Neste ano, o estatuto da pessoa idosa completa duas décadas de sua formulação. Apesar de ganhos em termos de legislação, o preconceito em relação à velhice permanece uma marca em nossa sociedade.
“Existe realmente uma violência, uma discriminação, um preconceito enorme contra os mais velhos. Isso se explica porque a nossa cultura sempre foi vista como uma cultura de jovem. Só a juventude é bela, só a juventude é produtiva, só a juventude é alegre, só a juventude merece ser valorizada”, resume a antropóloga, professora e escritora Mirian Goldenberg.
Ygor Kassab, autor da biografia “Ruth de Souza — A Menina dos Vaga-Lumes: 100 Anos de História” e do recém-lançado livro “Avós da Razão — Quebrando a Cristaleira”, concorda com a pesquisadora. “Quando a gente quer mencionar que algo não tem mais valor, a gente fala ‘ah, isso aqui tá velho’. Olha só o maior exemplo de etarismo que podemos ter, de preconceito, é você usar a palavra velho dessa forma, com desprezo”.
Etarismos diferentes
Goldenberg analisa que homens e mulheres sofrem de maneiras distintas no envelhecimento. “Eles sofrem silenciosamente, o que eu acho até pior, porque as mulheres compartilham o seu sofrimento, enquanto os homens não podem falar das suas fraquezas, dos seus medos, das suas inseguranças”.
Kassab aponta aspectos que costumam gerar maior sofrimento no “etarismo feminino”: “Ela é cobrada pela beleza. A sociedade coloca a mulher como um símbolo de beleza, então se ela não está nos padrões durante aquela época em que vive, também sofre o etarismo. E isso a gente pode ver pelos filmes, desenhos animados, pelas histórias em quadrinhos… Essas narrativas mostram, na maioria das vezes, que a mulher velha é sempre a bruxa má; o homem velho, nas histórias infantis, é o profeta, é o sábio. Isso é muito comum!”.
Revolução da Bela Velhice
Goldenberg é autora, entre outros livros, de “A Invenção da Bela Velhice”. O tema gerou uma palestra com mais de um milhão de visualizações no TEDxTalks. Ela explica que o movimento visa estimular pessoas velhas a assumirem o protagonismo da própria vida, com autonomia, liberdade e felicidade.
“Antes, havia um estigma, um preconceito muito grande com relação ao envelhecimento feminino, principalmente. Hoje, as mulheres já enxergam formas de envelhecer mais livres, mais alegres, mais autênticas. Gozar a maturidade é encontrar o tesão no nosso cotidiano e valorizar, enxergar e começar a mostrar para os outros que a velhice também pode ser bela. É isso que acredito e por isso que chamo de revolução”, resume.
Links:
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Velhice deveria ser melhor trabalhada em escolas, afirma gerontólogo.
10 direitos que todo idoso tem no Brasil.
Música: Introdução de “O Futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Mirian Goldenberg:
Há mais de trinta anos eu pesquiso o tema ‘envelhecimento e felicidade’, para entender como a velhice é vista no Brasil. Essa é minha vida: é pesquisar, estudar, escrever até para poder viver a minha própria revolução da bela velhice.
Meu nome é Mirian Goldenberg, eu sou antropóloga, professora, pesquisadora e escritora.
Ygor Kassab:
Desde muito pequeno mesmo eu tenho lembrança de ir à casa de amigas da minha avó, gostar de ouvir Dalva de Oliveira, Linda Baptista. São aspectos que me marcaram muito. Eu me pego, muitas às vezes, tentando explicar a minha relação com os idosos. O que eles dizem, para mim, é documento histórico.
Eu sou Ygor Kassab. Eu sou jornalista e pesquisador do resgate histórico e cultural brasileiro e estou lançando agora meu livro “Avós da Razão — Quebrando a Cristaleira”.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Marcelo Abud:
Uma transformação que não aceita que se enxergue a velhice como a fase da vida associada apenas a perdas, faltas, doenças, limitações e frustrações. É isso o que propõe a “Revolução da Bela Velhice”, criada por Mirian Goldenberg, e que tem como primeiras signatárias as apresentadoras do canal Avós da Razão: Gilda, Sonia e Helena. É dessa forma que elas juntam forças para vencer o etarismo que ainda acontece na sociedade brasileira.
Mirian Goldenberg:
Existe realmente uma violência, uma discriminação, um preconceito enorme contra os mais velhos. Isso se explica porque a nossa cultura sempre foi vista como uma cultura de jovem. Só a juventude é bela, só a juventude é produtiva, só a juventude é alegre, só a juventude merece ser valorizada.
Ygor Kassab:
Porque quando a gente quer mencionar que algo não tem mais valor, a gente fala ‘ah, isso aqui tá velho’. Olha só o maior exemplo de etarismo que a gente possa ter, de preconceito, é você usar a palavra velho dessa forma, com desprezo. Porque às vezes o idoso é colocado dessa forma até pela família. Ele fica meio isolado, não participa mais das decisões: aquela pessoa que está aposentada em seus próprios aposentos.
