O aumento da população idosa tem sido constatado nos últimos anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pirâmide social ruma para uma inversão e há expectativa de que, já em 2030, o percentual de brasileiros com 60 anos ou mais vai ultrapassar o de crianças de zero a 14 anos.
Diante desse fato, como a sociedade brasileira tem se preparado para oferecer condições para um envelhecimento ativo e saudável? O Instituto Claro busca respostas com pessoas que têm se dedicado ao tema: a professora e publicitária Vera Pacheco e o psicólogo e gerontólogo José Carlos Ferrigno.
Leia também: Cartilha da USP orienta terceira idade sobre saúde física e mental durante a quarentena
“É uma narrativa mais recheada de queixas contra o abandono dos velhos, desvalorização, do que esse protagonismo que a gente começou a ver com mais intensidade”, afirma Ferrigno. Essas queixas normalmente estão ligadas à discriminação baseada em estereótipos associados à idade, também denominada etarismo.
Para o especialista, esse preconceito tem mão dupla atingindo tanto os mais velhos quanto os mais jovens: “Esse etarismo, a gente tem de pensar sempre dos dois lados: no espaço de trabalho, na família, no lazer, no transporte público. Eu sempre chamo atenção para esses vários momentos de encontro ou desencontro das gerações”.
Protagonismo Sênior
Aos 63 anos de idade, Vera Pacheco atua como atendimento e planejamento na área de Live Marketing (termo recente que designa a interação com o público, ao vivo). Para ela, é importante redirecionar a carreira e buscar se atualizar constantemente para resistir ao etarismo. A professora e publicitária tem usado as redes sociais para estimular o conceito de protagonismo sênior, que alia conhecimento na área e adaptação às mudanças.
“Eu escuto que ‘60+ não serve mais’, ‘queremos professores mais jovens com a mesma linguagem’, tanto é que isso me fez ter os insights para começar um movimento nas redes sociais, onde trago depoimentos de pessoas mais jovens, que dizem o quanto é importante ter pessoas mais velhas trabalhando”, explica Pacheco.
Velhices
Ferrigno faz um contraponto quando se trata de protagonismo ou envelhecimento ativo no Brasil. Ele destaca o aspecto das desigualdades que estão arraigadas na sociedade brasileira, o que torna mais apropriado se falar em velhices.
“Faço uma diferenciação entre consumidor e cidadão. É preciso voar mais alto e pensar na figura do cidadão, que vai exigir não só um atendimento no mercado de boa qualidade, mas também que vai exigir direito à saúde, à educação.Então a respeitabilidade que tem o velho depende muito da sua condição social”, defende o gerontólogo. No áudio, Pacheco e Ferrigno apontam, ainda, o que pessoas com mais de 60 anos devem fazer para se manterem ativas e serem protagonistas de seu tempo.
Veja mais:
“Velhice deveria ser melhor trabalhada em escolas”, afirma gerontólogo
Música: “Checkmate”, de Nathan Moore, fica de fundo
Vera Pacheco:
Além de carregar essa questão de ser mulher e ter cargos e ter de provar que você é duas vezes melhor, agora eu tenho que provar que sou quatro vezes melhor, porque eu tenho 60+.
Eu sou Vera Pacheco, publicitária, professora da FAAP, trabalho no mercado aí mais de 30 anos com a área de Comunicação e Marketing.
José Carlos Ferrigno:
A gente sabe que, na natureza, quanto maior a diversidade, mais o ambiente é saudável. E na sociedade humana, quanto mais se tem liberdade de escolha de estilo de vida, mais rica fica essa sociedade.
José Carlos Ferrigno, psicólogo de formação, gerontólogo de especialização. E também na área de Relações Intergeracionais, trabalhei no SESC durante “apenas” 34 anos.
Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
Ser profissional sênior e assumir o protagonismo no mercado de trabalho é um desafio que requer coragem. Uma das barreiras a ser vencida é a discriminação com base em estereótipos associados à idade.
José Carlos Ferrigno:
Etarismo, idadismo – é um outro nome que se dá -, ageismo – americanizando o termo – dizem respeito ao preconceito etário, que, na verdade, tem mão dupla, porque se os mais velhos são objeto de preconceito, os mais jovens, também. Tem velhos intolerantes (repressores, autoritários) e tem também jovens assim de relacionamento muito complicado. Esse etarismo, a gente tem que pensar sempre dos dois lados, desses encontros de gerações no espaço de trabalho, na família, no lazer, o transporte público. Eu sempre chamo atenção para esses vários momentos de encontro ou desencontro das gerações.
Marcelo Abud:
A percepção sobre o preconceito em relação às pessoas mais velhas é observada em obras como “A Velhice”, de Simone de Beauvoir, lançada em 1970, e, no Brasil, em “Memória e sociedade: lembranças de velhos”, da psicóloga e professora Ecléa Bosi, escrito nos anos 90.
