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“O Bêbado e a Equilibrista” é a composição da dupla João Bosco e Aldir Blanc que se tornou conhecida como o hino da anistia durante o período da ditadura civil-militar no Brasil. A música tem origem no Natal de 1977, quando João Bosco é avisado da notícia da morte de Charlie Chaplin.

“O Chaplin era e continua sendo um cineasta, um ator, um escritor, um compositor que levava para as telas de cinema situações específicas de uma certa classe social… Ele estava sempre na classe dos vagabundos, dos sem-emprego, daqueles que não têm facilidade para nada nessa vida… E fazia daquilo algo engraçado, positivo, ou seja, ele empurrava a gente para a frente, sempre naquela situação de dificuldade”, conta João Bosco neste podcast do Instituto Claro.

Ele revela que a primeira coisa que pensou naquele 25 de dezembro de 1977 foi na canção “Smile”, que logo passou a dedilhar no violão. É em torno dessa composição de Chaplin que se constrói a melodia de “O Bêbado e a Equilibrista”.

A música ganha registro definitivo no LP “Essa Mulher”, de Elis Regina, em 1979. A letra é de Aldir Blanc, que acrescenta a temática social com expressões e rimas como “Brasil” e “irmão do Henfil”. “O Bêbado e a Equilibrista” é repleta de metáforas e recados diretos para um país que sentia saudade de pessoas que haviam sido obrigadas a se exilar pelos seus pensamentos e posturas.

“Isso é a genialidade do Aldir! Simplesmente pega aquele tema chapliniano, projeta numa situação do Brasil naquele momento, nós estamos numa ditadura militar no ano de 1978 e, então, ele começa — através do Chaplin — a contar a realidade brasileira naquele momento”, celebra Bosco.

João Bosco ao violão
João Bosco (Crédito: Flora Pimentel)

Antecipando-se à Lei da Anistia, sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, a gravação de Elis se torna a trilha sonora das mobilizações sociais  pelo retorno de brasileiros que estavam exilados, como Betinho, o irmão de Henfil citado na composição.

“A Elis não era uma extraterrestre que chegou e viu uma situação e lançou uma música, ela fazia parte daquela população que estava profundamente insatisfeita. […] João, o Aldir e ela, os arranjos do César Mariano e tudo, a gravação, eles capturaram o que as pessoas estavam sentindo. Se existe o inconsciente coletivo, naquele instante, ele foi lido e foi traduzido”, comenta o filho da artista e produtor musical, João Marcello Bôscoli.

Ameaça à democracia mantém canção atual

Para Bôscolli, toda vez que essa música volta a ficar atual serve como alerta para a sociedade e como motivação para lutar pela democracia. “Quando você olha a música pelo que ela se propõe a denunciar, a falar, a tratar, toda vez que ela começa a fazer sentido, é um alarme pra dizer que a gente está numa situação estranha. Se ela está fazendo sentido, vamos observar o que está acontecendo na sociedade, né?”.

O repórter do Segundo Caderno do jornal O Globo e escritor, Silvio Essinger, concorda e completa: “O Bêbado e a Equilibrista serve para mostrar também que, quando muitas pessoas se juntam para defender esses ideais, não tem tempo ruim que dure para sempre”.

Ainda no áudio, João Bosco revela que nos shows, ao tocar os primeiros acordes da canção, o público se emociona e canta: “como se todos tivessem uma razão em comum por estar ali”. Ele também percebe que, em alguns momentos, a música volta a ganhar uma atualidade preocupante.

“Vivemos numa democracia, mas é uma democracia que tem que ficar muito atento e que inspira cuidados […]. Essa música está sempre sendo chamada para fazer parte desse dia a dia, dessa cantoria, desse show, enfim. Infelizmente ela está sempre falando de coisas que se repetem”, constata.

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Transcrição do Áudio

Música: João Bosco faz introdução ao violão de “O Bêbado e a Equilibrista” (dele e Aldir Blanc)

João Bosco:

Isso é a genialidade do Aldir! Simplesmente pega aquele tema chapliniano, projeta numa situação do Brasil naquele momento, nós estamos numa ditadura militar no ano de 1978 e, então, ele começa – através do Chaplin – contar a realidade brasileira naquele momento.

O meu nome é João Bosco, um compositor, cantor e um violonista brasileiro, nascido em Ponte Nova, Minas Gerais.

Silvio Essinger:

Então naquele momento ali ela se torna um hino para acelerar esse movimento do Brasil das exceções para a democracia.

Sou Silvio Essinger, jornalista, repórter do Segundo Caderno do O Globo e escritor.

João Marcello Bôscoli:

Claro, a gente está falando de um momento político que estava quase explodindo tudo. E ‘O Bêbado e a Equilibrista’ era quase que um rádio ao vivo contando o que a gente estava vivendo.

Meu nome é João Marcello Bôscoli. Sou produtor musical.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música: Introdução instrumental de “O Bêbado e a Equilibrista”, tocada ao violão por João Bosco, fica de fundo

Marcelo Abud:

Conhecida como o Hino da Anistia, “O Bêbado e a Equilibrista” é a composição da dupla João Bosco e Aldir Blanc que tem origem no Natal de 1977, quando João Bosco recebe a notícia da morte de Charlie Chaplin.

João Bosco:

O Chaplin era e continua sendo um cineasta, um ator, um escritor, um compositor que levava para as telas de cinema situações específicas de uma certa classe social… ele estava sempre na classe dos vagabundos, dos sem-emprego, daqueles que não têm facilidade para nada nessa vida… E fazia daquilo algo engraçado, positivo, ou seja, ele empurrava a gente para a frente, né, sempre naquela situação de dificuldade.

