmente não é ensinada nas escolas.

Kaê Guajajara:
Muitas delas reproduzem justamente o que a colonização quer comunicar, que eles são vitoriosos, que o Brasil não foi invadido, que ele foi conquistado. São narrativas feitas para apagar as existências indígenas e a resistência, né, até aqui, agora.

Marcelo Abud:
Kaê Guajajara está lançando seu segundo disco, Zahytata, que significa Estrela em zeeg’ete, idioma falado pelo povo Guajajara. No novo álbum, a cantora traz músicas que vão além da mera sobrevivência. As músicas falam sobre o futuro, a partir das mudanças no presente.

Kaê Guajajara:
E eu acho que chegou e está mais que na hora da gente pautar a autoestima e saúde mental dos povos originários e como que a gente está depois de muitos anos de colonização, sendo atingidos dessa forma por muitas violências. Esse álbum ele vem trazendo essa nova perspectiva: olhar para os povos originários com autoestima, falando de um bem-viver realmente.

Música: “Acalanto” (Kaê Guajajara)
Ei parente, levante a cabeça
Não se adeque, não, não se esqueça
O bem viver tá logo ali

Música continua de fundo

Marcelo Abud:
Kaê Guajajara acredita na música como ferramenta educativa e de resistência e luta contra o silenciamento dos povos originários. A visão anticolonial que traz em suas letras é a forma que encontrou para combater o racismo indígena.
Marcelo Abud, para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.