José Carlos Ferrigno:
Era uma narrativa mais recheada de queixas contra o abandono dos velhos – desvalorização -, do que desse protagonismo que a gente começou a ver com mais intensidade, né?
Vera Pacheco:
A tendência pode demorar anos para que ela comece a ser vista pela sociedade, vista pelas empresas. Mas é algo que não vai se poder fugir dessa questão, porque os dados demográficos indicam isso, não tem jeito.
Música: “O Homem Velho” (Caetano Veloso)
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais
José Carlos Ferrigno:
Eu acho que a gente tem que também pensar no Brasil como um país muito desigual. É mais apropriado falarmos de velhices e não de velhice. Pra gente evoluir nessa valorização dos idosos brasileiros, é preciso também diminuir a desigualdade, com educação e tudo mais, né? Outra coisa: eu faço uma diferenciação de consumidor e cidadão. É preciso voar mais alto e pensar na figura do cidadão, que vai exigir não só um atendimento no mercado de boa qualidade, mas também ele vai exigir direito à saúde, direito à educação… Então a respeitabilidade que tem o velho depende muito da sua condição social.
Marcelo Abud:
Aos 63 anos, Vera Pacheco afirma ainda não ter sentido diretamente o preconceito em relação à idade, mas tem ouvido relatos de colegas que trazem as marcas desse preconceito.
Vera Pacheco:
Eu escuto que ‘60+ não serve mais’, ‘queremos professores mais jovens com a mesma linguagem’, tanto é que isso me fez ter os insights para começar um movimento nas redes sociais mesmo, que eu chamei de ‘protagonismo sênior’, onde trago depoimentos de pessoas mais jovens, que dizem o quanto é importante ter pessoas trabalhando, mais velhas.
Marcelo Abud:
Uma das opiniões sobre protagonismo sênior nas redes da publicitária é o depoimento do CEO da Amplifica Live, Mauricio Marques.
Mauricio Marques:
Algum tempo atrás, eu trabalhava com um grupo grande, e eu trouxe dois executivos pro time, dois executivos sêniores, um na área de criação e outro na área de redação geral, de planejamento, e esses caras tinham uma ascendência natural sobre um time de mais de 100 pessoas, todos jovens, cheios de energia, né? E essa ascendência natural fez com que os conflitos dentro do time diminuíssem muito, com que a produtividade fosse muito mais elevada, e que a quantidade de problemas que chegava pra mim… fosse… diminuiu assim à enésima potência. Acho que não é à toa que os grandes times de esporte no mundo, os grandes times campeões têm essa mescla de atletas experientes e atletas jovens.
José Carlos Ferrigno
Um fenômeno mais recente, a partir dos anos 2000, que é um investimento que muitas empresas estão fazendo, no sentido de melhorar as relações entre as gerações no mundo corporativo.
Marcelo Abud:
Durante a gravação do podcast, Vera e Ferrigno citaram o filme “O Estagiário” como exemplo dessa mudança. Nele, Robert de Niro interpreta um senhor de 70 anos que busca voltar ao mercado de trabalho. Neste trecho dublado, que você acompanha a seguir, a voz é de Luiz Antônio Lopes Bueno.
Áudio do filme “O Estagiário”
“Quero a conexão, a animação, quero ser desafiado, e acho que quero ser necessário. A parte técnica pode demorar um pouco pra desvendar, – tive que ligar para o meu neto de 9 anos pra perguntar o que era uma saída USB -, mas chego lá, quero aprender.”
Marcelo Abud:
Vera e Ferrigno trazem algumas dicas para que se alcance esse protagonismo sênior ou envelhecimento ativo.
Vera Pacheco:
Primeiro é buscar sempre atualização profissional, depois é abrir os olhos para o mundo digital, isso eu tô falando aí já de uma classe, né, média, e manter sempre um diálogo aberto com as novas gerações, acho que isso é fundamental.
José Carlos Ferrigno:
A gente pode falar – eu uso indistintamente esses termos – velho, idoso, terceira idade ‘tenham mais coragem e mais atrevimento, menos vergonha de se expor, de falar o que pensa. A Vera enfatizou a questão da formação, da educação, e eu enfatizo aqui a questão mais emocional, psicológica, de partir pra luta e de dizer ‘olha, tô aqui, sou capaz, sou competente e vamos em frente’
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
A valorização e respeito à diversidade, seja na convivência cotidiana ou no mercado de trabalho, só trazem benefícios às pessoas de todas as faixas de idade. Ainda há um bom caminho a ser percorrido para transformar o etarismo em protagonismo sênior, mas a sociedade inevitavelmente deve trilhar nesse sentido.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.