Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana reconhecida por suas obras que abordam temas como identidade, feminismo, colonialismo e raça, além de apresentar uma perspectiva da realidade africana que foge de estereótipos.

Entre suas principais obras literárias estão “Hibisco Roxo” (2003), “Meio Sol Amarelo” (2006) e “Americanah” (2013). No Brasil, seus escritos já foram citados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e seu livro “No Seu Pescoço” será leitura obrigatória no vestibular 2026 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O TED Talk de 2009 “O Perigo de uma História Única”, posteriormente transformado em livro, consolidou Chimamanda como uma importante voz nas discussões sobre decolonialidade.

“Os textos da autora nos permitem conhecer a África com sua heterogeneidade, contribuindo assim para a quebra do estigma produzido por uma história única, ou seja, da visão eurocentrada que aprisiona o continente ao retrato de pobreza, fome e miséria”, explica Diane Xavier de Sousa, mestre pela pós-graduação interdisciplinar em História e Letras da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Racismo, misoginia e imigração são outras temáticas constantes na obra da autora que podem ser trabalhadas no ensino médio.

“Sempre prevalece o protagonismo das mulheres nigerianas nas narrativas. Ela também explora o racismo presente em situações cotidianas e a desigualdade social que atingem imigrantes em países colonizadores”, acrescenta Sousa, que é uma das autoras do artigo “Por uma literatura antirracista: uma análise dos contos ‘No seu pescoço’ e ‘Os casamenteiros’ de Chimamanda Ngozi Adichie” (2021).

Confira, a seguir, uma entrevista com Sousa, que aponta formas de apresentar a obra da autora nigeriana aos secundaristas.

Instituto Claro: Quais as contribuições de Chimamanda para a literatura mundial?

Diane Xavier de Sousa: As listas de “melhores livros” são geralmente formadas por homens brancos, heterossexuais e do norte global, ou seja, por grupos dominantes oriundos de local privilegiado na sociedade. Assim, excluem as vozes de populações marginalizadas, geralmente desvalorizadas intelectualmente. Porém, as literaturas africanas ganharam destaque recente ao apresentar o olhar desses grupos invisibilizados, que com suas experiências promovem pluralidade de informações e representações. Assim, mulheres, negras e de origem africana, como é o caso da Chimamanda, que criam suas próprias histórias e personagens, quebram com estereótipos de como esses grupos são representados na literatura universal, permitindo que acessemos identidades e pontos de vistas diversos, vindos desses próprios sujeitos.

Quais as principais características literárias de Chimamanda?

Sousa: Ela é conhecida por criar personagens realistas, envolventes e facilmente encontrados na sociedade, conectando os leitores às suas jornadas. São desde profissionais liberais, estudantes e professores universitários a esposas de homens poderosos, empregadas domésticas e famílias plurais, mas sempre prevalecendo o protagonismo das mulheres nigerianas nas narrativas. Ela também apresenta elementos da sua cultura, como nomes, comidas e palavras usadas pelo grupo étnico Igbo. Um traço linguístico que se destaca é o uso da segunda pessoa (tu/você) ao invés da primeira (eu). Essa estratégia aproxima pensamentos e sentimentos da personagem aos do leitor. Em suma, é uma escrita clara, direta e poderosa, mas em linguagem acessível, sensível e poética.

Qual a importância de apresentá-la para alunos da educação básica?

Sousa: Racismo e misoginia estão tão estruturados na sociedade que nem sempre os percebemos como violências. Por sua vez, as reflexões trazidas pelo texto literário dela utilizam o encantamento proporcionado pela arte para analisar o comportamento social humano. Não é que a literatura precise ter uma “função” instrutiva, social ou pedagógica, porém, é impossível não utilizar sua contribuição para a formação de estudantes críticos e autônomos, capazes de modificar a sociedade.

Em qual etapa de ensino ela pode ser apresentada?

Sousa: Principalmente no ensino médio, quando os alunos já possuem maturidade e possuem bagagem política, filosófica e histórica para entender questões sensíveis, o contexto e as entrelinhas das narrativas de Chimamanda.

Com quais temas da realidade dos estudantes a obra dela dialoga?

Sousa: Interseccionalidades como as opressões de gênero e de raça sofridas por mulheres negras, que as deixam vulneráveis à violência, pobreza etc.. Há temas como o racismo presente de forma velada e explicita em situações cotidianas e a desigualdade social que atingem imigrantes em países colonizadores, assolados pelo sentimento de serem o “outro”. Destaco ainda intolerância religiosa e a valorização da autoestima da pessoa negra, que dentro da literatura tradicional foi considerada fora do padrão de beleza ou sexualizada.

A obra da autora dialoga com uma educação antirracista?

Sousa: Sim, suscita reflexões ao questionar e explorar situações cotidianas nas quais o racismo aparece de forma naturalizada. Além disso, seus textos nos permitem conhecer a África com sua heterogeneidade, contribuindo, assim, para a quebra do estigma produzido por uma história única, ou seja, da visão eurocentrada que aprisiona o continente dentro do retrato de pobreza, fome e miséria. Seus textos, além de valorizarem a cultura africana, fornecem representatividade cultural e identitária.

Com quais disciplinas e conteúdos curriculares a obra de Chimamanda pode ser associada?

Sousa: Suas obras podem ser exploradas pelas áreas de ciências humanas e linguagens, uma vez que refletem sobre os problemas sociais. Por exemplo, o professor de história pode utilizar um excerto de “Meio Sol Amarelo” (2006) para iniciar uma aula sobre guerra civil, visto que o livro explora a guerra de Biafra. Sociologia e filosofia podem utilizar trechos de “Hibisco Roxo” (2003) para discutir perseguição política a professores e estudantes em períodos ditatoriais, assim como conflitos religiosos, culturais e desigualdades frutos da escravização dos povos africanos. Geografia pode explorar o tema da imigração no livro Americanah (2013) e abordar países desenvolvidos e em desenvolvimento. Já língua portuguesa pode fazer uma roda de leitura com contos do livro “No seu pescoço” (2009). Ele apresenta mulheres negras em situação de poder e também os sofrimentos trazidos pelo ato de imigrar. Na aula de língua inglesa, é possível utilizar um trecho da obra original para compor questões. Para completar, pode-se explorar assuntos atuais. O livro originado da palestra “O perigo de uma história única” nos alerta sobre os rótulos que são criados quando temos acesso a uma única narrativa e ponto de vista. Já em “Sejamos todos feministas”, a escritora destaca problemas relacionados ao gênero a partir da sua experiência como mulher negra. Mostra os desafios que mulheres enfrentam apenas por serem mulheres, e que mudar essa situação é de interesse de todos os gêneros.

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Crédito da imagem: DLV – WikiCommons

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