No ano em que completa três décadas de existência, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) sofreu modificações com uma portaria publicada em 6 de maio de 2020. A prova, anteriormente bianual e restrita aos 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio, acontecerá, agora, anualmente e abrangerá todas as etapas a partir do 2º ano do ensino fundamental.

Ele também deixou de ser amostral para ser censitário, com escolas e estudantes de todas as redes e regiões do país participando. Além disso, contará com versão eletrônica, a partir do 5º ano do fundamental, e poderá ser utilizada para ingresso na universidade, por meio da somatória das notas do período total do ensino médio.

A implantação das mudanças, contudo, será gradual, iniciando pela inserção do 1º ano do ensino médio na avaliação em 2021.

“A dimensão censitária desonera os estados de gerarem suas provas e abre a possibilidade de uma devolutiva mais consistente para a escola, permitindo o uso pedagógico dos resultados pelas redes”, opina a educadora e gerente de implementação de projetos do Instituto Unibanco, Maria Júlia Azevedo.

“Isso gera parâmetros para as redes ampliarem e identificarem melhorias na qualidade”, defende.

Para a educadora, a periodicidade anual e o modelo digital podem melhorar o tempo necessário para disponibilizar os resultados às as escolas. “Isso, hoje, é uma problemática”, pondera.

Os resultados do Saeb de 2019, por exemplo, foram divulgados em 31 de maio de 2020.

“As escolas interessadas conseguirão analisar o resultado no segundo semestre e promover mudanças apenas para 2021. Em muitos casos, os estudantes já não estão mais lá”, lembra o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Ocimar Alavarse, crítico ao exame.

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Oportunidade X desigualdade

O Saeb continuará composto por duas disciplinas: língua portuguesa e matemática. A novidade é que ele passa a verificar as competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que divide opiniões.

“A Base ainda está no papel. Não se deve pautar uma avaliação em larga escala para algo que ainda não foi implantado ou consolidado”, recomenda Alavarse.

Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, a mudança obriga os colégios a implementarem a BNCC.

“Esta, que deveria ser usada para situar os currículos, torna-se a base dos processos da escola, que passam a treinar o aluno para responderem uma prova”, argumenta.

Opinião diferente possui Azevedo. “Realmente, a avalição induziu o currículo durante bastante tempo. Como já temos BNCC, há condições para sair dessa lógica. Seria desejável”, assinala ele. 

Sobre a vinculação do Saeb à entrada no ensino superior, Azevedo enxerga uma alternativa ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Já Santos prevê o acirramento de desigualdades.

“Para o aluno que tem condição de somente estudar, a somatória das notas será positiva. Para quem também precisa trabalhar, não”, argumenta a coordenadora da Campanha. “Vale ainda lembrar que educação básica não é etapa preparatória para o ingresso no ensino superior. É uma aprendizagem comum a todos”, acrescenta.

Com as modificações, o novo Saeb não permitirá comparações com as edições anteriores. “Não tem como colocá-lo em uma métrica comparativa. Faltarão medidas para acompanhar a série histórica”, alerta Alavarse.

O professor também vê trechos na portaria que permitem interpretações abertas, como o parágrafo 7 do artigo 9. Este aponta que o Saeb abrangerá “quando couber, todas as áreas de formação em todos os anos letivos”.

“Isso pode abrir precedentes para avaliações em larga escala da educação infantil, que integra a educação básica, ou para que nenhuma das mudanças propostas no documento sejam efetivadas”, reflete.

Prova ou sistema?

Para Santos e Alavarse, o Saeb pós-portaria continua não cumprindo sua função de avaliar a educação básica.

“Não é um sistema, é apenas um conjunto de provas. Usa a mesma régua para medir todos as escolas, partindo do princípio de que estão em patamar igual. Não avalia o processo para que essa educação ocorra: a gestão, formação, condições de trabalho insumos intra e extra escolares”, lista a educadora.

“Com isso, a tendência é as redes pegarem os resultados ruins e não mexerem no processo. Prepararem o aluno para responder a prova e ganharem mais pontos. Resultado: o que era para ser um meio de avaliação passa a pautar o ensino”, diz a porta-voz da Campanha.

Como exemplo de boa estrutura, ela cita o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

“A Avaliação do Desempenho dos Estudantes (Enade) é apenas a parte de um conjunto de métricas, que avaliam também outros insumos”, descreve.

Uma verificação mais ampla era prevista no Plano Nacional da Educação (PNE), na Lei 13.005/2014: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb). Regularizado em maio de 2016, teve sua portaria cancelada em agosto do mesmo ano, com a mudança de governo.

“Avaliar a educação é discutir a qualidade do que é ofertado, não somente um teste cognitivo e em larga escala. Nesse sentido, a portaria nada muda”, critica o professor Alavarse.

“Com os resultados em mãos, eu ranqueio, bonifico ou puno as escolas e as redes. Só não mexo no fundamental: as estruturas que impedem o aprendizado”, resume Santos.

Para ela, um exemplo a ser seguido pelo Brasil é a Finlândia. “Eles não se preocupam com a avaliação, mas com o direito à educação. Quando os alunos fazem uma prova, vão bem naturalmente, porque é a consequência do trabalho feito”, diferencia.

Crédito da imagem: Ali Siraj – iStock

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