Isso tudo veio na minha cabeça na hora que me disseram ‘Charles Chaplin morreu’. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a canção Smile, (João Bosco ao violão dedilha a música de Chaplin) passei algum tempo dedilhando e essa canção foi se soltando e foi gerando uma melodia que nascia dessa ideia e a harmonia, então, foi sendo construída em torno dessa melodia que nascia do Smile.

João Marcello Bôscoli:

Se você nunca soubesse que essa música foi inspirada no Chaplin, foi logo depois da morte dele e tal, você gostaria igual, porque aí não é sobre o Chaplin, é sobre o tipo de valor e o tipo de sentimento, de ideia, de emoção que tem em comum a obra do Chaplin e aquela música inspirada na obra do Chaplin. Como se cada ser humano fosse apenas alguém que carrega e entrega para a próxima geração esse determinado grupo de sentimentos, emoções e, também, ideias.

João Bosco:

O primeiro verso ‘Caía a tarde feito um viaduto’ ele já cria uma atmosfera daquilo que virá.

Silvio Essinger:

Fala do viaduto da Paulo de Frontin, via de ligação da zona sul com o centro, que, em 1971, ele estava em obras e desabou, matou pessoas. Então era esse o viaduto que tinha caído, do qual a letra fala, né?

João Bosco:

Então ele narra esses anos de tortura, de assassinatos, de pessoas que perderam seus entes queridos como ‘Marias’ e ‘Clarisses’, dos exilados, o Betinho era um deles. Tanto que o Betinho, quando volta para o Brasil e a gente se encontra com ele, a primeira coisa que ele diz é ‘a canção de vocês me trouxe de volta’.

Áudio de trecho de show de Elis que conta com Betinho e Henfil na plateia.

Elis Regina:

(com abertura da música ao fundo, emocionada) Vocês já ouviram falar do irmão do Henfil nesta música que eu canto? Pois a peça está aqui hoje, gente! (ri) não é um barato? Conseguiu! (mais risadas que se juntam aos aplausos do público). O irmão do Henfil, o Henfil e etc. O Betinho está de novo com a gente…

João Marcello Bôscoli:

Muitas pessoas que estudam – já ouvi isso de vários acadêmicos, instituições importantes – ‘poxa, essa música ajudou a antecipar a abertura’. E aí eu falei ‘olha, eu acho que sim, mas ela é parte do processo’. A Elis não era uma extraterrestre que chegou e viu uma situação e lançou uma música, ela fazia parte daquela população que estava profundamente insatisfeita. Ela realmente, o João, o Aldir e ela, os arranjos do César Mariano e tudo, a gravação, eles capturaram o que as pessoas estavam sentindo. Se existe o inconsciente coletivo, naquele instante, ele foi lido e foi traduzido.

João Bosco:

A canção acabou sendo eleita como uma espécie de hino da anistia, quer dizer, as pessoas elegeram isso. Quando fizemos a canção, eu me lembro da expressão do Aldir quando a pessoa realiza algo que ela sente que é alguma coisa que traz para ela uma satisfação imensa por existir, por ser um letrista, por ser um sujeito que está percebendo aquela realidade e traduzindo aquilo para outras pessoas.

E essa canção então atinge essas identidades de hino da anistia também em função da interpretação magnífica da Elis, que vive cada momento como se aquela canção saísse dela. Ela tem esse comprometimento com a canção e (música sendo cantada pela plateia fica de fundo) é uma canção que até hoje, quando você canta nos shows, as pessoas têm uma atitude espontânea de cantar junto essa canção, como se todos tivessem uma razão em comum por estar ali.

Sobe som de apresentação de João Bosco com a plateia cantando a música

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar

Marcelo Abud:

Para os entrevistados, a força dessa música serve para celebrar a democracia ou em outros momentos, quando volta a ficar atual, como um alerta para a sociedade.

Silvio Essinger:

Serve para mostrar também que, quando muitas pessoas se juntam para defender esses ideais não tem tempo ruim que dure para sempre.

João Marcello Bôscoli:

Por outro lado, quando você olha a música pelo que ela se propõe a denunciar, a falar, a tratar, toda vez que ela começa a fazer sentido, é um alarme pra dizer que a gente está numa situação estranha. Se ela está fazendo sentido, vamos observar o que está acontecendo na sociedade, né? Ela e algumas outras, mas ela especialmente.

João Bosco:

Vivemos numa democracia, mas é uma democracia que tem que ficar muito atento e que inspira cuidados. Mas isso é uma coisa que nós estamos assistindo não só na América do Sul, mas também no mundo inteiro nós estamos assistindo uma presença cada vez mais intensa de uma extrema-direita, essa extrema-direita tem sempre esse apoio militar… então essa música ela está sempre sendo chamada para fazer parte desse dia a dia, dessa cantoria, desse show, enfim. Infelizmente ela está sempre falando de coisas que se repetem.

Música: Introdução instrumental de “O Bêbado e a Equilibrista”, tocada ao violão por João Bosco, fica de fundo.

Marcelo Abud:

Assim como nos filmes de Chaplin, que alcançavam o coração do povo por tratar de temas sociais de uma forma leve, as composições de Aldir e Bosco têm a magia de contagiar pelo ritmo e poesia para fazer as pessoas se conscientizaram da realidade da sociedade em que vivem.

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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