Alfabetizar uma criança que já tem um idioma anterior tem particularidades, como aponta a professora de alfabetização da EMEF Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), Maria Fernanda Alvarenga. Localizada no bairro do Canindé, a escola é referência na capital paulista em acolhimento a alunos de comunidades falantes de espanhol, como bolivianos, venezuelanos e equatorianos.

“De forma técnica, um dos pilares da alfabetização é a oralidade. Então, nem sempre os idiomas terão fonemas parecidos ou equivalentes, e o aluno hispanofalante irá recorrer àqueles com os quais já está acostumado, que são os da língua materna”, explica.

“Uma segunda questão é que os estudantes brasileiros, ainda que não alfabetizados, já estão inseridos no mundo letrado em português por terem nascido assistindo televisão, vendo placas na rua, no supermercado etc. Para a criança que veio de fora, esse mundo é totalmente desconhecido e há esse desafio a mais”, complementa.

Alvarenga lembra que há ainda alunos que vieram de regiões andinas que tampouco falam espanhol, mas quechua. “Para o professor, o primeiro passo é localizar a língua que ele fala antes de iniciar o ensino da alfabetização em português”.

Para completar, a alfabetizadora aponta que nem todas as redes oferecem materiais didáticos que apoiem o professor na tarefa de alfabetizar alunos sul-americanos como bolivianos, venezuelanos, peruanos e equatorianos. “Eu passei a estudar espanhol para melhor me comunicar com eles”, compartilha.

A seguir, confira dez dicas para ajudar na alfabetização e letramento em português de alunos imigrantes falantes de espanhol. Outras orientações e atividades podem ser encontradas no Material didático de alfabetização para estudantes imigrantes e refugiados da Educação Básica, desenvolvido pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS- Bento Gonçalves, 2023).

1) Acolhimento antes de alfabetizar

Para Alvarenga, um desafio para a alfabetização de alunos hispanofalantes é o acolhimento. “Muitas famílias não mudaram de país porque quiseram, tendo fugido de situações de violência, miséria e tendo seus membros separados”, contextualiza a professora.

“Esses alunos só irão aprender se se sentirem confortáveis e com vínculos. Por isso, é necessário ouvir e acolher o que eles trazem, criando um ambiente seguro”, orienta.

2) Não apagar a língua materna no processo

Alvarenga lembra que é difícil para as crianças perceberem que a língua que escrevem na escola não é a mesma que falam em casa. “Nosso trunfo é trazer o espanhol para o processo de alfabetização em português, e não negá-lo. Já vi professor, por exemplo, proibindo alunos de falarem ou escreverem na sua língua nativa”, relata.

“Acho mais produtivo fazer um convite ao aluno, como: ‘Estou vendo que você já escreve bem em espanhol, mas como seria essa mesma palavra agora em português?’”, orienta.

3) Iniciar com atividades apresentando nomes

Na cartilha “Material didático de alfabetização para estudantes imigrantes e refugiados da Educação Básica” (2023), é indicado iniciar o processo pedagógico apresentando o nome das crianças da sala. Cada aluno começa a atividade dizendo seu nome, idade e nacionalidade em português.

Além de trabalhar reconhecendo o nome e de seus colegas, a atividade ajuda os estudantes a identificar letras iniciais e finais, número de sílabas e extensão das palavras.

“O nome é um fator importante para a identidade. Além disso, é importante que as crianças brasileiras e estrangeiras compreendam que o nome do outro não é ‘estranho’, mas parte integrante da sua cultura”, sugere o documento.

4) Compare as duas línguas ao longo do processo

Alvarenga sugere fazer uma espécie de intercâmbio, trazendo imagens de alimentos do dia a dia – como maçã e banana – ou de atividades do cotidiano, como jogar futebol, com as descrições tanto em português quanto em espanhol.

“Os alunos podem comparar as similaridades das palavras e expressões e identificar as diferenças. Ver quais letras e sons possuem uma palavra em uma língua, e depois observar o mesmo na outra”, aponta.

5) Descobrindo os animais da América do Sul

Nessa atividade sugerida por Alvarenga, alunos brasileiros apresentam animais que existem no Brasil, enquanto os estudantes imigrantes mostram espécies que habitam Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, entre outros. “Todos comentam o que acharam mais interessante e surpreendente em cada animal, o professor ajuda a escrever os nomes na lousa e a escrita de cada um deles é analisada em grupo”, recomenda Alvarenga. “Além disso, a tarefa pode ser complementada com a visita a um museu de zoologia”, recomenda.

6) Trabalhe com cantigas de roda

Em “Alfabetização de estudantes venezuelanos: uma proposta pedagógica” (2023), Cláudia de Oliveira Martins cita uma atividade em que alunos de ambas nacionalidades compartilham cantigas. Na sequência, uma cantiga em português e outra em espanhol são selecionadas para serem traduzidas. Depois disso, cartazes com as duas letras, em português e espanhol, são confeccionados e pregados na sala para leituras diárias, ajudando os estudantes a identificarem frases, palavras, letras e sílabas, trabalhando também rima e consciência fonológica. Ao final, a turma reescreveu a lista de palavras e a professora pode fazer correções individuais e coletivas.

7) Traga músicas em português e em espanhol

“O dançar também é uma linguagem universal, e a música ajuda os alunos imigrantes a entenderem a palavra falada, a pensarem sobre os fonemas por meio da oralidade”, recomenda Alvarenga. “Assim, ele já vai adquirindo a fala para depois transpor para a escrita”, relaciona.

8) Crie duplas colaborativas

Nas atividades de alfabetização, aposte em duplas de alunos compostas por um brasileiro e um aluno hispanofalante.

“O aprendizado entre pares ajuda os alunos imigrantes a darem um salto gigantesco na comunicação e impede que se isolem com seus conterrâneos, ajudando na inclusão”, justifica Alvarenga.

Em contrapartida, nunca se deve segregar os estudantes imigrantes. “Já vi professor tirando os alunos hispanofalantes da sala ou fazendo grupos apenas entre eles. As crianças aprendem umas com as outras e os alunos que falam espanhol precisam de repertório da nossa cultura”, indica.

9) Traduza atividades para espanhol depois de apresentá-las em português

O material didático do IFRS sugere apresentar vídeos, livros e regras de jogo sempre na versão em espanhol, após mostrá-los em português. Isso ajuda os estudantes a compreenderem a atividade totalmente.

10)  Aluno imigrante não terá, necessariamente, mais dificuldade de ser alfabetizado

Alvarenga relata que é comum os professores chegarem no final do ciclo de alfabetização com crianças brasileiras apresentando dificuldades e outros imigrantes já alfabetizados. “É necessário paciência, mas o processo será semelhante para todos”, avalia.

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Crédito da imagem: Jose Luis Pelaez Inc – Getty Images

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