Áudio de vídeo do canal do YouTube “Avós da Razão”:
Espectadora: Oi, Avós da Razão! O que vocês diriam a respeito de mulheres que não se aposentam com medo de ficarem à toa, de ficar com depressão, de não terem o que fazer?
Helena Wiechmann: Você se aposentou?
Gilda Bandeira de Mello: Eu já! Mas aí eu também fui “inventaderia”, né, então inventei de fazer uma cozinha industrial.
Mirian Goldenberg:
As pessoas ainda não enxergam o que esses novos velhos estão fazendo, que é uma revolução em todos os sentidos.
Áudio de vídeo do canal do YouTube “Avós da Razão”:
Sonia Massara: Tem gente que fala idadismo, tem gente que fala etarismo, enfim, é o preconceito contra a idade. Achar que o velho não sabe fazer absolutamente nada nem tem condições de aprender.
As pessoas precisam entender o que significa a palavra velho. Velho não é um xingamento, não é um adjetivo. É um substantivo comum. Todo mundo que passa de uma determinada idade é velho. Ponto final.
Helena Wichmann: Agora, um conselho que a gente dá para esses jovens: envelheçam. (com ironia) É melhor, não é?
Ygor Kassab:
Então quando você nega o valor do velho, você está negando o seu próprio valor, porque tudo que é velho, tem história. Se você não ficar velho é porque você já não existe mais.
Marcelo Abud:
Ygor Kassab pesquisou durante dois anos para escrever o livro com as Avós da Razão. Uma das conclusões a que chegou é a de que o etarismo é diferente para homens e mulheres.
Ygor Kassab:
Por que ela sofre o etarismo diferente? A mulher é muito mais cobrada nas questões de vaidade, da própria questão de procriação — então se tem filho ou não tem filho. Ela é cobrada pela beleza. A sociedade colocada a mulher como um símbolo de beleza, então se ela não está dentro dos padrões durante aquela época em que ela vive, ela também sofre o etarismo.
E isso a gente pode ver pelos filmes, desenhos animados, pelas histórias em quadrinhos… Essas narrativas mostram, na maioria das vezes, a mulher velha é sempre a bruxa má; o homem velho, nas histórias infantis, é o profeta, é o sábio. Isso é muito comum!
Marcelo Abud:
Mirian Goldenberg explica que os homens também sofrem com o preconceito, mas isso se dá de outra maneira.
Mirian Goldenberg:
Sofrem silenciosamente, o que eu acho até pior, porque as mulheres compartilham o seu sofrimento, enquanto os homens não podem falar das suas fraquezas, dos seus medos, das suas inseguranças.
Como pesquisadora do tema, eu diria para homens e mulheres ‘nós sofremos e nós podemos sofrer juntos’. Porque, quando nós descobrimos que os outros também sofrem, primeiro que nós nos sentimos menos sozinhos no nosso sofrimento e segundo que nós sofremos um pouco menos. A dor compartilhada dói um pouco menos.
Isso que eu faço junto com as Avós da Razão é compartilhar tanto as alegrias quanto os sofrimentos. Então nós temos também que olhar o etarismo neste mundo silencioso do sofrimento masculino.
Música: “O Homem Velho” (Caetano Veloso)
Luz fria, seus cabelos têm tristeza de neon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Marcelo Abud:
A especialista acredita que o etarismo será vencido pela Revolução da Bela Velhice. O movimento estimula pessoas velhas a assumirem o protagonismo da própria vida, com autonomia, liberdade e felicidade.
Mirian Goldenberg:
Eu tenho como referência a Simone de Beavouir, um livro que se chama “A Velhice”. E nesse livro, a Simone de Beavouir usa essa categoria ‘bela velhice’ minimamente, muito pouco. Eu falei: ‘mas é sobre isso que eu quero falar’. Porque o que está acontecendo hoje no Brasil é uma verdadeira revolução das próprias mulheres, principalmente ao enxergarem a beleza da própria velhice sendo elas mesmas.
Antes, havia um estigma, um preconceito muito grande com relação ao envelhecimento feminino, principalmente. Hoje, as mulheres já enxergam formas de envelhecer mais livres, mais alegres, mais autênticas.
Gozar a maturidade é encontrar o tesão no nosso cotidiano e valorizar, enxergar e começar a mostrar para os outros que a velhice também pode ser bela. É isso que eu acredito e por isso que eu chamo de revolução.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
De acordo com Goldenberg, nessa Revolução da Bela Velhice, liberdade, felicidade, autenticidade e amizade se tornam as melhores rimas para maturidade. A ideia é acabar com estigmas e preconceitos e enxergar o que existe de belo na velhice.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.